Exibidor

Publicidade

Artigo / Panorama Jurídico

20 Setembro 2023

Como o duty of care, o dever de cuidado, se aplica em produções audiovisuais

Compartilhe:

Por Alessandro Amadeu e Letícia Agati*

Publicidade fechar X

Nos bastidores da indústria do entretenimento e em especial nas produções audiovisuais, um ponto que sempre deve estar presente é o "dever de cuidado". Trata-se de uma responsabilidade fundamental que recai sobre todas as partes envolvidas na criação de produções audiovisuais, sejam elas filmes, séries, reality shows, programas de TV, vídeos online ou qualquer outra forma de mídia visual.

Também conhecido como duty of care, o dever de cuidado em produções audiovisuais refere-se à obrigação legal e ética de garantir a segurança, o bem-estar e o respeito por todos os indivíduos que participam ou são afetados pela produção. Isso pode incluir não apenas o elenco e a equipe, mas também o público, em especial num sentido de risco de ofensa a determinados grupos.

Os princípios para implementação do duty of care são, dentre outros, o respeito à dignidade da pessoa humana e à diversidade, a comunicação transparente, o treinamento adequado e a identificação e avaliação de riscos.

Prevenção de situações arriscadas

O dever de cuidado busca prevenir as diversas situações arriscadas ou prejudiciais que podem surgir para os envolvidos em um projeto audiovisual, tanto durante a criação do conteúdo, como após o seu lançamento – como acidentes, lesões, discriminação e quaisquer outros impactos negativos à saúde física ou mental. Neste último caso, mostra-se importante, por exemplo, a disponibilização, pela produtora, de apoio psicológico aos envolvidos, durante e após a produção.

Outros exemplos da aplicação do dever de cuidado no mercado audiovisual são a adoção de protocolo de covid nos sets de filmagem (durante a pandemia); o apoio e vigilância ao elenco e equipe, em especial, em locações distantes e viagens; o tratamento dado aos participantes de reality shows; a presença de um coordenador de intimidade para acompanhar cenas de nudez e sexo; as deliberações da FUNAI para filmagem em comunidades indígenas; e todas as diretrizes e comprovações necessárias para filmagem com a participação de crianças e adolescentes, que na maioria das vezes exige ainda um alvará do Poder Judiciário.

Além da produtora audiovisual, diversas pessoas e profissionais têm esse dever de cuidado. Podemos destacar os diretores, roteiristas, atores, produtores executivos, chefes e membros da equipe técnica e até mesmo os parceiros e distribuidores. Cada um dos envolvidos desempenha um papel crucial em assegurar que todas as etapas da produção sejam conduzidas com responsabilidade e respeito.

Ainda que o dever de cuidado não esteja previsto de forma explícita como um instituto jurídico no ordenamento brasileiro, seus princípios estão presentes em diversas legislações que tratam de responsabilidade civil, trabalhista e de segurança no ambiente de trabalho. Nesse sentido cabe fazer alusão ao Projeto de Lei das Fake News (PL 2630/2020), que trouxe determinações que remetem ao dever de cuidado no combate à divulgação de desinformações e notícias falsas na internet, em especial no contexto das plataformas digitais e redes sociais.

Importante frisar que o dever de cuidado também encontra guarida em declarações de associações profissionais e documentos internacionais, como os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU.

Projetos mais seguros

Além de ser uma questão de responsabilidade social, o duty of care é essencial para a contratação de seguros mais eficientes, a mitigação de riscos de imagem e de relações públicas e o alinhamento das produtoras às Guidelines dos exibidores, que cada vez mais exigem medidas como o preenchimento de formulários de duty of care, a elaboração de compliance bibles e o oferecimento de treinamentos antiassédio.

As medidas adotadas devem ser coerentes com os tipos e os graus de riscos identificados em cada produção. Para evitar que essa identificação seja apenas intuitiva, alguns órgãos têm buscado parâmetros objetivos. Nesse sentido, a Ofcom, agência reguladora da comunicação no Reino Unido, além de ter publicado uma Declaração sobre a proteção de participantes em programas de rádio e TV, desenvolveu uma matriz de risco com perguntas e critérios para auxiliar produtores e emissoras em três etapas: identificar os riscos do projeto, classificá-los entre baixos, médios e altos, e adotar cuidados adequados a cada estágio da produção.

Nesse contexto, fica claro que alguns formatos e temas demandam atenção ainda maior, em especial, como dito, quando os participantes são retirados de sua zona de conforto e expostos a situações estressantes, como realities de confinamento ou que acompanham momentos e transformações sensíveis dos participantes, como o emagrecimento ou a lembrança de traumas. Nestes casos, o duty of care busca proteger também o público, evitando possíveis gatilhos a uma audiência vulnerável e ofensas a pessoas e grupos sociais específicos.

O dever de cuidado em produções audiovisuais é essencial para proteger todas as partes envolvidas e garantir o desenvolvimento de conteúdo de qualidade de forma ética e responsável. A implementação adequada desses princípios não apenas protege os indivíduos, mas também contribui para um ambiente de trabalho positivo e uma indústria criativa mais saudável como um todo.

*Alessandro Amadeu

É gerente do CQS/FV Advogados. Graduado em Direito pela Universidade São Francisco. Pós-graduação Lato Sensu em Propriedade Imaterial, Direitos Autorais, Propriedade Industrial, Direitos da Personalidade e Comunicação da Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil – Subsecção de São Paulo. Pós-graduação Lato Sensu em Direito do Entretenimento e da Comunicação Social da Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil – Subsecção de São Paulo. Consultor de Clearance,  Música e Entretenimento de diversos projetos na área de lazer e cultura. Autor de diversos artigos sobre direitos autorais e direitos da personalidade. E-mail: alessandro@cqsfv.com.br

 

Letícia Agati

É advogada do CQS/FV Advogados. Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Mestranda em Direito Administrativo pela mesma instituição, com enfoque na administração pública da cultura e nas relações de parceria entre Estado e terceiro setor. Participou da criação e coordenação do Grupo de Estudos de Direito e Entretenimento da USP (GEDE-USP). Atualmente, é advogada das áreas de Direito Público e Clearance do escritório. E-mail: leticia.agati@cqsfv.com.br

CQS/FV Advogados
CQS/FV Advogados

Responsável por uma das maiores carteiras de ações judiciais de Direitos Autorais e Mídia & Entretenimento do Brasil, o CQS/FV é também conhecido pela assessoria jurídica de excelência nos mais variados campos da Economia Criativa.

Compartilhe: