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30 Setembro 2022 | Yuri Codogno

Ancine lança nova Instrução Normativa para acessibilidade de conteúdo

Documento levanta polêmica entre os principais players do setor

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Em setembro a MPA promoveu evento para discutir acessibilidade em Brasília (Foto: Divulgação)

A Ancine aprovou ontem (29) uma nova Instrução Normativa sobre as normas gerais e critérios de acessibilidade visual e auditiva nos segmentos de distribuição e exibição cinematográfica do país. As decisões foram firmadas após uma última reunião, mas já haviam sido anunciadas durante a Expocine 2022.

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Na reunião - que contou com a presença de representantes do setor de exibição e de distribuição, de empresas de soluções tecnológicas assistivas e de entidades representativas de pessoas com deficiência -, a área técnica da Agência propôs alterações na antiga Instrução Normativa nº 128, com o objetivo de assegurar o pleno acesso das pessoas com deficiência, além de enfatizar a neutralidade tecnológica da Agência Nacional de Cinema.

Antes, porém, foram realizadas três reuniões técnicas: a primeira, em 23 de junho, contou com a participação de entidades de pessoas com deficiência; a segunda, em 19 de julho, com as empresas que fornecem tecnologias para acessibilidade em salas de cinema; e uma terceira, em 25 de agosto, na Cinemateca Brasileira, com agentes dos setores de exibição e distribuição cinematográfica. 

Mas para Luciano Taffetani, gerente sênior de vendas para cinema da Dolby América Latina, além das reuniões, a decisão deveria ter tido outra abordagem. “Ao meu entender, teria que ter sido uma consulta pública. A gente não passou por uma consulta pública. Se você não tem regras claras, as coisas não acontecem. Historicamente é sempre assim”, ressaltou o executivo em entrevista exclusiva que cedeu ao Portal Exibidor na semana passada

A Dolby, através do CineAssista, é uma das duas empresas que desenvolveram as soluções que foram aprovadas pela MPA e pela própria Ancine para prestar o serviço de acessibilidade de conteúdo no Brasil. A outra é a Riole, com o ProAccess. Na atual Instrução Normativa, porém, a Ancine não afirma que os exibidores são obrigados a utilizar uma dessas soluções, que também conseguem garantir a segurança dos conteúdos transmitidos, evitando o vazamento de cenas e até mesmo a pirataria. 

Entretanto, para Cristiane Moro, diretora da Riole, a atual decisão não muda muita coisa: “acreditamos ser acertada a nova resolução da Ancine, pois assegura o acesso aos equipamentos de acessibilidades pelas pessoas com deficiência, sem restrição de quantitativo, prestigiando esse público, além de garantir a inclusão social e os direitos fundamentais de todas as pessoas. Não muda muita coisa, porque a Ancine nunca disse que tinha que ser tecnologia A ou B. A Ancine sempre deixou aberto para o exibidor decidir qual tecnologia gostaria no cinema dele”.

Nesse ponto, a maior mudança está na quantidade de poltronas que deveriam ser acessíveis. Antes, era de acordo com o número de salas por complexo. Para uma sala, eram necessários três equipamentos, enquanto para 13 salas, era um mínimo de 15. A nova resolução da Ancine, porém, de fato não determina a quantidade, aparentemente deixando essa decisão nas mãos dos exibidores, que agora deverão se basear de acordo com suas necessidades.

Um ponto que não muda é o prazo para acessibilizar as salas, que continua sendo 2 de janeiro de 2023. Deste modo, a partir do ano que vem os exibidores são obrigados a dispor do equipamento de acessibilidade de conteúdo, além de suporte técnico, sempre que o espectador solicitar. Já as distribuidoras precisam disponibilizar aos exibidores os filmes com legendagem, legendagem descritiva, LIBRAS e audiodescrição.

Em caso de descumprimento, tanto por parte dos exibidores quanto dos distribuidores, haverá pena. Uma advertência será aplicada na hipótese de infração considerada leve, mas poderá subir para multa que varia entre R$ 500 e R$ 100 mil se for considerada uma infração de natureza grave ou gravíssima.

Mas para todas as regras, há exceções. A acessibilidade de filmes não será necessária para mostras e festivais, para filmes que terão no máximo 20 exibições simultâneas em salas diferentes e para transmissões ao vivo. Para o caso de pequenas empresas, a obrigatoriedade está relacionada aos percentuais de receita bruta do exercício contábil anterior, não podendo ultrapassar 2,5% para microempreendedor individual; 3,5% para microempresa; e 4,5% no caso da empresa de pequeno porte. Para essas situações, caso os gastos de acessibilidade sejam maiores do que a porcentagem indicada, fica revogada a obrigação.

Dito tudo isso, fica a questão: e se os exibidores (excluindo os que não se encaixam no parágrafo acima) julgarem não ser necessário fazer a acessibilidade de conteúdos em suas salas, por justificarem que não há demanda? Enfim, a nova Instrução Normativa da Ancine deixou a questão quantitativa em aberto, o que foi confirmado por Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli, da Bitelli Advogados. Segundo o advogado, há o princípio da adaptação razoável, que no IN da Ancine foi descrito como “adaptações, modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional e indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que a pessoa com deficiência possa gozar ou exercer, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos e liberdades fundamentais”. 

“O princípio da ‘adaptação razoável’ é um direito constitucional e, portanto, uma conquista para a militância e movimento das pessoas com deficiência no país. A adaptação razoável inclui relatividade, que estabelece limitações à máxima adaptação, cabendo as limitações com base nos interesses e direitos contrapostos. Nesse sentido é que se terá que harmonizar os interesses entre exibidores, distribuidores e pessoas com necessidades especiais de acesso, quando em conflito”, explicou o advogado.

Desta forma, fica subentendido, ainda segundo Bitelli, que não será possível estabelecer um conteúdo específico da adaptação razoável para as salas de cinema, o que somente se resolve por meio da análise do caso concreto. Assim, os exibidores poderão se defender com base na prova do  “ônus indevido”, como disse o advogado ao citar “Adaptação Razoável: O Novo Conceito sob as Lentes de Uma Gramática Constitucional Inclusiva'', do autor MARTEL. D. C. V..

Em outras palavras, cada caso será um caso e, na prática, há a possibilidade de os exibidores (e até mesmo os distribuidores) optarem por acessibilizar ou não as salas e os filmes sem se preocupar com punições. “Em cada caso concreto será feito o balanceamento com base na adequação, a necessidade e a proporcionalidade”, concluiu o advogado.

O próprio Luciano Taffetani, na entrevista cedida semana passada, mostrou preocupação com a possibilidade das salas nacionais não terem acessibilidades, mesmo com o prazo se excedendo: “está passando agora que a Ancine está deixando nas mãos de exibidores e distribuidores uma nova discussão de que tecnologia aplicar, quando essa discussão já aconteceu em 2017… a gente está voltando para trás. E deixando, por exemplo, um espaço em branco que não vai contribuir para que as salas de cinema fiquem acessíveis, para que o cinema geral, no Brasil, vire acessível. Quando você não marca pauta, não regulamenta ou não regula de forma clara, as consequências são que não aconteçam”.

Diretor da Ancine, Tiago Mafra Santos declarou durante a Expocine: “o maior problema é a pessoa com deficiência querer assistir a um filme e não conseguir, eles já vão pouco por conta disso. De todos os agentes quem tem que estar na mesa e dar opinião é o PCD e os distribuidores e exibidores têm que estar dentro também para acompanhar e adequar dentro de suas possibilidades”.

A atual IN sanou algumas questões que estavam no ar, especialmente dos exibidores, que, preocupados com o momento econômico atual do setor, estavam enfrentando dificuldades em acessibilizar as salas.  

Caio Silva, diretor executivo da Abraplex (Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex), também está de acordo com a atualização: “a nova IN atualiza a anterior, fruto do rápido desenvolvimento de diversas tecnologias, que agora, ao contrário do passado, universaliza o acesso aos deficientes visuais e auditivos. Sem dúvida alguma, mais um importante passo inclusivo, preocupação sempre presente nos exibidores”.

Porém a nova Instrução Normativa deixou algumas dúvidas no ar, como quantos equipamentos cada complexo deverá ter, se algum exibidor comercial poderá, legalmente, não acessibilizar suas salas sem sofrer penas e se qualquer equipamento realmente poderá ser utilizado, o que pode desagradar os estúdios de Hollywood. 

O Portal Exibidor tentou contato com a Motion Pictures Association (MPA), mas eles decidiram não se pronunciar, por estarem analisando mais profundamente a nova normativa. Entretanto deixamos seu espaço de fala aberto para completar essa matéria, caso assim desejarem. 

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