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01 Junho 2016 | Roberto Cunha (RJ)

RioFilme debate “O futuro dos arquivos audiovisuais”

Memorial Getúlio Vargas (RJ) recebeu o encontro

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British Film Institute (BFI), em Londres (Foto: BFI)

O tempo não para, as informações circulam com uma velocidade impensável no passado recente da humanidade e o futuro das produções audiovisuais, cada vez mais, se torna um tema importante para qualquer sociedade que tenha como objetivo proteger e conservar a memória. Com foco nessa questão, British Council e RioFilme, em parceria com o Sistema FIRJAN, o SICAV-RJ e a SEC-RJ - Secretaria de Estado de Cultura, concederam três bolsas de capacitação no programa Archives Future, realizado pelo British Film Institute (BFI), em Londres. O resultado desse curso de curta duração (três dias) foi conhecido nesta terça-feira, 31, no Memorial Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. O evento contou com diversos profissionais do setor, além de estudantes, e os três candidatos selecionados no concurso promovido: Rafael de Luna Freire, Debora Lúcia Vieira Butruce e Roberto Souza Leão.

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Walerie Gondim (RioFilme) salientou que a preocupação com o tema é recente na entidade e que a proposta do curso era capacitar profissionais com experiência já comprovada no setor. “A preservação não era exatamente um tema que estava dentro da pauta. Não tinha um lugar central”. Segundo ela, eles começaram a conversar com alguns profissionais da área para saber das necessidades e “definir ações que poderiam ser feitas dentro da realidade da RioFilme”.

Ela citou, entre as primeiras medidas, a existência da obrigatoriedade do depósito de materiais na Cinemateca do MAM nos editais de fomento. Disse ainda que, embora fosse uma iniciativa carioca, o objetivo era nacional e que estava contente de ver a casa cheia para debater sobre esse assunto. “Que isso seja o início de um diálogo produtivo e positivo”, concluiu antes de passar a palavra para Silvia Rabello, do SICAV-RJ.

A presidente da entidade ressaltou que o desejo de passar a memória de uma geração para outra cresceu ao longo do tempo e que essa preocupação ajuda a evitar que a história seja distorcida. Segundo ela, a modernidade fez a quantidade de arquivos aumentar significativamente, mas a consciência existente entre os britânicos na questão do audiovisual é impressionante. Ela acredita que o Brasil tenha a noção dessa importância, mas a realidade aqui é muito distante da encontrada em outros países. Citou as campanhas constantes de conscientização realizadas pelo governo britânico e falou que quando esteve na Holanda, em 2014, descobriu que foram necessários apenas € 150 milhões para digitalizar, disponibilizar e preservar - em sete anos - todo o acervo de rádio, televisão e cinema holandês.

Segundo ela, o valor, em termos de Brasil, não é expressivo. “O problema é que lá tudo é feito com muita clareza. A população acompanha tudo de perto”, concluiu. Silvia esclareceu que o dinheiro vem do ministério da cultura e da loteria nacional, diferente do Brasil onde não se tem a menor ideia do direcionamento do montante arrecadado. Ela citou também a existência dos "Mecenas" como o magnata americano John Paul Getty, que doou uma fortuna para ajudar o BFI a constuir um centro de preservação. Para ela, “ainda estamos na Idade da Pedra” quando se olha para o Reino Unido, Holanda e Itália estão em relação ao tema. A executiva lembrou que o BNDES tem uma linha de Preservação de Patrimônio e que o Rio de Janeiro tem condições de liderar um movimento nesse sentido e ser vanguarda novamente. Disse que apesar das dificuldades de 2016 ainda não desistiu, mas lamentou um pouco: “Eu sinto que o entendimento da importância da preservação está muito distante da essência”. 

Em conversa exclusiva com o Portal Exibidor, ao fim do encontro, ela frisou que o Brasil tem solução. “Isso é má gestão. E como ela está ligada à política e não à técnica, isso é um problema estrutural que precisa ser revisto. O Ministério da Cultura tem um orçamento pequeno e ainda assim não consegue executar aquele orçamento integralmente. Nós temos uma burocracia perversa. Ela visa proteger e só faz criar atalhos para que seja contornada. É importante que os quadros técnicos sejam preservados. Quando você vê um orçamento ser executado por 20 anos. Em Zurique, o orçamento deles é de 30 anos, não importa quem está no governo e a população acompanha a execução. O brasileiro não tem o hábito de entender que aquele dinheiro é dele”, concluiu não sem antes lembrar que faltam milionários brasileiros praticando o mecenato como acontece em outros países.

Debora – Estratégias de conservação e restauração do BFI

Ela contou que o pouco tempo de duração não foi suficiente para se aprofundar demais quanto as estratégias de conservação e restauração. Um detalhe interessante que ela salientou foi que o enfoque do BFI é manter o material o mais original possível e que ele seja acessível. Segundo Debora, a duplicação só ocorre quando se considera que o material corre algum tipo de risco, esteja com algum tipo de deterioração ou com o tipo de arquivo se tornando obsoleto.

O órgão, segundo ela, foi criado em 2003 porque se detectou que o patrimônio estava em risco e ele mudou completamente desde a sua criação. Hoje, todo mundo o conhece. Outra curiosidade revelada foi a planta do depósito construído, que aproveitou um terreno comprado da Força Aérea Britânica (a famosa RAF) e mantiveram a estrutura dos “bunkers” usados durante a guerra. Lá são mantidos cerca de 600 mil latas de filmes e existe uma previsão de aumento de capacidade constante, tudo guardado com a temperatura e umidade adequada ao tipo de filme (nitrato, acetato, digital etc.) e sem riscos de incêndio.

Debora também frisou a diferença entre restauração e remasterização. Para eles, é muito importante ter consciência da escolha que cada processo representa. Para se ter uma ideia, um trabalho de restauração é muito mais trabalhoso, leva cerca de 1.000 horas, enquanto o de remasterização dura cerca de ¼ desse tempo e é mais usado para dar acesso a um título na forma digital, mas sempre contemplando também o aspecto da conservação.

Rafael – BFI e Brasil: Curadoria, visibilidade, utilização e acesso ao acervo

Rafael lembrou os presentes que o BFI foi criado em 1933, com foco no valor cultural e educativo do cinema na sociedade. Em 1938, fundaram a Federação Internacional de Arquivos de Filmes, juntamente com a Cinemateca Francesa (França), o Reich Film Arquive (Alemanha) e Museu de Arte Moderna de Nova York (Estados Unidos).

Na metade da década de 50 se tornou National Film Archive, renomeado em 1995 para National Film and Television Archive e desde 2006 BFI National Archive. Ou seja mudou de nome, de escopo e de natureza das funções ao longo da história. Em 2011, o órgão assumiu as funções de fomento à produção e é, praticamente, o único órgão estatal dedicado ao cinema, diferente do Brasil que possui três entidades: Ancine, SAV e Conselho Superior de Cinema. É um grande órgão dedicado ao arquivo, preservação e até à produção. O arquivo lá não é acessório, mas está no coração da entidade. Ele cita que o BFI era focado em preservar e restringir a difusão, diferente da Cinemateca Francesa que procurava exibir, e isso gerou uma certa antipatia para a entidade.

Ressaltou que o BFI passou a ser menos “londrino” e mais britânico aumentando, assim, o raio de atuação ao incluir Escócia, Gales, entre outras regiões do Reino Unido. Outro ponto destacado foi que o governo incentiva que o BFI gere renda para depender cada vez menos do dinheiro público, que cobra, inclusive, que seja menos elitista e busque uma ampliação do público para justificar os investimentos. Citou como exemplo iniciativas como a restauração dos nove filmes silenciosos de Hitchcock, exibidos no Festival do Rio 2014. Para finalizar, Rafael disse que se surpreendeu ao descobrir que aquela entidade, inicialmente marcada como fechada e restritiva, tornou-se a cinemateca mais aberta do mundo, com tudo disponível pela internet.

Roberto – O BFI e a modernização de seu gerenciamento de dados

Roberto abriu sua apresentação dizendo que a questão da preservação deveria ser uma preocupação cotidiana. Deveria ser entendida como parte importante da cadeia produtiva cinematográfica. E citou números de peso do BFI, que tem no acervo cerca de 40 mil filmes de ficção, 130 mil não-ficção, 780 mil programas de televisão, 21 mil roteiros não publicados, 13 mil cartazes de filmes, 1,6 milhão de fotografias, cinco mil itens de produção e figurinos e 45 mil livros.

Ele aproveitou para salientar o cuidado com a memória da produção para a TV, algo que ainda não se comenta muito por aqui quando o assunto é preservação. Disse que durante o processo de modernização problemas como existência de formulários de papel e informações duplicadas estavam entre os vilões apontados. Uma curiosidade revelada por ele foi a possibilidade de encontrar arquivos guardados em três versões: do diretor, definitiva e restaurada.

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