15 Agosto 2024 | Renata Vomero

Com passagens por festivais, "O Contato" entrelaça histórias indígenas conectadas pelo Rio Negro

Documentário acompanha três famílias indígenas de São Gabriel da Cachoeira: os Yanomami, os Arapaso e os Hupda

Hoje (15) estreia o documentário O Contato (Pipa Pictures), dirigido por Vicente Ferraz. Falado em quatro línguas indígenas, o filme foi rodado na região de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, e acompanha o cotidiano de três famílias de diferentes etnias e conectadas pelo Rio Negro: os Yanomami, os Arapaso e os Hupda. O município é conhecido por ser uma das regiões com maior diversidade étnica do Brasil, onde convivem 23 etnias e 18 idiomas nativos.

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O Contato esteve na Mostra Ecofalante de Cinema 2024, em São Paulo, e, ano passado, teve sua première mundial durante a Mostra Competitiva do Festival É Tudo Verdade. Em 2023, ele também foi exibido no Festival Internacional do Novo Cine Latino-Americano, em Havana, Cuba. A produção do longa é da Bang Filmes, de Juliana de Carvalho, com distribuição da Pipa Pictures.

E vem encontrando repercussão nas sessões de pré-estreias acompanhadas, muitas vezes, de debate e discussão sobre o tema, tão urgente e necessário, dada todas as dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas e a relação disso com o estado de emergência climática que nos encontramos. Ainda assim, há uma luta para conseguir espaço no parque exibidor.

“Estamos vivendo um momento difícil. O filme fala de um processo violento de colonização no Alto Rio Negro, mas, por outro lado, o imaginário brasileiro, o audiovisual brasileiro, é invadido por uma cinematografia hegemônica, que muitas vezes com apenas um filme, um título, ocupa um terço das salas de cinema. Logo, o espectador que deseja refletir e ver sua cultura espelhada vive um momento muito escanteado das salas de cinema”, comentou o diretor ao Portal Exibidor.

Além da temática, ele destaca a importância do filme ser visto no cinema também pela experiência sensorial trazida, que faz o espectador imergir nas histórias dos personagens e na região, conseguindo transpor as próprias barreiras da língua e culturais propostas pelo filme.

As três histórias de O Contato estão conectadas pelo Rio Negro, via pela qual os personagens percorrem cerca de três mil quilômetros para chegarem aos seus destinos. Durante a jornada, a narrativa é conduzida por alguns personagens centrais: um grupo Yanomami que leva um filme sobre eles para ser exibido na aldeia; uma mulher Arapaso que viaja até a cidade para cuidar da filha que tem depressão; e uma família formada por Hupda e Baniwa, duas etnias que historicamente não se relacionavam, que vai apresentar seu filho Baniwa para os parentes distantes Hupda.

Inclusive, embora o documentário tenha essa ideia de trazer histórias diversas dessas famílias, não há uma linha linear narrativa a ser seguida, contribuindo para a importância dessa visita ao cinema para conferir o filme.

“Através dessas travessias e de uma câmera íntima que chega, quase toca os personagens, o espectador vivencia junto com eles a experiência dessa viagem e de refletir sobre a própria vida, o próprio passado, a própria ancestralidade e histórias vividas desde 300 anos atrás quando começou o contato com os indígenas dessa região. O entrelace dessas histórias vai dando a espectador a dimensão dessa riqueza étnica na região, da riqueza cultural e linguística. O filme é falado em quatro línguas indígenas. Podemos entendê-lo como observacional, onde a produção e a realização sugerem algumas dinâmicas e observam o que acontece”, destacou a produtora Juliana de Carvalho, da Bang Filmes.

Com tudo isso e dada a força acima mencionada da temática e retrato único que o documentário faz, sua estreia se dará por partes. Primeiro chegará nesta quinta-feira (15) em 11 cidades do país, sendo elas São Paulo, Rio de Janeiro, Niterói, Brasília, Palmas, Porto Alegre, Recife, Belém, Ananindeua, Santarém e Salvador. Na segunda semana, de 22 a 28 de agosto, o filme vai entrar em cartaz em Manaus. Já na terceira, de 29 a 4 de setembro, ele também estará em circuito em Caxias do Sul.

Em tempos de Cota de Tela e a necessidade dos exibidores abrirem espaço na programação para o cinema nacional, essa é uma oportunidade especial de conectar o público com seu cinema, sua história e sua cultura, bem como disse Juliana, com sua própria ancestralidade e origem.

Isto posto, é grande a expectativa para chegada do filme, nem tanto pela perspectiva comercial, mas especial pela perspectiva subjetiva de tudo que está por trás dessa história.

“A Pipa Pictures tem essa característica de apoio ao cinema nacional. São mais de 20 anos distribuindo filmes brasileiros, filmes autorais, independentes, que fazem carreira em festivais, ganham prêmios, são aclamados pela crítica. Muitos desses filmes não são de apelo comercial, mas há um público para eles. Acreditamos que distribuindo no Brasil, todo esse público vai poder ter acesso ao filme. É importante que filmes assim também cheguem ao público. Não poderia ser diferente com ‘O Contato’, que é um belíssimo longa do diretor Vicente Ferraz e produzido pela Juliana de Carvalho, da Bang Filmes. Trata-se de uma produção sobre um Brasil que poucos brasileiros conhecem”, afirmou Alex Levy-Heller, sócio diretor da distribuidora Pipa Pictures.

E o impacto do filme vai muito além da grande tela. São Gabriel da Cachoeira, o ponto em comum para as três famílias, é um dos municípios com maior extensão do mundo, com 109.184,996 km². Localizado na região da Cabeça do Cachorro, que faz fronteira com Brasil, Venezuela e Colômbia, 95% da sua população é composta por indígenas. A produção do longa também contribuiu com projetos concretos para os povos envolvidos no filme. Entre as iniciativas, estão a reforma de um centro social, a construção de uma escola e o fornecimento de equipamentos de tecnologia para escolas e associações dessas comunidades.

O patrocínio do longa é assinado por Austral, Valid, Civil Master e CSP Consultoria e Informática, com a complementação do Fundo Setorial do Audiovisual/ ANCINE/ BRDE.