18 Outubro 2023
Por trás das câmeras: como gerir relações profissionais no audiovisual?
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Por Isabela Ceccarelli, Laura Rios e Letícia Agati, advogadas do CQS/FV Advogados*
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Nos bastidores das produções audiovisuais, há um delicado equilíbrio entre criatividade e responsabilidade profissional.
Evitar escândalos no backstage e garantir a integridade em relações profissionais tornou-se uma preocupação premente da indústria audiovisual, afinal, em um cenário que recorrentemente debate a cultura do cancelamento, não é raro nos depararmos com polêmicas que impactam, inclusive, no sucesso de diferentes obras.
Nesse contexto, a fim de se evitar riscos à equipe e à produtora, a interligação entre duty of care, sindicatos e seguros desempenha um papel vital, a ser priorizada por agentes desta esfera.
Aplicação do duty of care nas relações profissionais
A noção de duty of care já foi apresentada em mais detalhes em outro artigo para este portal. Especificamente nas relações profissionais do audiovisual, o duty of care busca prevenir e criar uma estrutura organizacional para lidar com questões sensíveis, mas que infelizmente podem surgir, como: denúncias de assédio moral nas relações profissionais; riscos à integridade física dos profissionais; casos de importunação sexual e assédio sexual; menores de idade; dentre outros.
Alguns dos fundamentos, princípios e implicações do duty of care ainda estão sendo estruturados, enquanto outros já estão mais consolidados na prática profissional. Neste último caso, merecem destaque as obrigações envolvendo sindicatos e as negociações de seguros para produções.
Sindicatos
Com relação aos sindicatos, é importante mencionar a Lei 6.533/78 (“Lei dos Artistas”), principal legislação que norteia a relação entre técnicos e artistas, categorias profissionais elementares quando se fala em obras audiovisuais. Apesar de datada, a Lei dos Artistas continua a fornecer um norte legal valioso para a indústria audiovisual no Brasil, estabelecendo diretrizes essenciais que abordam questões trabalhistas e contratuais, tais como salários, jornadas de trabalho e condições laborais, fundamentais para assegurar o devido cuidado nas relações profissionais.
Em complemento à legislação, é fundamental observar as principais disposições dos sindicatos da área: STIC, Sindcine, Sated, Sicav e Siaesp são alguns exemplos. Todos atuam neste setor e apresentam suas próprias convenções coletivas, que dispõem de padrões próprios e específicos, a serem observados em produções audiovisuais.
Nesse contexto, o diálogo com essas entidades possibilita a discussão de questões cruciais como condições de trabalho, remuneração justa e segurança no set, sendo certo que a colaboração deve ter como principal objetivo um ambiente de trabalho mais saudável e equitativo para estes colaboradores.
Seguros
No pós-pandemia, com o crescente investimento em produções audiovisuais para o modelo de streaming, a contratação de seguros nas produções audiovisuais já é uma realidade comum nas produções de médio e grande porte no Brasil, podendo-se verificar um aumento exponencial na procura por coberturas para o entretenimento.
Todavia, o mercado de seguros para o audiovisual ainda é novo e, para que as seguradoras possam oferecer as coberturas necessárias, elas solicitam a comprovação de que os riscos segurados serão mitigados pela produtora, como forma de reduzir eventuais perdas pela seguradora.
É neste ponto de mitigação de riscos que a temática do duty of care converge com a contratação de seguros, pois cada projeto audiovisual é único e apresenta desafios próprios, de forma que os riscos devem ser analisados de acordo com o caso concreto, para que seja possível implementar medidas de mitigação coerentes com a realidade de cada produção.
Cases recentes
Alguns casos recentes, nacionais e internacionais, ilustram a relevância de se seguir o dever de cuidado nas relações profissionais.
Em julho, a equipe de produção e o elenco do filme Gladiador 2 recebeu uma carta da organização People for the Ethical Treatment of Animals (PETA) pedindo o cancelamento das filmagens após denúncias de maus tratos a cavalos e macacos no set de filmagem.
Em setembro, a atriz Angelica Ross aproveitou uma live no Instagram para criticar atitudes transfóbicas de Emma Roberts nos bastidores de "American Horror Story: 1984". Em outubro, figurantes da novela Reis, da Record, relataram no TikTok supostos problemas como alimentos estragados, refeitório sujo, furtos e cachês muito abaixo do mercado. Sem adentrar no mérito de cada denúncia, fato é que é cada vez mais simples denunciar problemas em rede mundial, e que os riscos de imagem envolvidos podem impactar as produções de forma drástica.
Assim, o dever de cuidado na produção audiovisual é uma cadeia circular, que impacta o projeto como um todo, sendo um trabalho contínuo e particular de cada projeto. É essencial que os agentes envolvidos nesta esfera conheçam os princípios desse conceito, culminando num fluxo de produção humanizado e consciente, resultando consequentemente na diminuição de perdas econômicas.
Nota da redação: As autoras do artigo ministram o curso online “Gestão de Risco nas Relações Profissionais do Audiovisual”. Promovida pelo centro cultural Barco, a iniciativa acontece de 24 a 26 de outubro, de terça a quinta-feira, das 19h às 21h, no horário de Brasília. As inscrições seguem abertas em https://barco.art.br/eventos/gestao-de-risco-nas-relacoes-profissionais-do-audiovisual.
Articulistas*:
Isabela Ceccarelli - Graduada em Direito pela FGV SP, onde participou do Grupo de Estudos de Direito, Entretenimento, Mídia e Cultura. Possui experiência na área de Propriedade Intelectual, Proteção de Dados e Sincronização/Licenciamento Musical. Hoje, atua como advogada na área de Clearance do escritório.
Laura Rios - Graduada em Direito pela PUC-Campinas. Pós-graduanda em Propriedade Intelectual e Direito do Entretenimento pela Escola Superior da Advocacia da OAB-SP. Integra o Grupo de Propriedade Intelectual, Direitos Humanos e Inclusão, o GPIDHI, da FGV Direito SP.
Letícia Agati - Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Mestranda em Direito Administrativo pela mesma instituição, com enfoque na administração pública da cultura e nas relações de parceria entre Estado e terceiro setor. Participou da criação e coordenação do Grupo de Estudos de Direito e Entretenimento da USP (GEDE-USP). Atualmente, é advogada das áreas de Direito Público e Clearance do escritório.
CQS/FV Advogados
Responsável por uma das maiores carteiras de ações judiciais de Direitos Autorais e Mídia & Entretenimento do Brasil, o CQS/FV é também conhecido pela assessoria jurídica de excelência nos mais variados campos da Economia Criativa.
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