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23 Junho 2023 | Gabryella Garcia

Cinema nacional aposta em incentivo público, qualidade e originalidade para retomada

Em um cenário pós-pandemia, e passando por um governo que vilanizou a cultura por quatro anos, grande desafio do cinema nacional é encontrar a fórmula para levar o público às salas de cinema

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Bastidores de Minha Mãe é Uma Peça 3, maior bilheteria brasileira (Foto: Divulgação)

Na semana em que o Dia do Cinema Brasileiro é celebrado, o Portal Exibidor preparou uma análise sobre o cenário atual do audiovisual no país. Em momento de retomada após a pandemia de Covid-19, exibidores, produtores e distribuidores falaram sobre os principais desafios enfrentados no momento e também sobre a "fórmula mágica", se é que ela existe, para reencontrar seu público nas telonas.

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Ainda distante do ideal, mas em um processo de crescimento, o cinema nacional foi responsável por 4,55% do público total nas salas brasileiras no ano de 2022. O número não é nem perto do que sonham os apaixonados pela 7ª arte no Brasil, mas representa parte de um processo de retomada, tendo em vista que no ano anterior apenas 1,9% do público total foi destinado ao cinema brasileiro. Os dados foram retirados do site do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (OCA).

Em 2023, até o dia 14 de junho, um total de 147 títulos nacionais foram exibidos nos cinemas brasileiros. O número representa 37,2% do total de 395 filmes exibidos no país. Levando-se em consideração que ainda não chegamos à metade do ano, o número até o dia 31 de dezembro deve superar os 278 títulos nacionais exibidos em 2022 se a média for mantida. Os números de público e renda, entretanto, não são os mais animadores.

Enquanto o público total ultrapassa a casa dos 52 milhões, apenas 558,3 mil pessoas assistiram filmes brasileiros, o que representa 1,07% do total. No top 5 do cinema nacional, apenas dois filmes superaram a barreira dos 100 mil espectadores. Desapega (Imagem Filmes) lidera a lista com um público total de 150,5 mil pessoas e na sequência aparece Ninguém é de Ninguém (Sony) com 132,4 mil pessoas. Fecham o ranking Chef Jack - O Cozinheiro Aventureiro (Sony), com 50,8 mil pessoas; Enaldinho e o Mistério da Lagoa (Imagem Filmes), com 47,5 mil pessoas, e Nas Ondas da Fé (Imagem Filmes), com 36,1 mil ingressos.

O cenário se torna um pouco ainda mais desanimador se fizermos uma comparação com todos os títulos exibidos nos cinemas brasileiros neste ano. Sozinho, o top 5 de filmes exibidos nos cinema brasileiros supera a casa dos 26 milhões de público - e todos eles são estrangeiros. Em ordem, os títulos são: Super Mario Bros - O Filme (Universal Pictures), com 6,3 milhões de espectadores; Velozes e Furiosos 10 (Universal Pictures), com um público de 5,6 milhões; Gato de Botas 2: O Último Pedido (Universal Pictures), com 5,2 milhões de pessoas; Avatar: O Caminho da Água (Walt Disney Studios), com 4,2 milhões de pessoas, e Guardiões da Galáxia: Volume 3 (Walt Disney Studios), com um público de 4,07 milhões.

Quando falamos em renda o cenário também não é dos mais reconfortantes. As posições se invertem entre Desapega e Ninguém é de Ninguém, que foram os dois únicos filmes nacionais que superaram a receita do milhão. Enquanto Ninguém é de Ninguém fez R$ 2,7 milhões, Desapega conseguiu arrecadar R$ 1,6 milhão. Na sequência, e fechando o top 5, aparecem Chef Jack - O Cozinheiro Aventureiro (R$ 860 mil), Enaldinho e o Mistério da Lagoa (R$ 767 mil) e Nas Ondas da Fé (R$ 683 mil). Enquanto a renda total dos filmes brasileiros em 2023 foi de R$ 9,03 milhões, apenas Super Mario Bros - O Filme, a maior bilheteria do ano, arrecadou R$ 129 milhões.

Retomada após terra arrasada

Nos últimos anos a crise da pandemia de Covid-19 atingiu em cheio o mercado do cinema e, no Brasil, soma-se a isso anos de um governo que vilanizou a produção cultural. Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, o Ministério da Cultura chegou a ser extinto pela reforma administrativa de 2019 e o impacto no setor é incalculável. Um desses impactos do fim da pasta foi o final da Cota de Tela, uma obrigação legal que as redes exibidoras possuem de incluir em sua programação obras cinematográficas brasileiras de longa-metragem. A Cota de Tela deve ser assinada anualmente pelo presidente, e como Bolsonaro não assinou em 2022, os efeitos são sentidos hoje no cinema brasileiro com amplo domínio dos blockbusters americanos nas salas de cinema.

Bruno Wainer, sócio e CEO da Downtown Filmes destaca que os desafios são imensos após aquilo que ele chamou de "guerra contra a cultura". Ele afirma que foram quatro anos sem praticamente nenhum grande lançamento no Brasil, e por isso, o público acabou perdendo o hábito de se ver na tela grande. "Vamos ter que recomeçar a guerra pela atenção do brasileiro do zero", disse referindo-se a disputa com grandes blockbusters americanos.

Um dos pontos cruciais para essa retomada e "vencer a guerra" é retornar com as estruturas de incentivo, na avaliação do diretor da O2 Play, Igor Kupstas. Além da Cota de Tela, vale citar que no Brasil existem leis que contemplam o audiovisual como a Lei do Audiovisual, a Lei Aldir Blanc, a Lei Paulo Gustavo e a Lei Rouanet. Entretanto, sem um esforço coletivo do setor, aliado ao investimento em políticas públicas pelo governo, as leis não resolvem o problema sozinhas.

"Precisamos do retorno de estruturas clássicas que sempre nos ajudaram. Como exemplo, cito a Cota de Tela e o Fundo Setorial com recursos para distribuição e mais dinheiro para nossos filmes. Tudo isso nos ajudaria a ter campanhas mais sólidas e contar com espaço de programação", afirmou Kupstas à Exibidor.

A produtora Iafa Britz, fundadora da Migdal Filmes, tem uma visão parecida sobre a necessidade de incentivos. À Exibidor, ela cobrou um investimento coletivo de todas as pontas do setor da cadeia produtiva. "A gente inclui obviamente o posicionamento da Ancine, dos gestores e dos diretores da agência, olhando para esse lugar de um investimento em produção desburocratizada e responsável para a gente conseguir ter esse espaço para poder atuar".

A Ancine, inclusive, colocou a renovação da Cota de Tela e melhorias na Lei do Audiovisual como prioridades em sua Agenda Regulatória para o biênio 2023/2024. A ideia é que o cumprimento da obrigação da Cota de Tela passe a ser por sessões cinematográficas e não mais por dias, adaptando-se ao modelo de multiprogramação, legado do processo de digitalização do parque exibidor brasileiro, como apontado pela Análise de Impacto Regulatório - AIR realizada pela Agência em 2017.

As campanhas mais sólidas citadas pelo diretor da O2 Play como um dos desafios para a retomada do cinema nacional, inclusive, são alvo de críticas do Presidente do Sindicato dos Exibidores do Estado do Rio de Janeiro, Gilberto Leal. Ele afirmou à Exibidor que é crucial que essas campanhas sejam feitas da mesma forma que eram feitas antes da pandemia para conseguir uma plateia ávida e assídua por produções nacionais. "Se observarmos o que fazíamos antes, por volta de 2018, iremos ver como as campanhas dos filmes brasileiros não estão legais e não conseguem atrair as pessoas para assistirem aos filmes no cinema", criticou.

Mas, apesar de um cenário que ainda é visto como longe do ideal, em um momento de retomada, também há olhares mais esperançosos. Classificando o momento como antagônico, por apresentar muitas dificuldades de produção, mas ao mesmo tempo movido por uma geração muito talentosa, o diretor Gregorio Graziosi, do filme Tinnitus (Imovision), consegue enxergar a luz no fim do túnel. À Exibidor, ele relatou sua recente experiência ao viajar para a divulgação da obra.

"Vimos o quanto tem outros realizadores brasileiros muito talentosos trabalhando, só que os filmes não estão sendo vistos. Para quem gosta de cinema é uma perda muito grande. Tem que ter uma reconciliação com a sala de cinema e com o público do cinema brasileiro para eles ficarem surpresos com o quanto nossos filmes são especiais e o quanto temos atores talentosos, técnicos talentosos e diretores e roteiristas trabalhando. Temos hoje mais talento dentro do cinema brasileiro do que publico".

Além dos incentivos públicos para que o cinema brasileiro atinja o tão sonhado patamar de sucesso, o sócio-diretor da Imagem Filmes, Abrão Scherer, também pontuou que o conteúdo seja relevante e atual ao se "produzir filmes com qualidade e alcance comercial". Britz concorda e aponta que um dos caminhos para o conteúdo de qualidade é a originalidade. "O conteúdo original é o que a gente está buscando a vida toda, é aquilo que vai fazer com que todo mundo saia de casa para ver e que seja fundamental de ser visto. A gente ainda não sabe direito o que é, mas é aquilo que o público ainda não conhece e quer ver. Quando a gente consegue encontrar essa veia, aí são anos surfando nesse lugar, até ter que encontrar o próximo. Mas é importante destacar que esse momento não é só sobre as histórias que criamos, também é sobre políticas empresariais e políticas públicas investindo nesse engajamento. Precisamos de uma cadeia de exibidores comprometidos com o cinema nacional como um todo, assim como distribuidoras e produtores".

Como reencontrar o público nos cinemas?

Diante de tantos desafios,  a grande pergunta —que infelizmente não possui uma fórmula mágica como resposta— é como reencontrar o público nas salas de cinema para competir com os blockbusters americanos. Bruno Wainer, por exemplo, não tem a resposta para a pergunta de milhões, mas destaca que os próximos lançamentos nacionais irão dar uma pista do caminho a ser seguido. "Cinema é tentativa e erro. Vamos ver como o público reage aos filmes programados para o segundo semestre e também para 2024 e, assim, analisar se teremos alguma pista da direção que devemos tomar para reconquistar nosso espaço nas salas de cinema".

Uma dessas pistas, na análise de Britz, inclusive já foi dada pelo público: eles exigem conteúdo de qualidade. Para ela, portanto, além de um forte investimento para fortalecer o mercado, é uma obrigação a produção de excelentes filmes que tragam algum tipo de inovação para satisfazer a alta expectativa do público. "O público exige cada vez uma qualidade maior, então é nossa obrigação achar essas histórias", cravou.

Mas, além da qualidade, Gilberto Leal também destaca a necessidade de produção de algo que seja comercial. Aqui, faz-se necessário destacar que uma coisa não exclui a outra, é totalmente possível que um conteúdo tenha qualidade e seja comercial ao mesmo tempo. "Temos que produzir algo que seja comercial e vá de encontro ao cliente do cinema. Atualmente estamos com poucos produtos comerciais, e isso faz com que os números caiam a cada dia".

Durante o texto muito foi falado sobre incentivos públicos, qualidade das produções e campanhas sólidas de divulgação para o cinema nacional reencontrar seu público. Ao mesmo tempo que são os desafios de hoje, também são as chaves para que a retomada aconteça no futuro. Mas, além disso, Igor Kupstas também chama a atenção para dois pontos cruciais na reconquista do público: a experiência e a inovação. Ele, inclusive, adiantou ao Exibidor algumas novidades e estratégias de um dos próximos lançamentos da O2 Play.

"Hoje buscamos experiências diferenciadas para esse novo mundo, no qual os espectadores retornam de forma gradual ao cinema. É por essa razão que pensamos no lançamento de Elis & Tom - Só Tinha De Ser Com Você, em setembro, como algo diferenciado. Haverá um grande evento em um final de semana para atrair um público específico às salas em um formato diferente. Espero que esse tipo de iniciativa também possa colaborar para a retomada de filmes de arte, com público e sucesso para todos nós", finalizou.

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