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27 Setembro 2024 | Gabryella Garcia

Entre erros e acertos, "Placa Mãe" tenta consolidar animações brasileiras no mercado ao falar sobre adoção

O Portal Exibidor realizou uma entrevista exclusiva com Igor Bastos, diretor do longa que estreia em 3 de outubro

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(Foto: Divulgação)

Placa Mãe (O2 Play) chega aos cinemas no dia 3 de outubro em um ano em que as animações dominam o mercado cinematográfico. O cenário para produções brasileiras, entretanto, ainda é um pouco diferente. Grandes cases de animações brasileiras que fazem extremo sucesso na TV não faltam, mas nos cinemas esse tipo de produção ainda luta, entre erros e acertos, para encontrar seu espaço. Em uma entrevista exclusiva para o Portal Exibidor, o diretor Igor Bastos falou sobre as expectativas para o lançamento e também o cenário atual do mercado.

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O filme, que chega aos cinemas na próxima semana, acompanha a história de Nadi, uma andróide com cidadania que ganha o direito de adotar duas crianças, David e Lina. Porém, um político e digital influencer sensacionalista cria diversas polêmicas sobre o caso, com o intuito de ganhar popularidade para sua candidatura de presidente do Senado. No meio de tudo isso, um mal entendido leva David a fugir e viver algumas aventuras e Nadi, consequentemente, tem que decidir entre ficar com a sua cidadania ou avisar às autoridades sobre a fuga.

Placa Mãe trata de um tema bastante sensível, que é a adoção, e Bastos contou ao Portal Exibidor que uma das principais preocupações da equipe era ter uma atuação efetiva nessa questão. Os dados mais recentes do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento apontam que há mais de 46 mil pessoas cadastradas em todo o país para adotar uma criança, e quase 3.800 crianças e adolescentes à espera de um lar. Os números dessa conta não fecham e, além de refletir sobre o tema, após muito estudo, o diretor também revelou que parte dessa atuação efetiva consiste em parte dos ingressos do filme serem doados para a Aldeias Infantis SOS Brasil, uma instituição sem fins lucrativos que atua há 56 anos em todo o Brasil.

"Me debrucei sobre o tema para entender coisas que demonstram problemas sociais de estrutura e de país. Hoje crianças mais velhas têm muita dificuldade em encontrar pais, irmãos, a lei pede para que não sejam separados, então se forem irmãos mais velhos é mais complicado ainda. Se forem negros, é mais complicado ainda. Se um deles tiver deficiência, é mais complicado ainda. Então a gente tem mais pais querendo adotar do que crianças, mas não conseguem adequar um perfil do que os pais querem para as crianças disponíveis. Decidimos não só mostrar essa questão da adoção, mas também ter uma atuação efetiva. Dia 25 de setembro nós levamos as crianças das Aldeias do Rio de Janeiro para assistirem o filme, então alguns que conseguiram encontrar, foram com os pais, outros ainda estão buscando, mas foram ao cinema com a gente para assistirem o filme e poderem se ver na tela. Tentamos não ficar só na palavra e fazer alguma coisa efetiva", disse Bastos.

Voltando ao filme propriamente dito, números do Portal do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (OCA) da Ancine mostram que o público brasileiro é ávido por animações. Neste ano, por exemplo, quatro entre as 10 maiores audiências nos cinemas brasileiros são de animações, incluindo os dois primeiros colocados que são Divertida Mente 2 (Disney) e Meu Malvado Favorito 4 (Universal), que levaram respectivamente 21,98 milhões e 7,57 milhões de pessoas aos cinemas. Também contaram com excelentes públicos Kung Fu Panda 4 (Universal), com 2,1 milhões na sétima posição, e Wish: O Poder dos Desejos (Disney), com 1,95 milhão na décima colocação.

Na esteira desses sucessos, internacionais diga-se de passagem, o diretor do longa se mostra com boas expectativas para o lançamento nos cinemas. Além dos recentes sucessos das animações, Bastos se apoia na parceria com a Aldeias Infantis SOS Brasil e também com o Festival Internacional de Cinema de Estocolmo para projetar bons números.

"As expectativas são as melhores possíveis e acho que a Cota de Tela vai ajudar muito a gente. O fato de ser uma animação, acredito que o brasileiro gosta de assistir animação e a gente tem visto que esse ano as animações estão indo muito bem. Se pegarmos os números agora da Semana do Cinema também vemos que filmes família e filmes infantis estão indo muito bem, então as expectativas são de levar um público legal para os cinemas. A gente também aposta no poder educativo que o filme tem e até na Suécia, por exemplo, a Suécia fez um material didático do nosso filme para trabalhar nas escolas junto com o Festival de Estocolmo, então estamos apostando nessas parcerias para impulsionar e obviamente o cinema é um boliche. A gente acerta uma pessoa, essa pessoas conta para outras três, que contam para cinco. Nossas expectativas são essas para conseguir chegar ao máximo de pessoas possíveis", disse.

Bons motivos para assistir a Placa Mãe nos cinemas, aliás não faltam de acordo com o diretor. Na entrevista ao Portal Exibidor, Bastos destacou questões como trilha sonora e pós-produção, além da possibilidade do imaginário coletivo em uma experiência coletiva nas salas de cinema como diferenciais que fazem valer a pena assistir a produção nas telonas.

"Placa Mãe é um filme para se ver no cinema e a gente pensou algumas coisas nele para a sala de cinema. Uma das coisas que é muito marcante é a questão da trilha sonora e nós temos grandes músicas com composições de Milton Nascimento e Nico Nicolaiewsky. Então essa parte de trilhas sonoras é muito impactante em uma sala de cinema. Também,  a gente simulou algumas coisas de live-action nele e simulamos grãos de película na pós-produção, então só quem for assistir nos cinemas vai ter a oportunidade ver porque no cinema fica muito nítido essa questão da materialidade e das texturas que a gente colocou no filme. Outra coisa, uma parte mais simbólica, além da técnica, é que a gente quase nunca vê o nosso Brasil no futuro. O cinema tem esse lance de ser uma sala onde todo mundo vai para sonhar de forma coletiva e acho que a gente sonhar com o Brasil de maneira coletiva em um filme que fala tanto sobre os problemas do Brasil, como por exemplo a desigualdade, acho que ter esse poder de sonhar e pensar o Brasil que queremos para o futuro e a mensagem que o filme traz tornam a experiência do cinema única", destacou o diretor.

Por fim, apesar de se mostrar otimista com um bom público e extremamente satisfeito com o trabalho desenvolvido, Igor Bastos apontou algumas dificuldades em relação à produção de animações brasileiras para o mercado cinematográfico. Para ele, por ser um tipo de produção relativamente recente, o mercado como um todo ainda não entendeu os melhores modelos para produzir, distribuir e exibir animações, além de enxergar um descaso das políticas públicas com animações, e chamar a atenção para o "equívoco" de produzir animações para o cinema em um modelo que costuma funcionar para a televisão.

"É engraçado porque a animação vive o melhor momento dela hoje no Brasil e a gente nunca teve tanta animação sendo feita, mas ao mesmo tempo nós temos grandes desafios. Na TV vamos muito bem e temos grandes cases de sucesso como O Show da Luna!, Irmão do Jorel, e Boris e Rufus. Mas no cinema ainda estamos começando a construir alguns cases há cerca de 10 anos. Acho que O Menino e o Mundo (Espaço Filmes) foi um primeiro filme que abriu o olhar dos produtores e das pessoas para isso, mas ainda estamos aprendendo. Como temos pouco volume, até mesmo a distribuição ainda discute muito o que funciona ou não. Um filme de comédia, por exemplo, tem 100 filmes de comédia, então as distribuidoras e os produtores vão lançando e aprendendo o que funciona", começou. "Outra questão é que a política pública maltrata a animação, ela não é pensada de forma alguma para a animação. A gente acaba conseguindo acessar os recursos, mas temos muitas dificuldades e o que se faz hoje ainda é a televisão no cinema, e isso não funciona. O filme tem que ser pensado como filme mesmo, e não pensar a televisão no cinema. Por isso, às vezes essas adaptações, por mais que tenham grandes públicos, quando adaptações de animações vão para o cinema, sejam estrangeiras ou brasileiras, não funcionam tão bem", continuou.

Mas, apesar dos problemas e dificuldades, o diretor apontou que o próprio Placa Mãe foi pensado exclusivamente para o cinema, como forma de minimizar essas dificuldades, com cerca de 30% dos cenários sendo modelados para fazendo movimentos de câmera, atendendo um desejo do público por produções 3D como forma de cativar o público, e também destacou a possibilidade de animações feitas para o público adulto como um possível caminho para consolidar ainda mais as animações brasileiras no mercado cinematográfico.

"Uma situação que está acontecendo agora é a questão da animação adulta, e hoje o mercado tem seu melhor momento para a animação adulta porque quem tem mais de 25 anos, cresceu vendo animação. As pessoas têm um carinho muito grande [por animações] e filmes como o nosso, que são para a família, a criança se diverte porque a animação tem essa relação estreita com o público infantil, mas o adulto que cresceu assistindo animação também gosta. Um caso bem claro disso é como os animes têm levado o público adulto para as salas de cinema brasileiras e isso é uma coisa que temos que aprender a explorar e construir. E, lógico, tratando de animação, agora que está aumentando o volume, distribuidor, produtor e exibidor estão aprendendo, mas é um cenário muito promissor e com certeza tem um grande potencial", finalizou.

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