19 Dezembro 2024 | Gabryella Garcia
Emiliano Zapata, da Spcine, quer expandir Circuito Spcine e mira parceria com agentes de saúde: "Ajuda a construir um olhar de sensibilidade"
Além de trabalhar na expansão do cinema democrático para a América Latina, Spcine aposta na inclusão com sessões para idosos, pessoas do espectro autista e pets
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Através do Circuito Spcine, a Spcine, empresa de cinema e audiovisual da cidade de São Paulo, busca a democratização do acesso ao cinema em comunidades periféricas. Até o momento são 32 salas de cinema públicas espalhadas nos Centros Culturais e Educacionais da cidade e, assim, essa é a maior rede de salas públicas do continente. Mas, em entrevista exclusiva ao Portal Exibidor, Emiliano Zapata, diretor de inovação e políticas audiovisuais da Spcine, revelou planos para expandir a atuação em diversas frentes, incluindo a internacionalização do projeto para toda a América Latina.
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Desde a criação da Spcine em 2015 a missão foi fomentar e democratizar o cinema. Apenas no ano de 2024 foram inauguradas 12 novas salas na cidade de São Paulo e o objetivo de furar a bolha do audiovisual, deixando de falar apenas de mostras de cinema, Oscar e grandes premiações para levar o cinema para comunidades periféricas tem sido cumprido com êxito. "Pude ir para territórios como José Bonifácio, São Miguel Paulista, Itaquera, Tiradentes e Taipas, literalmente para as franjas da cidade e lugares onde jamais iriam abrir um cinema comercial. As pessoas desses lugares não teriam acesso a experiência do audiovisual, mas nós entregamos salas literalmente iguais, às vezes até melhores, do que salas comerciais. Temos projetores iguais aos deles, uma tela de cinema igual a que eles têm, então quando entregamos essas salas e explicamos para o munícipe que ali vão ter três dias da semana com três sessões, e que no máximo duas semanas após o filme sair no cinema também vai estar passando lá, entendemos que de fato o acesso é muito importante", destacou Zapata.
Nessas experiências o diretor da Spcine também ouviu de muitos pais de crianças que, por condições financeiras, jamais tinham ido a uma sala de cinema, e o Circuito Spcine chegou para preencher essa lacuna e, mais do que isso, contribuir para a formação do público mais jovem das comunidades. "Foram muitas histórias que ouvi de crianças de 3, 4, 5, 6 anos que nunca tinham ido ao cinema. O que elas sabiam de cinema era o que elas viam em recortes do TikTok, então tinham uma experiência completamente comprometida em relação à experiência de ir ao cinema, sentar, ver o filme na telona. Isso vai prejudicando a criança a ter esse repertório semiótico de cores e senso crítico porque fica tudo muito limitado aquela tela pequenininha do celular", disse.
Reconhecidamente, o Circuito Spcine se tornou um case de uma ferramenta de inclusão social e cultural bem-sucedida, mas uma das grandes dificuldades de chegar ao público alvo é conseguir fazer uma comunicação assertiva para passar a mensagem de forma correta. Além disso, Zapata também pontuou que muitas pessoas têm uma visão preconceituosa de não querer ir em um cinema gratuito localizado em um CEU, quando na verdade deveria ser um motivo de orgulho possuir uma sala de cinema pública e de qualidade para que as comunidades periféricas possam tomar posse desses espaços. Uma das formas para superar essas barreiras de comunicação e preconceito, explicou o diretor, é uma parceria com agentes comunitários de saúde, uma iniciativa inovadora de conciliar equipes de saúde e cultura para um propósito em comum de bem-estar social.
"Precisamos fazer uma grande análise na hora de comunicar. Por exemplo, quando falamos de audiovisual e cinema a percepção já muda. Quando chegamos em um território e falamos de audiovisual é algo muito distante do que eles estão acostumados, mas quando falamos de cinema de graça, aí sim eles entendem.Precisamos de agentes territoriais que, de fato, consigam fazer com que essa informação circule e chegue na base. Estamos estudando fazer uma parceria com agentes comunitários de saúde porque esses agentes, no contexto periférico, são pessoas que literalmente entram nas casas das pessoas e conhecem as pessoas pelo nome, sabem o que a pessoa tem e, às vezes, se esses agentes de saúde conseguirem levar a informação as salas de cinema, a gente consiga ter números ainda melhores do que já temos. Estamos batendo 2,5 milhões de espectadores desde quando começamos a política de salas públicas de cinema e a gente quer cada vez mais salas cheias para bater 3 milhões o quanto antes. [...] Essa democratização é um caminho sem volta e precisamos fazer a manutenção desse direito das pessoas desses territórios periféricos, porque assim conseguimos tornar a experiência do cinema mais viva. Às vezes um filme sai do circuito comercial e não morre, ele continua reverberando nessas comunidades e levando essas pessoas a estarem na mesma página do que está acontecendo no mundo", explicou o diretor da Spcine.
Durante a entrevista também destacou a importância da diversidade de conteúdos dentro do Circuito Spcine para a formação de público. Para ele, o verdadeiro fomento do audiovisual é fazer filmes chegarem a lugares periféricos e, além disso, a diversidade de produções pode ajudar a criar um olhar mais humanizado e de menos estereótipos, sobretudo para as crianças desses territórios.
"A formação de público é a gente construir esse público e, de fato, levar informações e diferentes conteúdos. Esse ano fiquei muito feliz porque conseguimos fazer uma mostra coreana, uma mostra chinesa e uma mostra japonesa. Todas tiveram recorde de público e aí comecei a entender que o olhar da criança muda, porque senão ela já nasce com uma visão extremamente xenofóbica do mundo de achar que oriental é tudo a mesma coisa. Através do cinema, de uma forma sútil, essa criança consegue entender e diferenciar isso na sua cabecinha e não colocar o asiático nesse lugar de 'japa' e ter essa percepção é muito desta construção de olhar para ter essa sensibilidade. Da mesma forma acho que isso acontece quando olhamos para a América Latina. Estava no Ventana Sur no início do mês e o que mais falei lá é que acho importante termos filmes latino-americanos e que as pessoas entendam que são semióticas diferentes porque as formas de manifestação cultura da América Latina são muito ricas e temos que ter a percepção das particularidades. Para nós é muito importante que esse senso crítico aconteça e que a gente consiga fazer um intercâmbio entre todos os outros países", destacou Zapata.
Sessões para pessoas do espectro autista, idosos, pets e muito mais
Hoje o Circuito Spcine é referência quando o assunto é democratização do audiovisual, mas essa inclusão vai muito além da atuação em comunidades periféricas. Atualmente a Spcine trabalha a inclusão em diversas outras formas de diversidade e o intuito é poder cada vez mais expandir essa atuação. O principal carro-chefe para essas sessões especiais foi a retomada de sessões voltadas para pessoas dentro do espectro autista no braço de programação chamado de "Circuito Azul".
"Reuni minha equipe e criamos o Circuito Azul apenas para crianças com TEA. Tivemos um pouco de briga porque ainda é um tabu falar de TEA, principalmente nos territórios periféricos. Peguei um levantamento que mostrava que de 2022 para 2024 houve um aumento de 200% no números de crianças com laudo, mas também há muitas crianças que sequer foram diagnosticadas porque na realidade da periferia muitas mães não têm dimensão que a criança possa ter TEA e às vezes a própria mãe tem um pouco de psicofobia com o assunto e não quer acreditar ou encarar a realidade. Dentro do pouco que eu poderia fazer eu me propus a fazer e nós conseguimos retomar o Circuito Azul. Nós ouvimos muitos relatos durante as sessões de mães que não conseguiam ir no cinema comercial e vemos como essas sessões são transformadoras na vida daquelas pessoas. Entendemos que isso é uma centelha e apenas uma sessão, mas já faz uma diferença enorme e penso que essas micro revoluções às vezes são até mais interessantes do que macro revoluções que as pessoas pensam em fazer”, disse o diretor.
Agora, a partir do ano de 2025, o Circuito Azul estará presente em todas as sessões do Circuito Spcine, em suas 32 salas, e acontecerá nos últimos domingos de todos os meses. Zapata, inclusive, comentou que os players de outros países que estavam presentes no Ventana Sur ficaram “encantados” com o projeto e se interessaram na troca de experiências para entenderem como praticar a inclusão na prática dentro do contexto do audiovisual.
Mas, além do Circuito Azul, está nos planos de Zapata ampliar essas sessões especiais para outros públicos, como idosos, mães e pets. Em relação aos idosos, a ideia é aproveitar que muitos frequentam os CEUs para atividades de ginástica, dança e alongamento, por exemplo, e poder oferecer a experiência do cinema no mesmo lugar em uma sessão especial. "Eles frequentam muito os CEUs. Fazem aula de dança, alongamento, diversas atividades. Tem uma programação ampla para eles. Mas descobrimos que muitos nunca tinham ido ao cinema. Às vezes, levavam os filhos, mas acabavam não entrando nas sessões porque aí era mais um ingresso pra pagar, e não é barato. Então preferiam proporcionar a experiência para os filhos. Mas, agora, com as salas públicas, eles querem ir, conhecer e desenvolver esse hábito", explicou Zapata.
Além da chamada Sessão Melhor Idade, outras novidades para o ano de 2025 são os circuitos de programação para mães, que muitas vezes enfrentam dificuldades para assistir aos filmes nas sessões convencionais e também para pets, a Sessão Pet.
"Tenho uma demanda nova que preciso conversar com o prefeito que é a Sessão Pet porque as pessoas querem levar os cachorrinhos para o cinema e a Sessão Pet está super no meu radar. Vou explicar, sentar e conversar com o pessoal da prefeitura para viabilizar isso. Isso já acontece no circuito comercial e é uma demanda também no Circuito Spcine porque muitas pessoas querem levar os cachorrinhos para assistir filmes e, se já fizeram em algum lugar, eu também tenho como fazer aqui", finalizou.
Intercâmbio e internacionalização da democratização ao cinema
Durante o Ventana Sur, o maior mercado de conteúdos audiovisuais da América Latina, que neste ano aconteceu em Montevidéu, no Uruguai, entre os dias 2 e 6 de dezembro, Zapata participou de uma mesa de debate em que o tema central foi o Circuito Spcine. O painel abordou as atividades estratégicas da Spcine e os avanços no fortalecimento do Circuito Spcine como ferramenta de inclusão cultural e também explorou a importância de parcerias locais e internacionais no contexto das políticas públicas audiovisuais, inclusive para outros países também tornar o acesso ao audiovisual possível e democrático.
"Foi muito legal a mesa no Ventana Sur e foram muitas trocas incríveis. Muitos players importantes ficaram impressionados com o trabalho que estamos fazendo aqui através da nossa rede de salas públicas. Eu brinco que nosso concorrente é o México porque temos o mesmo número de assentos públicos, mas não o mesmo número de salas. Lá é um pouco diferente mas é um outro grande player no que diz respeito às salas públicas. No Ventana Sur tinha o pessoal do Chile, do próprio Uruguai, da Argentina e de vários outros países que perguntaram como poderiam levar esse projeto para seus países. Nós explicamos como acontecia e a necessidade de às vezes fazer o letramento da importância do audiovisual para as castas políticas porque às vezes as pessoas só lembram do audiovisual na hora de indicar um filme para o Oscar, mas o audiovisual acontece o ano inteiro e são 365 dias de filmes e mais filmes sendo lançados. A experiência do cinema está cada vez mais cara e as pessoas estão cada vez indo menos ao cinema, e quando temos um circuito público que consegue fazer a difusão de conteúdos criados, entendemos que a experiência do audiovisual vai continuar viva nas pessoas, no país, no município e no estado. Acredito que o caminho é que os agentes públicos, em nível municipal, estadual e federal, cada vez mais tenham consciência da importância de ter o acesso ao cinema e a cultura", destacou.
A partir do próximo ano um dos objetivos da Spcine, além de ampliar a atuação do Circuito Spcine dentro da cidade e do Estado de São Paulo, é também poder auxiliar países da América Latina na criação de salas públicas de cinema, como explicou Zapata.
"Meu grande objetivo é ampliar essa política para o estado de São Paulo porque tem um número imenso de cidades com menos de 70 mil habitantes que não tem cinema e há uma carência enorme nessas cidades menores de ter entretenimento. Para nós, de uma megalópole igual São Paulo, uma sala de cinema a mais ou a menos não faz diferença nenhuma, mas em uma cidade que tem menos de 70 mil habitantes uma sala de cinema pode transformar a realidade de uma população. Hoje meu maior sonho, além de expandir para mais salas em São Paulo, é fazer uma política que se torne cada vez mais pública e fazer com que essas ações se internacionalizem por todo o mundo e que todos os países e lugares tenham órgãos responsáveis como ministérios e secretarias de cultura que entendam o audiovisual sem ser nesse lugar alegórico, mas o audiovisual como um instrumento de transformação educativa porque o audiovisual tem esse poder de virar essa chave na vida das pessoas. Tenho certeza que essas mudanças acontecem nas nossas sessões e no nosso circuito e é muito importante que isso siga muito vivo nessas comunidades".
Durante o Ventana Sur, também é importante destacar, que foi assinado um Acordo de Cooperação Técnica que tem como objetivo fortalecer o setor audiovisual na América do Sul entre Spcine e a prefeitura de Montevidéu. Ao final da entrevista, o diretor de inovação e políticas audiovisuais da entidade também comemorou a assinatura e destacou sua importância.
"Esse acordo foi muito importante porque o Uruguai, por exemplo, tem uma facilidade muito grande de receber produções internacionais e uma facilidade de cooperação e de um fluxo de caixa de dinheiro. Então nós queremos muito aprender com eles e eles também querem muito aprender conosco essa questão da difusão e de como criar essas salas públicas. Claro que cada país tem uma realidade no quesito da população então às vezes aqui 32 salas é pouco e para eles pode ser suficiente, mas existe esse comum acordo de realmente trocar experiências para que a gente possa de fato levar o que está dando certo aqui e trazer o que está dando certo lá para a gente conseguir fazer essa troca", encerrou.
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