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21 Julho 2023 | Yuri Codogno

Estratégia por trás de “Barbie” busca a formação de novos públicos para a marca

Filme é o segundo com mais público no dia de estreia desde 2014

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(Foto: Divulgação)

Barbie (Warner) não precisou de um final de semana para se provar uma das melhores estreias dos últimos anos no Brasil. Na verdade, com 1,2 milhão de espectadores, é o segundo filme que mais teve público no dia de abertura desde 2014, quando os lançamentos mudaram de sexta para quinta-feira. E tudo isso sozinha, sem a ajuda de outros filmes, como é o caso do líder Vingadores: Ultimato (1,6 milhão), que foi o fim de uma saga de mais de dez anos. 

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Bem… talvez “tudo isso sozinha” seja um pouco exagerado, visto que por trás do lançamento teve uma campanha estratégica de marketing global, tanto da Warner quanto da Mattel, que proporcionaram uma hype cinematográfica poucas vezes vista na história da indústria do audiovisual.

“O que o filme está fazendo é criar uma história para a Barbie, porque ela não tinha história. Não existia ‘quem é a Barbie? Ela é filha de quem? Foi aonde? O que come e o que veste?’. E esse filme começa a criar uma história para essa Barbie”, explicou Koca Machado, professora de branded content e storytelling da ESPM e sócia-executiva do Grupo Sal, em entrevista exclusiva ao Portal Exibidor. 

Segundo a especialista, uma das narrativas mais poderosas que o marketing sempre teve é contar histórias e o cinema eleva esse ponto para uma outra potência: “Porque nada mais poderoso do que o audiovisual, em que você está expressando todos os sensos da pessoa, e esse é o princípio do marketing estratégico: criar histórias para marcas com propósito alinhadas a seus valores para ir distribuir em todos os seus canais de comunicação”.

Tecnicamente, o conteúdo de marketing é algo cotidiano, como um influencer ou empresa que posta algo diariamente em suas redes sociais que visam, através do conteúdo e entretenimento, alcançar o público. Já o branded content, por sua vez, é esse conteúdo pensando em histórias que criem valor para a marca. 

Desta forma, não é a marca da Barbie que está aproveitando a onda do sucesso do filme, mas sim a produção que está bebendo do marketing: “Branding é um verbo que deve ser conjugado em todos os canais de comunicação que a marca tem acesso. Então a Mattel fez uma grande estratégia de marca reposicionando o brinquedo Barbie para o século XXI. E por que chamo isso de estratégia? Porque não é uma jogada única. Acho que tudo isso é uma estratégia muito pensada e pautada em marketing, que é a mola do entretenimento”, reforçou Koca.

Inclusive, se engana quem pensa no filme como nichado, com foco de atingir um único ou poucos grupos de pessoas. Barbie tem sido um fenômeno mundial (apesar de ainda não ser possível provar em números, visto que estreia em boa parte do mercado global apenas hoje [21]) e a expectativa é que, em sua abertura, faça quase US$ 100 milhões em bilheteria na América do Norte, algo que um filme com público muito específico jamais conseguiria. 

“O marketing tem entre as suas expertises pensar no seu público. Como atingir esse público? Em que canal esse público está? Em Barbie, tem desde pessoas de 60 a 70 anos que estão nos canais abertos offline até as crianças de 10 a 12 anos. Porque hoje em dia vai além da tela, [pois o filme] vai criando tendência”, disse Koca.

Indo além, é importante lembrarmos que o fato do filme estar sendo lançado no século XXI, quando as diferenças entre brinquedo e entretenimento para menino e menina estão felizmente diminuindo, ajuda no sucesso do filme. E a própria trama do longa se conecta com o mundo atual, onde a aceitação do próximo e de si mesmo é um ideal de nossa sociedade. 

Então apostar na criação de uma história para a Barbie, além de uma estratégia perfeita de marketing e branded content, também auxilia na formação de um novo público. E é possível mensurar isso nos próprios espectadores que estão comprando ingressos: não são apenas meninas que brincam e/ou brincavam com a boneca na infância, são todas as faixas etárias, gêneros e etc. O meme dos atores de Oppenheimer (ou de qualquer outro símbolo de masculinidade) comprando ingresso para Barbie é a pura realidade. 

“Essa base do filme é uma formação de novas plateias usando o marketing. Na minha opinião, a maior jogada de marketing atual… a gente está falando há seis meses desse assunto”, complementou Koca.

Um paralelo pode ser feito com a série de filmes Lego, também da Warner, um brinquedo que começou a cair no ostracismo porque atualmente as crianças depositam menos atenção em algo do que há uma ou duas décadas, como lembrou Koca: “Sua narrativa é um garoto que não presta atenção e o pai começa a comprar o Lego. E aí esse filme levou a marca para um outro patamar de mercado e voltou a ser um brinquedo muito querido pelas crianças. O grande desafio dos contadores de história agora é que já não adianta mais ficar contando historinha; tem que ser aquele ‘boom’ de branding”.

Hoje Lego possui também uma franquia nos videogames, algo que pode ser considerado uma “evolução” no modo de brincar, demonstrando como a estratégia de levar o brinquedo para as telonas deu certo. 

Outro exemplo de fortalecimento de marca através de filmes - mas fora do setor de brinquedos - que pode ser citado é a NBA. Quase todo ano tem algum filme sobre a principal liga de basquete do mundo, como o clássico Space Jam da década de 1990 (e a continuação de poucos anos atrás), mas também produções recentes para outros públicos, como Arremessando Alto (Netflix) e Air: A História do Logo (Warner). “O marketing contemporâneo é isso aqui porque cria valor”, pontuou Koca.  

Voltando a Barbie, novamente se engana quem pensa que se encerra por aqui. A criação estratégica da Mattel pautada no desenvolvimento de uma história e de novos públicos pode até ser o centro de tudo, mas que não funcionaria sozinho. Para isso, usar formadores de opinião (no caso, um elenco de peso e que conversa com diversos públicos, especialmente os mais jovens e que costumam consumir mais cinema) é fundamental. 

Todos sabemos que talento ela tem de sobra, mas não existe atriz melhor - falando especificamente da aparência por sua semelhança com a boneca - do que a Margot Robbie para ser a Barbie. E quem mais poderia ser o Ken além de Ryan Gosling? Alguém que, além de ser muito parecido com o boneco, começou sua carreira como ator-mirim da Disney e é merecidamente um dos queridinhos de Hollywood. Facilmente são atores que conseguimos relacionar fisicamente com Barbie e Ken.

“O marketing trabalha com o inconsciente coletivo. A Barbie está no inconsciente coletivo de gerações, ela sempre foi uma boneca desejada, ela era cara, ela era pouco acessível, aí de repente começou a se tornar mais acessível. Aí surge a Barbie assim, assado, e ela muda. Até boneca PCD já tem e as meninas começam a se identificar com a Barbie. Então isso está no universo das mulheres e, claro, dos homens também”, explicou Koca.

O resto do elenco, aliás, também é de suma importância, com nomes fortes do mercado que atraem público: Emma Mackey, Issa Rae, Alexandra Shipp, Simu Liu, John Cena, America Ferrera, Will Ferrell, Michael Cera e Dua Lipa. Aliás, a cantora é uma das responsáveis por uma das músicas tema do filme, que conta também com Nicki Minaj, HAIM, Tame Impala, Sam Smith, Charli XCX e Billie Eilish. Percebemos, assim, que outro ponto de atração é trazer artistas opostos à Barbie, ou por acaso as músicas de Tame Impala e Billie Eilish conseguem remeter imediatamente ao ambiente de perfeição da boneca? 

Está tudo conectado à estratégia de formação de público, como ressalta Koca: “A publicidade deve ser pautada em marketing. Claro que ter algum criativo que tenha um super título, uma tirada, isso é maravilhoso para o marketing, é bordão. Agora quando a gente fala em estratégia, tem que falar do processo de marketing, que é criar e desenvolver produtos e serviços que satisfaçam os desejos humanos”.

E a Barbie é só o começo, visto que a Mattel está planejando mais filmes de seus brinquedos. “A Mattel criou internamente a Mattel Filmes, que não é um estúdio ainda, é como um departamento de audiovisual para pensar filmes para cada um dos brinquedos. Estão contratando talentos do mercado, e isso também é uma coisa muito contemporânea que é quase um cool branding, de trazer um estúdio para produzir o seu filme, porque eles sabem fazer brinquedo, mas não filmes. Então vai ter um departamento de curadores e pessoas que entendem já de audiovisual e vão mapear no mercado quem pode cuidar de cada uma das histórias”.

Como é circulado há algumas semanas, a Mattel está planejando 45 filmes de seus brinquedos, mas por enquanto apenas 17 foram anunciados: He-Man e os Mestres do Universo, Barney, Hot Wheels, as bonecas Polly (teremos aí um Vingadores das bonecas???), o trenzinho Thomas e Seus Amigos e até mesmo sobre o jogo de cartas Uno, entre outros. Entre os profissionais que estarão envolvidos em ao menos um projeto, estão Lily Collins, Daniel Kaluuya e Tom Hanks.

A formação do MCU (Mattel Cinematic Universe) não é mais uma questão de “se”, mas sim de “quando”. Barbie, que está em cartaz em 2056 salas de cinema do Brasil, é apenas o começo.

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