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28 Junho 2023 | Yuri Codogno

O futuro do streaming vive no passado: licenciamento de conteúdo entre concorrentes pode estar voltando

Notícia da Warner estar negociando com a Netflix diz mais sobre o setor do que sobre as empresas envolvidas

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(Foto: Divulgação)

Quando a Netflix mudou seu método de atuação no mercado em 2007, deixando de ser uma locadora delivery para se tornar uma plataforma digital, ela se tornou, se não a pioneira, a primeira a alcançar um patamar global de streaming por assinatura de filmes e séries. A empresa seguiu como líder isolada do segmento durante mais de dez anos, até que outras, como Prime Video e Globoplay, surgissem para rivalizar, seguidas pelo grande boom dos streamings, com os principais estúdios de Hollywood inaugurando suas próprias plataformas. 

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A verdade é que, mesmo com quase 20 anos de streamings no mercado, a indústria audiovisual ainda busca entender como as plataformas se encaixam nessa cadeia, visto que comumente há redefinições sobre as fontes de renda para mantê-las funcionando e gerar seus potenciais lucros. Bom, spoilers do passado: como todos estamos cansados de saber, as assinaturas não dão dinheiro o suficiente e são necessárias outras receitas para manter tudo funcionando. 

Recapitulando, em um grande resumo, o caminho seguido até aqui: streamings surgem com a promessa de mudar o mercadoa Netflix lidera o setor sem grandes concorrentes, enquanto cinemas continuam somando números cada vez melhorespandemia muda o cenário e o boom dos streamings finalmente ocorre, com espectadores consumindo mais conteúdo nas plataformasaliás, agora todo mundo tem um streaming próprio, então o conteúdo começa a ser descentralizadovisando contornar as consequências da pandemia, a Warner anunciou lançamentos simultâneos nos cinemas na HBO Max e cinemas dos EUA, anulando a janela de exibição entre cinema e plataformatambém visando atrair mais assinantes, Disney segue pelo mesmo caminho, mas cobra pelo acesso antecipado no streamingcinemas reabrem e começam sua lenta retomada pelo protagonismoNetflix registra pela primeira vez na história uma queda brusca de assinanteso mercado se assusta e novos métodos para atração de novas receitas são estudados

Apesar de não ser um resumo convencional, é o suficiente para nos levar ao momento atual - e que já perdura há alguns anos: como é possível manter o funcionamento dos streamings, e de preferência lucrar, se a única arrecadação vem de assinaturas, enquanto os gastos de desenvolvimento, manutenção, licenciamento e de produção, somados, podem ser bilionários em poucos meses?

Se antes a Netflix não precisava se preocupar muito com isso, visto que por muito tempo foi a única e posteriormente a opção com mais filmes e séries, hoje em dia as coisas estão diferentes e boa parte de seu conteúdo “voltou para casa”, migrando para HBO Max, Disney+, Star+/Hulu, Paramount+, além da concorrente direta Prime Video também produzir conteúdo próprio. Desta forma, com o conteúdo cada vez mais descentralizado, as assinaturas se dividiram em diferentes plataformas, obrigando o cliente a optar por apenas algumas, visto que proporcionalmente são poucas pessoas com condições reais de manter todas as assinaturas, além de sobrecarregar os consumidores.

É importante destacarmos que, enquanto muitas plataformas possuem arrecadações com outros serviços de seus conglomerados, como é o caso dos grandes estúdios de Hollywood, da varejista Amazon e a big tech Apple, a Netflix vive única e exclusivamente do próprio streaming. Então não é por acaso que a plataforma esteja no centro das atenções, ditando tendências e sendo a primeira a absorver os fortes impactos - algo relativamente comum para uma líder de mercado. 

Para contornar a situação, a Netflix recentemente tomou uma série de medidas, como a polêmica cobrança extra para quem compartilha senha fora de sua residência e um plano de assinatura sustentado por anúncios, porém mais barato para o consumidor e com a estratégica decisão de não possuir algumas de suas produções. O resultado disso poderá ser revelado no balanço do segundo trimestre fiscal da empresa que será divulgado entre julho e agosto

Mas quem pensa que as plataformas das majors vivem uma situação mais confortável, está totalmente enganado, visto que manter um streaming em pleno funcionamento não é algo barato; é um gasto multimilionário que algumas dessas empresas não tinham até alguns anos atrás.

Uma companhia que há tempos demonstra como os streamings possuem ônus nas finanças é a Warner Bros. Discovery. Desde que David Zaslav assumiu como CEO, ele tem buscado enxugar a plataforma, retirando conteúdos que não possam agregar tanto valor aos assinantes, assim como diminuir os custos relacionados às produções. Uma das medidas, inclusive, foi unificar os dois streamings da companhia (HBO Max e Discovery Plus) no recém-lançado Max, que ainda chegará ao Brasil.

Mas o que explica, enfim, o motivo das plataformas das majors estarem gastando tanto com streamings, visto que o mais caro (produção de séries e filmes) já estariam prontos anteriormente? O primeiro motivo é o próprio desenvolvimento das plataformas e tudo que engloba mantê-las no ar, seguido pela produção de conteúdos exclusivos que complementam os já produzidos em anos anteriores. 

Entretanto, o que mais explica é a diferença em arrecadação através de licenciamento. Se antes a Netflix e a Prime Video tinham acesso a um mundo de filmes e séries de outras produtoras/distribuidoras, essas também se beneficiavam de ter para quem fazer licenciamentos milionários - e às vezes bilionários. Desta forma, era uma receita gigante que as majors tinham e que agora não têm mais - e que foram substituídas pelos gastos de desenvolvimento e manutenção das próprias plataformas. 

E é exatamente nesse ponto que o mercado se encontra no momento: plataformas das majors descobrindo como é caro ter streaming, com a Netflix percebendo o quão dependente era dessas majors e da Amazon Prime Video e Apple, que possuem receitas em outros segmentos do mercado, assistindo mais confortáveis para poder tomar decisões importantes.

A Prime Video, por exemplo, já está desenvolvendo a sua divisão de distribuição, que terá como foco licenciar seus filmes e séries originais para outras plataformas. A Apple TV+, por sua vez, busca parcerias com as majors para distribuir seus filmes nos cinemas e amplificar seus lucros (assim como valorizar mais o conteúdo na plataforma após sair de cartaz), algo que a Prime Video também está fazendo. Aliás, a própria Netflix exibe alguns de seus filmes nos cinemas, mas em um aparente movimento que envolve mais as participações em premiações, como o Oscar, do que a possível receita das bilheterias.

Ao que tudo indica, como destacou a Variety em reportagem especial, a plataforma Max, que pertence a Warner, está negociando com a Netflix para licenciar alguns de seus produtos - especialmente séries - com a “rival”, voltando ao modelos de uma década atrás e que funcionava para todos. Esse é mais um dos movimentos da WBD está fazendo para diminuir suas dívidas, que foram muito impulsionadas pelo surgimento da HBO Max, e amplificar suas receitas.

Essa medida não é recente, visto que WBD já estava retirando conteúdos e disponibilizando para plataformas FAST (do inglês Free Ad-Supported Streaming, um modelo que funciona gratuitamente através de anúncios). Entretanto, aparentemente é algo que não tem funcionado, tanto que no primeiro trimestre fiscal de 2023, a empresa registrou um fluxo de caixa livre negativo de US$ 930 milhões, contra os positivos US$ 2 bilhões obtidos no trimestre anterior, segundo relatório da empresa.

Acontece que essa negociação entre Netflix e WBD não pode ser exatamente como nos métodos antigos, com algumas das principais joias da casa indo para a parceira-rival. No caso, alguém assinaria a HBO Max caso a Netflix tivesse acesso a Succession, The Last of Us, House of Dragon, Euphoria e afins? Entretanto, como revelou a Variety, alguns títulos importantes de menor expressão e já concluídos, como a série Insecure, podem estar envolvidos no pacote. 

Apesar disso, não é tão diferente do acordo de 2014 entre a HBO e Prime Video, quando o streaming pôde exibir clássicos como Os Sopranos e A Escuta, mas não sucessos da época, como Game of Thrones. As grandes produções originais da HBO ou da HBO Max, ao menos em curto prazo, não devem encontrar uma nova casa, pois é quem têm potencial para atrair e manter os assinantes na Max. A dificuldade, então, é descobrir o equilíbrio entre o que licenciar.

Quem não surpreenderia de seguir um caminho semelhante é a Disney, especialmente por ter perdido cerca de US$ 900 milhões em seus últimos oito lançamentos nos cinemas, segundo o analista de bilheterias Valliant Renegade, como revelou o portal CinePOP. Aliás, os problemas econômicos na empresa são grandes a ponto de estar prestes a realizar a sua terceira leva de dispensas, que deve somar sete mil funcionários demitidos ao todo até o final de agosto - com isso, a meta de economia é de US$ 5,5 bilhões.

“Uma das coisas que sempre falamos é que a Disney consome todo o próprio conteúdo após a exibição dos cinemas. O que significa que a Disney costumava licenciar seu grande conteúdo, como todo o MCU, para lugares como a Netflix por anos; eram bilhões de dólares em contratos de terceiros que agora foram retirados da mesa”, disse Valliant em seu canal no YouTube.

É uma história muito semelhante à Warner com a Max: deixa de receber bilhões em licenciamento e passa a gastar outros bilhões no desenvolvimento e manutenção no Disney+ e Hulu/Star+.

Em relação às outras majors, não há muitas informações sobre a situação da Paramount e Universal, que também lançaram seus próprios serviços. A primeira até possui um streaming ainda não tão consolidado quanto os concorrentes, mas devemos ter mais informações sobre sua situação em breve, especialmente após essa nova mudança no mercado.

A Universal possui a Peacock nos EUA e outras regiões e no Brasil até chegou a lançar o Universal Plus, mas que não pegou muito e agora exibe seu conteúdo em outras plataformas. Então a verba de licenciamento ainda existe.

Já a Sony até teve seu streaming sustentado por anúncios, mas optou por mudar seus planos, obtendo bastante vantagem, ao menos nessa questão, contra as outras majors. Inclusive, ela possui uma grande parceria com a Netflix, dando prioridade para exibir todos os lançamentos cinematográficos em sua plataforma. De fato, com essas novidades do mercado é a Sony quem está se dando melhor no momento.

Por hora, a situação dos streamings está assim e nos próximos meses devemos ter mais novidades de como a indústria e o mercado irão reagir. Mas uma coisa parece certa: esse parece ser apenas o início de um importante desfecho aguardado por todos.

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