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30 Maio 2022 | Janaina Pereira

Festival de Cannes não se rende ao streaming, mas flerta com influenciadores

Evento busca diálogo com público jovem, mas premia sátira aos famosos das redes sociais

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A Palma de Ouro ficou com Triangle of Sadness, do cineasta sueco Ruben Östlund (Foto: Patricia Melo Moreira / AFP)

Qual a relevância de um festival de cinema? Além de uma vitrine para lançamentos de filmes, festivais de cinema podem ser o primeiro passo na carreira de jovens cineastas. Considerado o maior evento da sétima arte, o Festival de Cannes vem lutando, nos últimos anos, contra um perfil considerado conservador.

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Mesmo não aceitando filmes produzidos originalmente para o streaming, o Festival tem se empenhado em aumentar a participação feminina – especialmente as diretoras nas principais mostras - e dar mais oportunidades aos cineastas em início de carreira. Por isso, quando a parceria com o Tik Tok foi anunciada em março (o que incluía um concurso de curtas), esperava-se um ar jovial e inovador na Croisette – o que, na prática, não aconteceu.

O que se viu na 75ª edição do Festival de Cannes, encerrada neste sábado (28), foi uma série de filmes medianos, a grande maioria dirigida por cineastas veteranos e frequentadores assíduos do evento. A Palma de Ouro ficou com Triangle of Sadness, do cineasta sueco Ruben Östlund, que em 2017 já havia vencido com The Square: A Arte da Discórdia.

Em seu novo filme, o diretor e roteirista repete a crítica ácida aos ricos, dessa vez acompanhando um casal de modelos em um cruzeiro que naufraga e faz com que estes dependam dos trabalhadores do navio para sobreviver. O longa satiriza os influenciadores e famosos instantâneos das redes sociais, o que acabou sendo no mínimo curioso para o Festival que teve como patrocinador oficial a rede social do momento.

Ao anunciar o prêmio, o presidente do júri, o ator francês Vincent Lindon, comentou que a Palma de Ouro foi escolhida pela maioria, e fez uma revelação. “O júri deveria voltar todo ano, ou pelo menos nos próximos quatro anos, para conseguir a unanimidade”.

Lindon, que teve em seu júri o diretor iraniano Asghar Farhadi, a atriz e diretora inglesa Rebecca Hall, o diretor francês Ladj Ly, o diretor americano Jeff Nichols, a atriz e produtora indiana Deepika Padukone, a atriz sueca Noomi Rapace, o diretor norueguês Joachim Trier e a atriz e diretora italiana Jasmine Trinca, deixou claro que a unanimidade para a escolha dos vencedores – que seria uma das regras não só de Cannes, mas da maioria dos festivais de cinema – não foi alcançada dessa vez.

Triangle of Sadness, um dos filmes mais controversos do Festival, corria por fora como favorito entre os 21 longas em competição. Mesmo dividindo opiniões, Ruben Östlund disse ter alcançado o seu objetivo: fazer as pessoas debaterem a trama. “Quando começamos a fazer este filme, acho que tínhamos um objetivo: tentar fazer algo realmente emocionante para o público e trazer conteúdo instigante. Queríamos entretê-los, mas também queríamos que fizessem perguntas, queríamos que depois da exibição saíssem e tivessem algo para falar”, contou o cineasta enquanto recebia seu prêmio, entrando para o seleto grupo que possui duas Palmas de Ouro, como os irmãos Dardenne, que também concorreram este ano e receberam o prêmio especial da 75ª edição pelo longa Tori e Lokita, que conta a história de dois refugiados.

Juventude e Experiência

O grande favorito da crítica, o drama Close, do jovem cineasta belga Lukas Dhont, que conta a história de dois melhores amigos de 13 anos de idade e como eles lidam com o bullying, ficou com o Grand Prix, dividido com Stars at Noon, da veterana cineasta francesa Claire Denis. Dhont, de 31 anos, apresentou em Cannes seu segundo filme (ele estreou no Festival em 2018, com o aclamado Girl, que levou a Camera D´Or de melhor filme de estreia), um dos raros a emocionar e entusiasmar os espectadores. Já Denis, de 76 anos, voltou a Cannes depois de ser premiada, em janeiro, com a melhor direção no Festival de Berlim, pelo filme Fire. Dessa vez a francesa inspirou-se no romance homônimo, escrito pelo americano Denis Johnson, e contou uma história de amor e fuga em meio a Revolução Sandinista, na Nicarágua, em 1984.

Dos cinco filmes dirigidos ou codirigidos por mulheres que estavam na competição principal (um recorde para o Festival), dois foram premiados: além de Stars at NoonLe Otto Montagne, de Charlotte Vandermeersch e Felix Van Groeningen, levou o Prêmio do Júri – dividido com EO, de Jerzy Skolimowski. Enquanto o filme dos cineastas belgas narra a história de dois amigos ao longo dos anos, a nova produção do polonês Skolimowski acompanha as aventuras de um burro. “Obrigado aos meus burros, todos os seis”, disse o diretor na cerimônia de premiação, referindo-se a quantidade de animais que participaram do filme.

O cinema oriental, sempre muito presente nos festivais, mostrou a sua força em Cannes com o diretor sul-coreano Park Chan-wook vencedor do prêmio de melhor diretor por seu thriller romântico Decision to Leave, e o ator Song Kang-ho (de Parasita) que levou o prêmio de melhor ator por seu papel em Broker, do japonês Kor-eda, trama sobre crianças abandonadas.

 

O cinema além das proibições

O Festival de Cannes teve também momentos emblemáticos, premiando artistas que, justamente por causa de sua arte, não podem morar em seus países de origem. Este foi o caso da iraniana Zar Amir Ebrahimi que, em seu primeiro longa, ganhou como melhor atriz por seu papel como uma jornalista rastreando um serial killer em Holy Spyder, de Ali Abbasi. “Talvez estar aqui esta noite seja apenas uma mensagem para as mulheres, especialmente as iranianas”, disse. A atriz, assim como o diretor, estão proibidos de retornar ao Irã.

O prêmio de melhor roteiro ficou com Boy from Heaven, escrito e dirigido por Tarik Saleh, sobre a corrupção dentro de grandes organizações religiosas. Sueco de origem egípcia, Saleh também está proibido de entrar no Egito.

E, refletindo que o cinema deve abrir portas, e não as fechar, o 75º Festival de Cannes voltou atrás na decisão de não incluir filmes russos. Embora o Marché du Film tenha vetado a participação da delegação russa, Cannes aceitou o longa A mulher de Tchaikovsky, de Kirill Serebrennikov na Mostra Competitiva. A produção não recebeu nenhum patrocínio estatal, mas, mesmo assim, sua presença gerou muitas críticas ao evento.

Além da Guerra na Ucrânia, a pandemia do novo coronavírus também foi assunto na Croisette.  Apenas três meses após o Festival de Berlim acontecer sob rigoroso protocolo de segurança, o Festival de Cannes foi realizado sem máscaras, mas não sem medo –uma possível explosão de covid devido ao festival está sendo noticiada pela imprensa local e internacional. Espera-se que sejam apenas boatos. Afinal, apesar de não refletir em sua Mostra Competitiva a empolgação de outras edições, Cannes certamente deu ao público, fora de sua competição, algumas das principais produções que estão chegando aos cinemas como Top Gun: Maverick, com Tom Cruise, e Elvis, de Baz Luhrmann, com Tom Hanks, mostrando que sua função de lançar filme continua impecável.

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