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10 Setembro 2024 | Janaina Pereira, de Veneza

Festival de Veneza celebra as mulheres na frente e atrás das câmeras

Cinco dos oito filmes premiados na Mostra Competitiva deste ano são protagonizados por mulheres

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(Foto: Divulgação)

O olhar feminino, na frente e atrás das câmeras, foi a marca da 81ª edição do Festival de Veneza, que terminou no último dia 7 de setembro com a vitória de Pedro Almodóvar e seu primeiro filme em inglês, O Quarto ao Lado (Warner). Não à toa, justamente ele, um dos diretores que melhor entende a alma feminina. É a primeira vez que o cineasta espanhol ganha um prêmio na Mostra Competitiva em Veneza; o que soa irônico, já que esse não é seu melhor filme. Mas é a celebração de um nome importante do cinema mundial, um roteirista que sabe escrever personagens femininos complexos – e isso está presente neste filme – e ainda usa as cores como ninguém – outra característica marcante que salta aos olhos em O Quarto ao Lado.

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Mas, em se tratando de Almodóvar, é a trama com personagens femininos imponentes que sempre chama a atenção. Em O Quarto ao Lado, adaptação do livro “What are you going through”, de Sigrid Nunez, Julianne Moore e Tilda Swinton são colocadas lado a lado como Ingrid e Martha, amigas de juventude que trilharam caminhos diferentes e se reencontram depois de muitos anos. O que vai marcar esse reencontro, além das lembranças do passado, é o fato de Martha, doente terminal, pedir uma ajuda bem particular para Ingrid. E o filme entra no território de um tema delicado: a eutanásia.

Almodóvar sabe, como poucos, discorrer temas sensíveis e difíceis e levantar um debate importante a respeito. Mais de uma vez já tratou de estupro e aborto bem antes desses temas se tornarem recorrentes entre produções contemporâneas. Também conduz com delicadeza as relações femininas, dessa vez entre duas mulheres maduras, donas de suas vidas e de suas decisões. Falta a O Quarto ao Lado a força e a fúria do cineasta espanhol, que fez parte de toda a sua filmografia até aqui. Contido, mas sem perder a essência, o Leão de Ouro é dele, que celebrou as mulheres em seu discurso de agradecimento.

“O filme fala de uma mulher em um mundo agonizante e de outra mulher que decide compartilhar seus últimos dias com ela. Acompanhar um doente terminal, saber estar ao lado, é uma das grandes qualidades de uma pessoa. O filme fala, entre outras coisas, não só de solidariedade, mas também da decisão de terminar a vida devido a uma dor sem solução. Creio que é um direito fundamental de todo ser humano. Não é um assunto político, é humano”, disse.

 

Mulheres premiadas

Dos 21 filmes que concorreram ao Leão de Ouro, apenas seis eram dirigidos por mulheres. Um fato que foi comentado pela atriz Nicole Kidman durante a coletiva de BabyGirl (Diamond), filme que ela afirmou só ter feito por ser dirigido por uma mulher, a cineasta holandesa Halina Reijn.

“Foi libertador compartilhar nossos instintos femininos. Todas merecemos mais orgasmos. Esta é a história de uma mulher e, espero, uma história muito libertadora. É contada por uma mulher através do olhar dela. Halina escreveu e dirigiu e isso, para mim, é o que a tornou tão única porque, de repente, eu estava nas mãos de uma mulher com esse material. Era algo comum aos nossos instintos compartilhados e muito libertador. Eu sabia que ela não iria me explorar. Não importa como as pessoas interpretem isso, eu não me senti explorada. Quantas diretoras estão concorrendo em Veneza? Apenas seis? Temos que mudar isso!”, reforçou.

Mas, em se tratando de Veneza, isso é um recorde. O evento já foi publicamente chamado de machista e misógino porque só nomeava, no máximo, duas diretoras a concorrer ao prêmio principal. Chama a atenção, portanto, que o júri presidido pela atriz francesa Isabelle Huppert premiou quatro dos seis filmes dirigidos por cineastas mulheres. Foram eles Vermiglio, da italiana Maura Delpero (Leão de Prata Grande Prêmio do Júri); April, da georgiana Dea Kulumbegashvili (Prêmio Especial do Júri); BabyGirl, da holandesa Halina Reijn, que rendeu a Nicole Kidman a Coppa Volpi de melhor atriz; e The Quiet Son, das francesas Delphine e Muriel Coulin, que deu ao ator Vincent Landon a Coppa Volpi de melhor interpretação masculina.

Embora o filme das irmãs Coulin tenha uma temática masculina – Landon faz um pai viúvo que precisa lidar com o filho neonazista – os demais são protagonizados por mulheres, assim como o vencedor de melhor roteiro, o brasileiro Ainda Estou Aqui (Sony), de Walter Salles, que foca em Eunice Paiva, a mãe do autor do livro homônimo que deu origem ao filme, Marcelo Rubens Paiva. Durante a cerimônia de premiação, os roteiristas Murilo Hauser e Heitor Lorega homenagearam Eunice e sua intérprete, Fernanda Torres.

“Queremos dedicar esse prêmio a Eunice e todos os Paivas, que nos deixaram entrar em suas vidas e casa e nos deixaram contar essa história. Não é só a história de uma família, mas do Brasil. Muito obrigado a todos os envolvidos. (...) Também queremos agradecer ao nosso elenco brilhante, mas especialmente a grande Fernanda Torres, que contou essa história com todo o seu coração e alma. Esse é para você, Nanda. Viva o cinema brasileiro!”, disseram.

As nuances da personagem real que, com força e coragem enfrentou o desaparecimento do marido, o ex-deputado Rubens Paiva, durante a ditadura militar no Brasil, rendeu muitos elogios à Fernanda Torres. A atriz foi considerada pela crítica internacional uma forte candidata à temporada de prêmios, incluindo o Oscar 2025.

Vale lembrar também a boa atuação de Angelina Jolie em Maria, do chileno Pablo Larraín, a produção que conta os últimos dias de vida da cantora de ópera Maria Callas, e ainda a passagem avassaladora de Lady Gaga pelo Lido. Embora sua Arlequina de Coringa: Delírio a Dois seja uma personagem sem grandes momentos, diante da atuação marcante de Joaquim Phoenix que brilha mais uma vez, a cantora e atriz foi a dona de todos os flashes no tapete vermelho. Nem mesmo os astros Brad Pitt e George Clooney que esbanjaram simpatia e bom humor em Veneza na première mundial de Wolfs, foi Lady Gaga que levou o maior público ao Festival. Uma mostra da força feminina por todos os lados, proporcionando um perfil diferente ao tradicional evento italiano. E dando também um sopro de esperança de que mais mulheres brilharão nas próximas edições do Festival de Veneza.

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