21 Junho 2023 | Yuri Codogno
Sob nova ótica, "Derrapada" aborda a gravidez na adolescência sem realizar julgamentos sociais
Filme com Nanda Costa no elenco estreia amanhã (22) no circuito comercial
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A temática da gravidez em qualquer fase da vida é costumeiramente abordada nos filmes, buscando trazer perspectivas e visões diferentes para um assunto extremamente normal na vida de todos nós - afinal, foi assim que nascemos. Em Derrapada (Manequim Filmes), por sua vez, há a predominância da ótica do pai adolescente, algo pouco explorado até então, e as consequência dessa gestação que ocorre em fase tão precoce da vida.
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O Portal Exibidor assistiu ao filme e teve a oportunidade de conversar com o diretor Pedro Amorim e com as atrizes Nanda Costa e Heslaine Vieira, que falaram sobre a importância de Derrapada em nossa sociedade. Não há nenhum spoiler do longa nesse texto.
“O filme tem uma coisa que normalmente não é vista, que é a gravidez na adolescência sob a ótica prioritariamente masculina. Não que a gente não mostra a visão da Alicia [personagem de Heslaine], mas o foco central é o Samuel [interpretado por Matheus Costa] e como isso repercute na vida da Alicia. Acho que esse é o primeiro diferencial”, explicou Pedro.
A questão da gravidez e do início da maternidade é comumente vista em filmes, enquanto boa parte da paternidade é abordada em fases mais avançadas da vida ou então, quando ainda é o início, poucas vezes recebe um retrato fiel da realidade. Derrapada, assim como foi Papai é Pop no ano passado, fazem parte da exceção que comprova a regra.
Apesar disso, em determinados momentos, o foco é bastante dividido entre Samuca e Alicia, algo que, na visão de Nanda Costa (interprete de Melina, mãe de Samuca), é de máxima importância na atualidade: “É muito importante a gente falar sobre isso. Sou filha de mãe adolescente, nasci quando a minha mãe tinha 17 anos, mesma idade que o Samuca comete a mesma derrapada da mãe dele, que é mãe-solo. Me identifico com vários pontos e muitas outras meninas do nosso país também. Então é importante a gente continuar falando sobre isso, porque tenho certeza que não fui mãe mais cedo porque tinha um medo de cometer essa derrapada”.
Outro diferencial do longa é como ele consegue abordar o tema sem realizar julgamentos, evitando falar de certo ou errado, mas sim dando ênfase para a rotina dos jovens protagonistas. “Esse filme não julga muito. Você olha e vê dois adolescentes e a história deles, o dia a dia deles, não tem uma romantização, o que é uma característica deste filme. E tem vários temas juntos dessa gravidez na adolescência e está tudo incluído na história, como é na vida”, confirmou Heslaine.
Ainda sobre a questão de julgamento, um outro assunto é abordado de maneira sutil: o aborto. Em tempos atuais, em que o próprio governo vigente do Brasil flerta abrir discussões sobre políticas públicas para a discriminalização do aborto, ter filmes que representem essa situação são um grande favor à sociedade. Novamente sem cair na polarização de certo e errado, durante poucos (mas que parecem muitos) segundos, personagens utilizam a palavra “escolha” para se referir ao aborto, que nem mesmo é citado.
“Escolha” é um ponto de destaque pelo motivo de estar diretamente conectado com a decisão da mulher, demonstrando que pode seguir em frente ou não. Inclusive, boa parte do filme gira em torno de “mais do que passar a mensagem, é levantar o debate” em diversos campos, como destacou Pedro: “Nas poucas exibições que a gente teve, justamente com alunos do ensino público, é que ele gera muito debate sobre a adolescência, sobre a contracepção, de tratar o adolescente como adolescente e não como uma criança. A mensagem é que a gravidez acontece e tem que tomar cuidado para que não aconteça, mas se acontecer, tem que entender que tem escolha”
O diretor ressaltou também que o filme trabalha em todo momento para evitar a aprovação ou desaprovação sobre determinada escolha, como optar por ter ou não o filho, mas que a ideia sempre foi apresentar os caminhos que podem ser seguidos e também passar essa visão do jovem homem adolescente nessa situação.
Todo o discurso do filme e sua trama, aliás, é algo com que Nanda Costa conseguiu se identificar: “Quando comecei a me relacionar sexualmente, tinha muito medo de engravidar, então a camisinha era muito importante. Mais do que doença, o meu medo era engravidar, adiar meus sonhos, não ir atrás da profissão que desejava ter e tals. E a maternidade é uma coisa muito séria. Hoje em dia estou vivendo a maternidade, mãe de gêmeas, então duplamente ao mesmo tempo uma barrigada de virar a vida de cabeça pra baixo. E acho que é importante a gente convidar os jovens para assistir a esse filme, porque ele não romantiza a maternidade, a gente vê eles ali perdendo noites de sono, como é que vai ser, quem vai ficar acordado, como vou estudar, e a minha carreira, Samuca também é artista com um futuro brilhante pela frente e aí, com 17 anos, vem essa notícia e muda tudo. E ele também tendo um pai ausente, quer fazer um movimento diferente do pai”.
A representação do pai ausente é um dos assuntos abordados no subtexto do filme, assim como as classes sociais econômicas e o próprio feminismo, que de maneira sucinta recebem atenção do roteiro escrito por Izabella Faya e Ana Pacheco, com colaboração de Pedro Amorim. A história, aliás, é inspirada no livro Slam, do autor Nick Hornby.
“A Alícia é de uma classe economicamente mais alta, então se fosse o inverso [ela de classe baixa e Samuca na alta], talvez não seria o mesmo filme, até porque a gente sabe que é isso que acontece no Brasil. Mas nesse caso, ela tem uma opinião validada e escutam a voz dessa mulher, talvez por ela estar nessa classe mais alta e ter opção de escolha”, ressaltou Heslaine.
Em relação à estreia do filme, ele entra em cartaz amanhã (22) depois de ser adiado por alguns anos. As gravações ocorreram em 2019, mas a chegada da pandemia precisou empurrar seu lançamento por esses anos todos, até encontrar uma data adequada.
“É uma alegria imensa, porque a gente atravessou uma pandemia e para tudo. Para de filmar e as coisas não acontecem. Achei que não fosse ver isso na telona. Passamos uma pandemia, depois atravessei uma maternidade que foi super turbulenta, não foi fácil, e hoje em dia estar podendo falar do filme com as minhas filhas já grandes, correndo pela casa. E diferente da Melina e do Samuca, minha gravidez era muito planejada e precisei de uma fertilização, da ajuda da ciência, que também parou pela pandemia, então eu estava ali em 2019 me preparando para o grande sonho da minha vida, que é me tornar mãe, e aí de repente parou tudo: o cinema e a clínica de fertilização. Então hoje em dia ver esse filme é mais uma realização”, contou Nanda Costa.
Pedro complementou dizendo que o lançamento está sendo bastante realizado nas zonas periféricas, ao invés de priorizar as regiões mais abastadas. O adiamento da estreia, por sua vez, nos leva a outra questão, como a pouca força que os filmes nacionais estão tendo desde a reabertura das salas escuras. Este ano, por exemplo, as produções brasileiras tiveram apenas pouco mais de meio milhão de espectadores até o momento.
Para Pedro, um primeiro passo para os exibidores darem mais atenção às produções nacionais são as cotas de tela: “Infelizmente a gente perdeu espaço. A gente precisa de espaço para esse tipo de filme, como Derrapada, nos cinemas. A gente vai fazer um lançamento com 50 salas, quando a gente talvez devesse fazer um lançamento muito maior. Então se eu fosse um exibidor, exigiria ter cotas para ter cinema nacional para que a gente possa se ver representado nas telas e não só nos streaming”.
A cota de tela, vale lembrarmos, está na agenda regulatória da Ancine para 2023 e 2024.
Por fim e voltando a Derrapada, as atrizes aproveitaram para destacar a exibição nas telonas: “Assistam! Porque vocês vão se identificar, porque estamos falando de Brasil e é uma história com personagens brasileiros, com mulher, jovem, preta, estamos falando de escola pública. Estamos mostrando um retrato do Brasil”, disse Heslaine.
“É um filme que fala de amor, mas não de um amor romântico. Fala da juventude, de sonhos, de arte, de tanta coisa bonita. E sobretudo para gente falar sobre a maternidade e não romantizada, para podermos falar da paternidade, sobre a responsabilidade de criar um filho, que acho que é o ato mais generoso que a gente pode ter, deixando nossos sonhos de lado muitas vezes, ou o filho ser o próprio sonho. Mas a realidade anda junto e não é fácil. Com certeza o público vai refletir muito. Acho que o Pedro teve uma direção que deixa o filme de uma forma muito leve. Teve momentos que sorri e momentos que chorei. Então é levantar esses questionamento, E, de certa forma também, esse filme é uma homenagem que faço para minha mãe e outras mães jovens que passaram por isso”.
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