22 Dezembro 2023 | Redação
Cinemas brasileiros dão sinais de recuperação em 2023, mas consumo de obras nacionais despenca
Nas bilheterias globais, apesar das greves e decadência de filmes de heróis, produções originais puxaram bilheterias para próximo dos índices pré-pandêmicos
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O ano de 2023 está chegando ao fim e, sem dúvidas, foi bastante atípico para a indústria cinematográfica. Quando pensamos em um panorama global, houve greves em Hollywood que atrapalharam e atrasaram algumas produções, além de sinais de alerta para produções que outrora eram garantia de sucesso, como filmes de super-heróis e também as aclamadas animações da Pixar. No cenário brasileiro, especificamente, houve um crescimento do público geral nas salas de cinema, ultrapassando a casa dos 100 milhões de espectadores e chegando cada vez mais próximo dos índices pré-pandêmicos em 2019. Por outro lado, as produções nacionais tiveram seu pior desempenho desde 2019, com exceção do ano de 2021 quando os cinemas ficaram fechados por conta da pandemia. Em 2023 o market share de filmes nacionais foi de apenas 2,47% e houve uma queda de 33,5% em relação ao ano de 2022 no consumo de filmes brasileiros. Os dados são do OCA (Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual).
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Em um contexto geral os cinemas brasileiros deram algum sinal de recuperação, é verdade. Até o dia 18 de dezembro o público total acumulado nas salas escuras foi de 108,89 milhões e uma renda de R$ 2,14 bilhões. O público cresceu 24,3% em relação ao ano anterior, sendo motivo de comemoração para os exibidores, mas a notícia não tão boa é que esse crescimento foi puxado quase exclusivamente por filmes estrangeiros. Desde de 2020, quando o público total foi de 39,07 milhões, o crescimento é notório e constante. Saltou para 52,25 milhões em 2021 e 95,37 milhões em 2022 antes de superar a barreira dos 100 milhões neste ano. O número, entretanto, ainda está bem abaixo do público de 172,53 milhões de espectadores conseguido em 2019. Os números deste ano ainda estão 34,1% abaixo dos índices pré-pandêmicos.
Mas, quando colocamos uma lupa sobre os números e o foco é em produções nacionais, a tendência de crescimento é inversa, ou seja, houve uma diminuição de público para essas obras. Em 2023 foram apenas 2,67 milhões de espectadores para filmes brasileiros, bastante abaixo dos 4,05 milhões do ano anterior. Quando voltamos ainda mais o tempo o cenário se torna ainda mais preocupante, uma vez que os filmes nacionais levaram 22,89 milhões de pessoas aos cinemas em 2019 e 9 milhões em 2020. A exceção foi o ano de 2021, no auge da pandemia de Covid-19, quando o público foi de apenas 913 mil espectadores. A queda do público na comparação entre 2023 e 2019 é de impressionantes 86,7%. Outro fato que chama a atenção é que apesar de atrair menos atenção do público, o número de obras produzidas aumentou. Foram 261 filmes nacionais em 2023, 245 em 2022 e 166 em 2021, ou seja, apesar de a produção estar em alta, o público não está sendo cativado.
Assim como no cenário global, Barbie (Warner) foi o grande campeão de 2023 nos cinemas brasileiros e com certa folga. O filme original conseguiu um público de 10,67 milhões e superou com bastante margem o segundo colocado, que também foi um filme original e pode indicar uma nova tendência de consumo para os cinéfilos. Super Mario Bros. - O Filme (Universal) levou 6,55 milhões de pessoas às salas escuras e foi seguido de perto por Velozes e Furiosos 10 (Universal), Avatar: O Caminho da Água (Disney) e Gato de Botas 2: O Último Pedido (Universal).
Quem desejar encontrar um filme nacional no ranking dos filmes assistidos, entretanto, terá que "rolar bastante a tela". Nosso Sonho (Manequim Filmes) conseguiu atrair 500,39 mil pessoas para as salas de cinema e foi a produção nacional com maior público em 2023. Entretanto, no ranking geral, foi apenas o 42º filme mais assistido no país. O filme traz um recorte da vida pessoal e profissional dos cantores e compositores Claudinho & Buchecha e, em entrevista recente ao Portal Exibidor, Felipe Lopes, diretor-geral da Vitrine Filmes e da Manequim Filmes, comemorou o resultado e também destacou a importância da Semana do Cinema para que a produção alcançasse esses números.
"Sempre vimos o filme com um potencial enorme e investimos de forma coerente. Tivemos um grande circuito com parceria com os exibidores, escolhemos uma data que permitia que o filme estivesse já com um boca a boca na Semana do Cinema e contamos com equipe e elenco do filme, além do Buchecha, engajados na campanha. Além disso, buscamos o apoio promocional com a Globo Filmes para que o filme tivesse um apelo no lançamento também na TV aberta", disse.
Em 2023 apenas oito filmes nacionais superaram a barreira dos 100 mil espectadores e, além de Nosso Sonho, foram: Os Aventureiros - A Origem (Warner), Mussum, O Filmis (Downtown/Paris), Meu Nome é Gal (Paris Filmes), Desapega! (Imagem Filmes), Ó Paí, Ó 2 (H2O Films), Ninguém é de Ninguém (Sony) e O Sequestro do Voo 375 (Disney). Esses dados, inclusive, mostram algo que pode indicar uma tendência - e também um caminho - para a produção nacional. Dos quatro filmes mais assistidos, três foram cinebiografias e isso pode indicar uma preferência do público por esse tipo de narrativa, uma vez que trazem uma proximidade com a realidade e fator emocional muito forte que tem facilidade em dialogar com o público.
Um outro possível indicativo de que o cinema nacional não passa pelo seu melhor momento é o fato de nenhuma produção ter sido indicada ao Oscar 2024. Retratos Fantasmas (Vitrine Filmes), documentário dirigido por Kleber Mendonça Filho, chegou a ser escolhido pela Academia Brasileira de Cinema para concorrer na categoria de melhor filme internacional, mas a pré-lista divulgada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood deixou o filme fora dessa disputa e também da disputa de melhor documentário.
É claro que não existe uma "fórmula mágica" para a recuperação do cinema nacional, sendo necessário um trabalho conjunto de toda a cadeia e que envolva de produtoras a exibidores e passando por distribuidoras, mas um alento, e talvez possível caminho para essa recuperação é o fato de o Projeto de Lei da Cota de Tela para filmes nacionais nas telonas ter sido aprovado pelo Senado no último dia 19 de dezembro. O PL é uma das medidas que podem auxiliar a alavancar a participação das produções brasileiras nos cinemas, mas aguardemos os próximos episódios e que venha um 2024 de sucesso para toda a cadeia de produção audiovisual brasileira.
Global
Em 2023 apenas dois filmes superaram a marca de US$ 1 bilhão em receitas globais, algo que acontece pela primeira vez desde 2014, com exceção de 2020 e 2021, anos do auge da pandemia de Covid-19 e que os cinemas ficaram fechados por longo período e, quando abertos, não contaram com grandes lançamentos na programação. Assim como no Brasil, Barbie e Super Mario Bros. - O Filme foram os campeões de receita, sendo os únicos que ultrapassaram essa barreira de arrecadação. Mas, apesar de apenas duas produções terem se tornado verdadeiras "campeãs de bilheterias", os números gerais apresentam um crescimento em relação ao ano anterior. Além disso, a indústria também deu alguns indicativos dos novos hábitos de consumo, com o sucesso de filmes-concertos de Beyoncé e sobretudo Taylor Swift, que arrecadou US$ 249,91 milhões e uma suposta implosão dos filmes de super-heróis.
Neste ano, Hollywood presenciou uma queda espetacular da Marvel, com os retornos de bilheteria despencando para o estúdio. As Marvels, por exemplo, custou US$ 250 milhões e arrecadou apenas US$ 203 milhões em todo o mundo. Além disso, a DC Films também passa por dificuldades com seus super-heróis, o que realmente pode indicar uma nova tendência. O último suspiro de esperança para o estúdio em 2023 é o possível sucesso de Aquaman 2: O Reino Perdido, que estreou nos cinemas brasileiras nesta quarta-feira (20) mas, antes disso, The Flash e Besouro Azul já foram considerados fracassos arrecadando respectivamente US$ 271 milhões e US$ 129 milhões.
Outro sinal de alerta que foi ligado para algo que sempre foi considerada uma fórmula de sucesso são as outrora consideradas poderosas máquinas de animação da Pixar. Elementos foi o único filme lançado no ano e arrecadou "apenas" US$ 496 milhões de bilheteria global, acima de Lightyear, que em 2022 arrecadou US$ 226 milhões, mas ainda abaixo das expectativas de Disney e Pixar. A Disney, inclusive, não conseguiu emplacar nenhuma produção no "clubinho do bilhão" em 2023, algo que não acontecia desde 2014 com exceção dos anos de 2020 e 2021 no auge da pandemia.
Mas, apesar das dificuldades e surpresas, e principalmente dos efeitos causados pelas greves em Hollywood, as vendas mundiais de ingressos de cinema deverão apresentar um aumento em 2023. Números da Gower Street Analytics, uma empresa líder de análise em bilheterias, apresentam uma receita estimada de US$ 33,4 bilhões até o final deste ano. O número supera os US$ 21,3 bilhões de 2021 e os US$ 25,9 bilhões de 2022, mas ainda fica abaixo dos números de antes da pandemia, quando a arrecadação foi de 42,3 bilhões em 2019.
Esse crescimento constante, entretanto, deve ser freado no próximo ano. As greves em Hollywood resultaram no adiamento de uma série de filmes de 2024 para 2025 e, com isso, o próximo ano poderá marcar a primeira vez na era pós-pandemia que a receita global de bilheteria sofrerá uma queda. A estimativa da Gower Street é que a arrecadação fique em US$ 31,5 bilhões, um valor 5% abaixo do ano de 2023. Além da perda do tempo de produção devido às greves, os hábitos de ir ao cinema ainda estão tentando se firmar após a pandemia. Devido aos novos hábitos de consumo, e também um possível desinteresse dos consumidores, 2023 só alcançou o status de pré-pandemia devido ao fenômeno Barbieheimer que pintou as salas de cinema de rosa no mês de julho. Os dois filmes, sozinhos, arrecadaram US$ 2,39 bilhões e foram responsáveis por 7,16% do faturamento total dos cinemas em todo o mundo no ano.
Neste cenário, o público deixou claro que existe uma alta demanda por filmes originais ao fazer de Barbie, Super Mario e Oppenheimer as três maiores bilheterias do ano mas, diante das incertezas e atrasos causados pelas greves, o analista de Wall Street, Eric Wold, afirmou ao Variety que 2024 pode ser um ano em que a indústria cinematográfica irá se decepcionar.
"A bilheteria estava se recuperando. Você tinha evidências claras de que os consumidores querem ver filmes nos cinemas. Agora, temos muita incerteza em torno dos cronogramas de produção e de como será 2024. Portanto, temos outro obstáculo na recuperação da indústria", disse.
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