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18 Agosto 2023 | Yuri Codogno

Kleber Mendonça Filho: "aos poucos, a ideia de ir ao cinema no Brasil está sendo retomada"

Depois de alguns anos, cineasta está voltando e se prepara para lançar "Retratos Fantasmas"

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(Foto: Divulgação/Anette Alencar)

Depois dos sucessos O Som ao Redor (2013), Aquarius (2016) e Bacurau (2019), Kleber Mendonça Filho está de volta com o lançamento de Retratos Fantasmas (Vitrine Filmes), programado para entrar em cartaz no próximo dia 24. O Portal Exibidor teve a oportunidade de conversar hoje (18) com o cineasta, que falou um pouco sobre o processo de produção do novo longa-metragem, assim como comentou o atual momento do audiovisual nacional.

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A transcrição da entrevista pode ser conferida na íntegra ao final desta matéria!

Diferentemente dos sucessos anteriores, Retratos Fantasmas não é uma obra de ficção, utilizando o formato de documentário para contar a história. Entretanto, segundo Kleber, o filme possui suas peculiaridades: “queria que ele tivesse o tom de uma contação de história, de uma série de observações, mas que ele tivesse o clima de uma ficção na construção do som, no tom da narração e que tivesse, inclusive, momentos de fantasia e de ficção. É como se a primeira preocupação não fosse ser factual, mas de observar coisas que por acaso são factuais”.

A declaração se justifica, pois em um primeiro instante, Kleber não havia pensado no filme dessa forma, entendendo apenas posteriormente que poderia ser identificado como um documentário. “Nunca falei para os amigos que estava fazendo um documentário; falava que estava fazendo esse novo filme, que tinha muito material de arquivo”, completou o cineasta. 

O processo, inclusive, passou por uma curadoria de arquivos que Kleber já possuía na casa dele, mas não se restringiu a isso. O diretor foi atrás de documentos que estavam disponíveis na Cinemateca Brasileira, no Centro Técnico Audiovisual e de muitos materiais que originalmente eram retratos ou vídeos familiares, de famílias conhecidas e também desconhecidas de Kleber. Algo que possibilitou que o desenvolvimento da produção fosse dessa forma, vale destacar, foi a ausência de um roteiro, ocasionando no filme sendo construído a partir de sua montagem. 

Retratos Fantasmas, nas palavras de Kleber, “é um filme que fala sobre o próprio ato de ir ao cinema e a história do ato de ir ao cinema”. E essa é uma questão que vai de encontro com nossa atualidade, visto que o brasileiro ainda está retomando o gosto pelas salas escuras, depois da pandemia e também dos últimos governos que, para dizer o mínimo, desincentivaram a cultura. 

“A gente passou pelos governos Temer e Bolsonaro que foram muito ruins para a cultura, trataram a cultura com enorme desprezo. E saímos de uma pandemia que afetou o comportamento social do mundo inteiro e, aos poucos, acho que o cinema no Brasil, ou a ideia de ir ao cinema no Brasil, está sendo retomada”, comentou Kleber. 

O cineasta usou como exemplo os fenômenos Barbie e Oppenheimer, que juntos venderam, até agora, cerca de 13 milhões de ingressos no Brasil. Com isso, se vê as salas de cinema aquecidas, com o público mais propenso em assistir a algo nas telonas e, deste modo, Retratos Fantasmas pode se aproveitar desse momento. 

E se depender do sucesso de Retratos Fantasmas em suas sessões de pré-estreia, o desfecho tende a ser positivo. Tanto no Brasil quanto em Portugal, onde o documentário estreia simultaneamente, as sessões antecipadas estão esgotadas. Inclusive, no próximo final de semana (19 e 20 de agosto), o filme estará em 50 cinemas de 25 cidades, dando a oportunidade de observar em um escopo maior como Retratos Fantasmas irá reagir diante de um público mais amplo. Além das sessões de pré, Retratos Fantasmas foi o título de abertura do 51º Festival de Cinema de Gramado. 

Independente disso, Kleber confia no sucesso de seu filme: “Retratos Fantasmas tem essa hora do documentário, mas uma coisa, por exemplo, na pré-estreia de ontem à noite, no Estação Botafogo no Rio, teve uma pessoa que falou ‘era tipo um documentário, mas não se comportava muito como um documentário’. Então talvez seja um dos segredos do filme. No final das contas, são 90 minutos que te dão muitas coisas, são 90 minutos complexos e, como falei, a gente está esgotando praticamente todas as pré-estreias no Brasil”. 

Kleber aproveitou também para lembrar de casos do passado: “Historicamente, observando as performances de O Som ao Redor, Aquarius e Bacurau, são filmes que surpreenderam muita gente do mercado. Lembro muito bem em O Som ao Redor: foram vários exibidores que não quiseram entrar com filme na primeira semana e estavam ligando na segunda semana para entrar com ele, porque não perceberam que já vinha construindo uma certa energia”.

Dessa forma, há a expectativa de que o filme faça uma boa estreia logo na sua semana de abertura. Inclusive, está chegando de Londres uma cópia em 35mm, que deve ter uma sessão especial dentro do esforço de programação, como ressaltou o cineasta.

Em um espectro mais amplo, Kleber também comentou sobre o atual momento do audiovisual nacional e diz ver como uma excelente oportunidade, agora que contamos com um governo que respeita a cultura, para pensarmos em políticas públicas de formação de público; “Nós não podemos ter só o público que o mercado conquista, a gente tem que gerar um interesse pelo cinema e não só pelo cinema brasileiro, mas o cinema em geral, o cinema como ferramenta de discussão, de compreensão da vida, do mundo, da sociedade”, explicou o cineasta.

O próprio fomento à produção, distribuição e exibição foram lembrados, com exemplos como os projetos Cinema São Luiz, de Recife e que pertence ao governo de Pernambuco, o Cine Brasília, em Brasília, e a Cinemateca, em São Paulo. Segundo ele, são salas exemplares que poderiam ser multiplicadas em várias outras cidades do Brasil, com o objetivo de formar público.

Outro ponto seria a regulação, de modo que aumente a competitividade do setor: “Não acho que seja razoável chegar em um multiplex de 12 salas e em 11 ou 12 delas estar recebendo o mesmo filme. A única escolha possível é o horário, se é dublado ou legendado, se é 2D ou 3D… isso não é escolha. Então organizando, todo mundo passa a ter uma parte do processo”, questionou Kleber.

Como exemplo, ele citou a cota de tela na Coreia do Sul e França, países que possuem o cinema local muito forte e que exportam muitas produções. Entretanto, também lembrou que, sozinha, ela não vai funcionar: “Cota de tela faz parte de uma série de ideias que fomentam a ideia do audiovisual naqueles lugares. Apoio à produção, apoio à divulgação, apoio às salas de cinema são muito importantes. Na Europa, existem apoios à sala de cinema, o Europa Cinemas, e na própria França também tem os cinemas de arte em ensaios, que são salas que tem como missão oferecer diversidade. E essas salas têm apoio governamental para funcionar, para existir. Cada sala tem sua equipe, seu curador e programador, programadora”.

Na visão de Kleber Mendonça, o Brasil precisa construir uma rede desse tipo, que são salas que funcionam paralelas à ideia de mercado, mas que também são mercado. Mesmo não sendo multiplex ou atuando como as tradicionais salas de cinema, essa rede tem potencial para movimentar milhões de espectadores.

Confira a entrevista na íntegra:  

Por que a escolha em contar “Retratos Fantasmas” em forma de documentário?

Em primeiro lugar, não pensei dessa forma, mas aos poucos fui entendendo que ele talvez fosse identificado como um documentário. Na verdade, queria que ele tivesse o tom de uma contação de história, de uma série de observações. É como se a primeira preocupação não fosse ser factual, mas de observar coisas que por acaso são factuais. 

Achava que ele seria inevitavelmente identificado como documentário, mas queria que ele tivesse um tom e clima de uma ficção na construção do som, no tom da narração e que ele tivesse, inclusive, momentos de fantasia, de ficção, de linguagem de ficção, de cinema mesmo. Então é muito mais fácil hoje apontar para o filme e chamá-lo de documentário do que quando parti para fazer o filme.

Nunca falei para os amigos que estava fazendo um documentário; falava que estava fazendo esse novo filme, que era um filme que tinha muito material de arquivo. Então a partir do material de arquivo, ele foi se construindo e foi feito de imagens encontradas, imagens que procurei, muitas não achei, achei outras imagens e eu estava muito aberto para descobrir coisas que não sabia que estava procurando, construindo o filme a partir desse material. Outra coisa é que ele não tem roteiro e isso é muito bom, de certa forma… gosto do roteiro, gosto de trabalhar com roteiro, mas não acho que esse filme podia ter roteiro. É um filme que foi sendo construído na montagem. A montagem que foi o roteiro de auto-construção dele.

Qual foi a inspiração para começar a desenvolver “Retratos Fantasmas”?

Gosto da ideia de ter muita coisa guardada em casa. Existe um arquivista em mim, embora eu não trabalhe com técnicas muito sofisticadas de arquivamento e preservação. Acho que dei sorte, porque as minhas fitas sempre foram bem guardadas, mas nada muito científico. Guardava elas verticalmente e deu sorte de lá em casa não ser úmido. E tem muitas histórias de gente que perdeu fitas com a umidade. Recife é muito úmida, mas as fitas sempre ficaram no meu escritório. Não que meu escritório fique com ar condicionado 24 horas por dia, mas há muito uso do ar-condicionado, então a temperatura ficava mais próxima de algo adequado. 

E sempre tive esse material lá, sempre gostava de passar pela estante e olhar para ele durante muitos anos. Conhecia o material, claro, que fiz quando estava na universidade ainda… muita fotografia, muita fita VHS, a câmera era o equipamento que tinha acesso na época, ou seja, equipamento muito caseiro. De uma certa forma, repete aquela lógica do movimento Super 8, de pegar um material caseiro para fazer algo que não é exatamente doméstico e caseiro. E aí, aos poucos, vou amadurecendo a ideia de voltar a esse material e entendi que seria um filme interessante, caso pudesse usar esse material e filmar mais coisa e achar mais outras coisas em outros arquivos. 

E foi aí que entrou a Cinemateca Brasileira, o Centro Técnico Audiovisual e muitas famílias, famílias de conhecidos e desconhecidos que forneceram fotos, filmes e vídeos e descobri algo que é muito bom: famílias são belos arquivos. Existem muitas pesquisas na área de preservação com famílias e essas pesquisas são muito importantes, até para a gente entender a sociedade.

O cinema nacional passou por alguns anos bastante complicados, tanto pela pandemia quanto por questões políticas, e agora começa a sua retomada. O que significa estrear nesse momento “Retratos Fantasmas”, um documentário em que o cinema pode ser considerado um personagem do filme?

A gente passou pelos governos Temer e Bolsonaro, que foram muito ruins para a cultura. Eles trataram a cultura com enorme desprezo e desejo de destruição. A gente está voltando agora em novo governo que devolve à cultura a sua importância: a cultura como instrumento de cidadania do país. E saímos de uma pandemia que afetou o comportamento social do mundo inteiro e, aos poucos, acho que o cinema no Brasil, ou a ideia de ir ao cinema no Brasil, está sendo retomada.

Para mim, fica muito claro que ela não só está sendo retomada. Tivemos agora o fenômeno Barbiehaimer, em que, por baixo, dois filmes levaram 13 milhões de pessoas aos cinemas e criou um frisson, criou uma coisa excited em relação a você sair de casa para ir ao cinema. E quem sabe Retratos Fantasmas vai chegar junto nesse momento onde as salas estão aquecidas, de certa forma, e é um filme que fala sobre o próprio ato de ir ao cinema e a história do ato de ir ao cinema. Talvez seja um timing muito interessante, porque a gente está observando uma energia bem forte em torno de Retratos Fantasmas, com muitas e a maior parte das pré-estreias esgotadas. Em Portugal, a gente também esgotou pré-estreias. No dia 24, Brasil e Portugal fazem o mesmo lançamento, embora com distribuidoras distintas: lá é a Nitrato Filmes e aqui é a Vitrine. Então estou muito curioso para ver o que vai acontecer com o filme. 

É muito claro, também, que é uma excelente oportunidade - com um novo governo que respeita a cultura e saindo de uma pandemia - que a gente precisa pensar em políticas públicas de construção de público, formação de público. Nós não podemos ter só o público que o mercado conquista, a gente tem que gerar um interesse pelo cinema e não só pelo cinema brasileiro, mas o cinema em geral, o cinema como ferramenta de discussão, de compreensão da vida, do mundo, da sociedade. Então fala-se muito do fomento à produção, que é muito importante, distribuição e desenvolvimento de projetos, mas o desenvolvimento de políticas públicas de formação de público é muito importante e aí que projetos com o Cinema São Luiz, de Recife e que pertence ao governo de Pernambuco, o Cine Brasília, em Brasília, a Cinemateca, são salas exemplares de que essa experiência poderiam ser multiplicadas no Brasil em várias outras cidades com o intuito de formar público, de gerar uma uma compreensão maior em uma empolgação maior em torno do cinema. 

E além dessas ações públicas para uma maior formação de público, o que você acha que o próprio mercado poderia fazer em relação a isso?

O mercado precisa, claro, continuar trabalhando e gerando o dinheiro que gera, mas é preciso também que ele seja regulado. Eu não acho que seja razoável você chegar em um multiplex de 12 salas e em 11 ou 12 salas estar recebendo o mesmo filme. A única escolha possível é o horário, se é dublado ou legendado, se é 2D ou 3D… isso não é escolha. Então acho que organizando, todo mundo passa a ter uma parte do processo. 

Na França, um multiplex de dez salas lançando um filme grande, como, sei lá, Homem-Aranha, ocupa quatro salas e todas estão cheias ou lotadas e há espaço para outros filmes. [Assim fica] mais fácil para uma ideia de diversidade. Então não dá para viver num ambiente avacalhado dessa forma. Acho que a cota de tela é muito importante, que ela volte o mais rápido possível. Ela começou a ser desrespeitada ainda no governo Temer e precisa voltar imediatamente… é um mecanismo que muitos países utilizam, como a Coreia do Sul e a França. 

Não coincidentemente dois países que conseguem exportar muito os seus filmes para o resto do mundo… 

Não é coincidência, mas obviamente que o trabalho na França e na Coreia do Sul, voltando ao que falei da construção do olhar, não é só cota de tela. Cota de tela faz parte de uma série de ideias que fomentam a ideia do audiovisual naqueles lugares. Apoio à produção, apoio à divulgação, apoio às salas de cinema são muito importantes. Na Europa, existem apoios à sala de cinema, o Europa Cinemas, e na própria França também tem os cinemas de artes em ensaios, que são salas que tem como missão oferecer diversidade. E essas salas têm apoio governamental para funcionar, para existir. Cada sala tem sua equipe, cada sala tem seu curador ou programador, programadora. E isso cria um uma rede muito especial de cultura de cinema e também de mercado. No final das contas, movimenta milhões de pessoas, milhões de espectadores. O Brasil precisa construir uma rede desse tipo, que são salas que funcionam paralelas à ideia de mercado e também são mercado… elas não são multiplex, mas elas funcionam de uma outra maneira. E a França e a Coreia do Sul são exemplares nesse sentido.

Sei que não é uma responsabilidade sua e sim da distribuidora. Mas o que você destacaria para exibidores para convencê-los a colocar “Retratos Fantasmas” em cartaz?

Isso não é muito meu trabalho, mas historicamente, observando as performances de O Som ao Redor, Aquarius e Bacurau, são filmes que surpreenderam muita gente do mercado. Lembro muito bem em O Som Ao Redor, foram vários exibidores que não quiseram entrar com filme na primeira semana e estavam ligando na segunda semana para entrar com o filme, porque de alguma maneira comeram mosca e não perceberam que o filme já vinha construindo uma certa energia.

Retratos Fantasmas tem essa essa hora do documentário, mas uma coisa, por exemplo, na pré-estreia de ontem à noite, no Estação Botafogo no Rio, lotada também, tem uma pessoa que falou “era era tipo um documentário, mas não se comportava muito como um documentário”. Então talvez seja um dos segredos do filme. Adoro o documentário, mas o documentário é maltratado pelo mercado, como se fosse um primo pobre, o filme esquisito. 

Mas, no final das contas, são 90 minutos que te dão muitas coisas, são 90 minutos complexos e, como falei, a gente está esgotando praticamente todas as pré-estreias no Brasil. Agora vai ser um final de semana interessante e bem importante para o filme, porque ele está em 50 cinemas, em 25 cidades. Então a gente vai ter uma uma primeira visão de como o filme irá dentro nessa nova onda de pré-estreias. Tô curioso para saber o que vai ser do filme.

Aliás, está chegando de Londres uma cópia do filme em 35mm. A gente mandou fazer uma cópia e essa cópia terá uma sessão especial dentro do esforço de programação.

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