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17 Outubro 2014 | Fábio Gomes

Autor discute a sexualidade e a transgressão de Almodóvar

Antonio Carlos Egypto lança livro sobre o diretor, que será homenageado na Mostra de SP

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Antonio Carlos Egypto lançou o livro “Sexualidade e Transgressão no Cinema de Pedro Almodóvar” (Foto: Divulgação)

Pedro Almodóvar é um dos cineastas mais importantes de sua geração. O espanhol de 65 anos realizou clássicos como Fale com Ela (US$ 51 milhões mundialmente), Tudo Sobre Minha Mãe (US$ US$ 67 milhões/mundo) e o recente A Pele Que Habito (US$ 30 milhões/mundo). Por conta disso, a 38ª edição da Mostra de Cinema de São Paulo, que será realizada até o dia 29 de outubro, conta com uma retrospectiva do diretor e exibirá 15 dos 19 longas realizados por ele. 

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Conhecido por tratar com um tom de humor temas polêmicos, o diretor foi tema de diversos trabalhos. Entre eles, o livro “Sexualidade e Transgressão no Cinema de Pedro Almodóvar”, escrito por Antonio Carlos Egypto, que foi lançado oficialmente na última sexta-feira (10), na livraria do Espaço Itaú de Cinema

“Assistir aos filmes de Almodóvar no cinema é uma coisa interessante e é importante que as pessoas tenham a oportunidade de rever, ou conhecer esses trabalhos mais antigos para compreender a trajetória dele. Isso é o que tento fazer no livro, mostrar essa sequência, como é que ele foi lidando com cada um dos temas da sexualidade até esgotar a capacidade de transformar e libertar as pessoas”, afirmou Egypto em entrevista especial ao Portal Exibidor

O autor explica que o sexo no cinema do diretor nunca foi um tabu e, sim, um tema a ser abertamente discutido e refletido pelos espectadores. Ao contrário de muitos cineastas, que utilizam cenas sexuais como um estímulo visual, Egypto fala que essas cenas são importantes para as histórias contadas pelo diretor, que trabalha contra os preconceitos e as discriminações com seus longas. 

“Ele faz da sexualidade um direito das pessoas e das diferentes expressões da sexualidade coisas que tem de ser respeitadas e entendidas. Acredito que ele consegue isso de um jeito muito interessante, pois faz um envolvimento na base da brincadeira, do humor, e a gente se envolve com os personagens e passa a torcer por eles. Com isso, a gente acaba superando, pelo menos naquele momento, os preconceitos e os estereótipos que temos em relação aos diferentes manifestações do desejo sexual”, completa. 

Entre os filmes que serão exibidos na Mostra de São Paulo está Pepi, Luci e Bom e Outras Garotas de Montão, o filme que deu início a carreira do diretor em 1980. O trabalho será exibido pela primeira vez na Mostra no dia 20, no Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca (Confira detalhes da programação aqui). Egypto explica que o filme é importante para entender a evolução de Almodóvar e como ele trabalhava no início de sua carreira. 

“Os primeiros três ou quatro filmes são claramente filmes de contestação ao franquismo. Na longa ditadura espanhola, havia uma coisa extremamente moralista, pesada, tudo era pecado, tudo era proibido. O Almodóvar, como qualquer criança daquela época, passou por essa educação fortemente moralista e repressora. Então você vê em 1980 no Pepi, Luci e Bom ele chutando o pau da barraca, mostrando que a sexualidade é uma coisa muito diferente, cheia de taras e coisas que ninguém leva em conta. É impressionante ver que ele fez um filme como esse poucos anos depois da morte do Franco e do fim do regime ditatorial da Espanha”, explica. 

Confira um bate-bola com o autor do livro: 

1 – Como nasceu a ideia de escrever um livro sobre a sexualidade e a transgressão de Almodóvar? 

Na verdade eu fui fazer um curso de pós-graduação em crítica de cinema e o assunto que escolhi para estudar foi o cinema de Almodóvar. Então ele, inicialmente, foi um trabalho acadêmico. Mas me entusiasmei com o livro e fui assistindo e estudando cada um de seus filmes, vi várias vezes, com esse foco que coloquei no trabalho. Queria discutir essa questão da sexualidade e da transgressão.

2 – Qual a principal característica da sexualidade no cinema do Almodóvar?

A sexualidade no cinema do Almodóvar é uma sexualidade libertadora. Alguma coisa para nos soltar e para nos permitir ser como a gente é e respeitar as nossas necessidades e desejos, respeitando, também, os outros. O desejo é mobilizador dos personagens. Todos eles estão ali em busca de satisfazer o seu desejo e todos em busca de felicidade, de amor, de compreender e serem compreendidos. Mesmo quando eles parecem fazer coisas completamente inadequadas, eles se arrebentam e se destroem, na verdade eles estão em busca de alguma coisa, e alguma coisa positiva para vida e para si mesmo.

3 - Ele sempre foi um cineasta autoral e mesmo assim conseguiu atrair um grande número de fãs. A que o senhor atreve esse público? 

É muito interessante isso, pois ele é um cineasta que trabalha temas importantes, sérios, profundos, complexos inclusive. Contudo, ele faz isso de um jeito muito popular, como se estivesse brincando. Ele constrói aqueles personagens estranhos e eles nos parecem perfeitamente verossímeis. Pois ele quer mostrar que o mais estranho cabe perfeitamente na nossa vida. Há estranheza em todos nós, há desejos e coisas muitas vezes reprimidas ou não claramente expressas e que a gente tem de reconhecer.

4 – E o público acompanha essa linha?

Ao fazer isso de um jeito aparentemente simples ele se torna popular. Ele consegue ser aprovado pela crítica e pelo público, que gosta e se diverte com isso. Ele consegue fazer um cinema de arte e, ao mesmo tempo, de entretenimento. E pelo lado do entretenimento ele acaba passando coisas muito importantes. Você vai pra rir, mas você descobre que está rindo de coisas que você tem de parar pra pensar, tipo “o que significa isso?” Quando você se identifica com um personagem que quer mudar de sexo. Parece uma estranheza, afinal, você não quer mudar de sexo. Mas você se envolve com aquele personagem e entende o que tá passando por ele. É um pouco nessa linha. Ele junta uma aceitação da maior parte da crítica, e também do público. Algo que é muito raro.  

5 - Almodóvar foi chamado de transgressor e, mesmo assim, conseguiu sucesso em um mercado fechado como os EUA. Essa transgressão ajudou seus filmes?

Sem dúvida, pois esse lado de transformar em brincadeira coisas bastante diferentes pega em qualquer público. Ele tem um jeito de passar esses desejos e caracterização dos personagens que em qualquer lugar as pessoas se identificam. Sobretudo aqueles que já sofreram alguma discriminação e opressão. Política, pessoal, sexual... se identificam mais ainda. E isso tem no mundo todo. E nos EUA veem ele como um bom entertainer, ele faz um entretenimento de alta qualidade. Chamaram ele para fazer filmes em inglês, mas ele não aceitou. 

6 – Ele sempre coloca algumas das experiências pessoais em seus filmes. Qual deles você acha que ele mais se identifica? 

Talvez o que mais se aproxime seria o Má Educação, pois tem a experiência da educação, dos padres e as relações com eles. Além da questão da pedofilia e do abuso sexual, mas acho que ele não chutou o pau da barraca nesse filme. Ele mostra o que aconteceu, mas não generaliza a denúncia e estava em um momento que estava se descobrindo os escândalo da Igreja Católica. A expectativa é que ele fosse mostrar isso em grande escala, mas acho que ele falou de coisas que tem muito a ver com a vivência dele. Segundo ele mesmo diz, foi difícil pra ele fazer esse filme. Aí ele tratou do tema, mas sem escancarar o problema se quisesse.

7  – Muitos críticos dizem que Almodóvar ficou mais leve nos seus últimos filmes. Você acredita nisso?

Eu não acho que ele pegue mais leve. O que acho que aconteceu é que ele foi esgotando a capacidade de explorar todos esses temas e foi percebendo com o amadurecimento a importância do envolvimento emocional, da relação amorosa. É fundamental você conseguir se libertar das amarras das opressões e dos desejos. Mas, no fundo, o que mais importa é o amor e a relação afetiva. Não que ele não tivesse antes , mas ele passou a dar uma importância ao lado muito mais afetivo e explora muito bem esse lado. Em Pele que Habito ele vai longe e toca em um dos últimos temas que precisa mexer que é a identidade de gênero. Mas, no seguinte, que é o Amantes Passageiros, ele faz um filme parecido com os primeiros, pois ele já havia discutido essas coisas e com as expressões da sexualidade. Mas ele se permitiu retomar isso. Ele continua bastante libertador e ousado. 

8 – Existe algum tema sexual que você acredita que ele ainda não tocou? 

Até observo no livro que faltou apenas um tema de sexualidade para ele tratar, que é a questão do aborto. Ele não colocou nenhuma personagem fazendo aborto ou discutindo o tema. Diretamente, pelo menos. Mas todo o resto que você possa imaginar envolvendo sexualidade ele colocou nos filmes dele. Todas as variantes sexuais possíveis, todos os comportamentos.

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