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04 Setembro 2024 | Janaina Pereira, de Veneza

Cinema brasileiro brilha no Festival de Veneza

Além de "Ainda Estou Aqui", o documentário "Apocalipse nos Trópicos" e o filme "Manas" também foram bem recebidos durante o evento italiano

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A produtora Alessandra Orofino e a diretora Petra Costa na première de "Apocalipse nos Trópicos" (Foto: Divulgação)

O cinema brasileiro nunca esteve tão presente no Festival de Veneza como nesta 81ª edição, que acaba no próximo sábado (7).  Na Competição Oficial pelo Leão de Ouro, há chances de premiação com Ainda Estou Aqui, drama dirigido por Walter Salles elogiado pelo público e pela crítica. O filme - baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva sobre sua família e o desaparecimento de seu pai durante a ditadura militar brasileira - é uma coprodução entre Brasil e França e o primeiro longa original Globoplay, produzido por VideoFilmes, RT Features e Mact Productions, em coprodução com ARTE France e Conspiração.  A distribuição será da Sony.

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Mas o Brasil também chamou a atenção em outras mostras do evento de cinema mais antigo do mundo. O documentário Apocalipse nos Trópicos, de Petra Costa, que já foi indicada ao Oscar em 2019 com Democracia em Vertigem, foi exibido fora de competição e recebeu muitos elogios. Com produção de Brad Pitt, dessa vez Petra investiga a ligação entre religião e política, especialmente entre os religiosos evangélicos e a sua força na sociedade brasileira.

“Este filme tinha de ter três camadas. A primeira camada era usar o cinema direto, que acompanha esta fusão entre religião e política. Depois, havia uma camada mais filosófica e principalmente teológica no estudo do termo Apocalipse; o que significa agora e como evoluiu ao longo dos séculos. A outra camada era uma contemplação da democracia onde Brasília, uma das capitais mundiais mais cinematográficas, serviria como metáfora,” disse em entrevista coletiva.

Petra Costa complementou que, enquanto fazia o documentário, fez uma investigação em torno da palavra Apocalipse: “Jesus vai voltar quando acontecer o Apocalipse e temos pessoas no Brasil, e nos EUA ainda mais, que rezam por ele. Pessoas que acreditam que quanto mais depressa o mundo acabar, mais depressa Jesus regressa. Essas pessoas apoiam líderes como Trump e Bolsonaro porque acreditam que isso vai acelerar o processo”.

Ela ressaltou que precisou retornar a 2016 para traçar a linha do tempo de Apocalipse nos Trópicos.

 “Quando em 2016 sentimos que o Brasil estava entrando numa crise democrática com o impeachment da nossa presidente, Dilma Rousseff, eu e o João Atala, o diretor de fotografia, decidimos ir a Brasília para tentar entender o que estava acontecendo, não apenas à nossa democracia mas às democracias mundiais. Quando chegamos ao congresso brasileiro, em vez de encontrarmos congressistas  discutindo a política e a crise, vimos um pastor congressista pregando e, juntamente com um grupo de seguidores, abençoando as cadeiras do Congresso. Perguntei o que ia acontecer com a democracia brasileira. Ele respondeu que a única certeza é que seria estabelecido um governo de Deus e os verdadeiros crentes seriam designados em posições de autoridade. Deu-me a Bíblia e pediu para eu aceitar Jesus. Esse momento foi como um despertar para mim sobre até que extensão o fundamentalismo religioso tinha penetrado nas nossas instituições."

Petra refletiu sobre a situação. "Só quatro anos depois decidimos investigar a fundo a questão. Estávamos na pandemia, quando a palavra Apocalipse e o discurso evangélico tornou-se onipresente. Aí decidimos fazer este filme, tentando perceber o que está por trás deste casamento entre o fundamentalismo religioso evangélico e a política”. 

Petra e os road movies

A cineasta Petra Costa frisou que vê seus filmes como road movies, e que nesta viagem procura seguir a relação entre democracia e fé, esclarecendo os termos.

“Pensamos que a fé é algo simplesmente espiritual, mas no caso da democracia, a fé é o seu cimento. O que tem acontecido no mundo é que as pessoas têm perdido a fé na democracia por várias razões. Uma delas é porque a democracia foi sequestrada pelo capitalismo pouco regulado. Fizemos duas descobertas que podem parecer contraditórias, mas não são. Uma é a necessidade por parte das pessoas de espiritualidade e religião nas suas vidas. E a outra é a separação entre estado e religião. O desafio que temos é o de coexistir com estas duas realidades”.

Os críticos renderam muitos elogios a Apocalipse nos Trópicos. Para o Hollywood Reporter, o que torna o documentário fascinante “é a maneira como Petra Costa muda constantemente entre o épico e o íntimo, o macro e o micro. Ela usa drones e outras ferramentas para filmar multidões enormes de manifestantes como figurantes em um drama histórico, depois usa a câmera na mão para seguir Bolsonaro, assim como o presidente esquerdista reeleito Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto eles lutam com os atores religiosos que os forçam a abraçar o cristianismo em público”.

Já o IndieWire analisou que “apesar de todo o fervor que os direitistas têm contra Petra por ser claramente de esquerda, ela se aproxima do assunto com surpreendente franqueza e curiosidade”.

Brasil em outras mostras

Em disputa na Giornate degli Autori (Jornada dos Autores), uma das mostras competitivas do Festival de Veneza, o filme Manas, da diretora carioca Mariana Brennand, foi bastante elogiado. Estreia da cineasta em longas de ficção, tem no elenco Jamilli Correa, Dira Paes, Fátima Macedo e Rômulo Braga. Totalmente rodado na região amazônica, conta também com artistas locais no elenco. A trama acompanha a história de Marcielle, uma jovem que confronta a violência que tomou conta de sua comunidade. Após Veneza, Manas será exibido no Festival do Rio, onde concorrerá na Premiere Brasil.

O Brasil ainda tem outros filmes em cartaz no Festival de Veneza. Na mesma mostra Giornate degli Autori está a coprodução Brasil/Colômbia Alma do Deserto, de Mônica Taboada-Tapia e na Mostra Orizontti, a segunda mais importante do Festival, destaque para o curta-metragem Minha Mãe é uma Vaca, de Moara Passoni. O país ainda foi selecionado para a mostra Venice Immersive, de realidade virtual,  com 40 Dias Sem O Sol, de João Carlos Furia (fora de competição). Já na mostra Venice Classics onde, como o próprio nome sugere, são apresentados clássicos do cinema internacional, A Hora e a Vez de Augusto Matraga, longa de Roberto Santos de 1965, é um dos destaques.

 

 

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