05 Junho 2024 | Yuri Codogno
Produções cinematográficas tendem a apresentar melhor identificação do público, mais minorias… e mais conflito: "O interesse vem da treta"
Roteiristas comentaram em painel do Rio2C sobre o futuro dos gêneros de cinema e séries
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De uns anos para cá, o Brasil vem aumentando exponencialmente seu leque de gêneros nos filmes e séries que estreiam nos cinemas e streamings, algo visto como essencial para a ampliação de nossa indústria, segundo todos os elos do setor audiovisual. Alguns gêneros, porém, têm chamado mais atenção do que outros, que são os casos da ação, true crime e das cinebiografias.
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Visando compreender melhor esse cenário, o Rio2C 2024 apresentou o painel "Novos Olhares para os Gêneros-Tendência: Ação, True Crime e Biopic”, que contou com seguintes roteiristas especialistas nesses gêneros: Álvaro Campos, que assinou o roteiro de Senna e Anderson Spider Silva; Mariana Jaspe, no True Crime, autora do doc sobre o caso Flordelis; e Mariana Bardan, criadora e roteirista de Cangaço Novo, que foi a série fenômeno da Prime Video ano passado. A moderação foi da cineasta Jaqueline Souza
Em relação às tendências, os especialistas acreditam muito mais em determinadas características do que qualquer produção pode ter do que especificamente algo mais único de determinado gênero. Duas questões foram citadas: o fato de mais ter protagonismo de minorias sociais - como pessoas negras, não-héteras e mulheres - e também o desenvolvimento de histórias que o público possa se relacionar melhor, especificamente que o público brasileiro possa se identificar.
"São gente como a gente, em se inspirar. Pensamos no true crime porque as pessoas se veem representadas por acontecimentos de lugares específicos do Brasil. Você enxerga o seu vizinho ou alguém conhecido [naquele caso]. E em um país em que a justiça é para poucos, então você assiste true crime e coloca a possibilidade de uma justiça popular e, mesmo que internamente, de uma vingança”, explicou Mariana Jaspe.
Para Álvaro, o caminho é parecido nas biopics, que também trazem suas próprias especificidades: “A biografia traz a idolatria e a fanbase, então quando a gente tiver isso, essas referências vão continuar. Esse verniz que a realidade dá para a dramaturgia é a gente que está criando. Quando faço uma cena biográfica, [preciso lembrar que ela] é real”.
Mas não é só isso, visto que todos entendem que é necessário trazer um equilíbrio entre elementos, como realidade e ficção, mas que não tem uma regra ou fórmula para chegar no resultado final. Um dos motivos é que qualquer história irá passar pela subjetividade do autor.
“Tendência é uma coisa eterna. O que vejo novo de ação, posso falar do que criei. São produtos de ação fora do eixo Rio-SP, para além disso são histórias que existem aos montes, mas não conseguimos vender. Ainda que a gente busque, que se alimente da realidade, a gente queria muito fazer uma série de ação que tivesse conflito e drama. Mas [no caso de Cangaço Novo] isso da fanbase estava mais presa ao gênero e a colocar outros tipos de personagem dentro da história, criando essa conexão com a realidade, mas não se prendesse a ela", disse Mariana Bardan, usando como exemplo a série que desenvolveu.
Outro ponto abordado foi a necessidade de ter um conflito para ajudar a alavancar a obra. E aqui saio um pouco do papel do jornalista e falo também como roteirista: a maneira como um personagem - geralmente o protagonista - se relaciona com o conflito é o que define o gênero do filme/série, de modo que ser passivo ao conflito é exclusivo do melodrama (apesar do cenário estar mudando) e, em menor grau, também nos subgêneros.
Entretanto, esse conflito não precisa ser necessariamente uma briga ou uma clara oposição de ideias, podendo ser algo mais subjetivo dos personagens. E esse conflito deve estar presente em todas as cenas dramáticas (uma dos quatro tipos de cena que existem), que, mesmo que pequeno, ajuda a mudar o status quo da história e a desenvolver a trama. Em todos os exemplos de gêneros citados pelo painel, o conflito se apresenta com frequência: na ação, que por si só necessita de um protagonista afrontoso; no true crime, que há uma disputa sempre com uma oposição, que costuma ser a justiça; e nas cinebiografias, que buscam retratar e a vida inteira de uma pessoa (ou apenas um recorte dela) através de suas camadas, algo que todos nós temos e que são conflituosas.
“A gente gosta de ver conflito, o interesse vem desse lugar, que é a treta”, explanou Mariana Bardan.
E como chegar nessa tríade: conflito + novos protagonistas + identificação com a história? Todos concordaram que é através da escuta - além da pesquisa -, algo extremamente necessário para compreender aquele universo o qual o roteirista está desenvolvendo a história, seja ela totalmente ficcional ou 100% inspirada em algo ou alguém.
“A nossa função de roteirista é mais de escuta do que da fala. E quanto mais ouve para tomar decisão, mais seguro você fica. O bonito do audiovisual é que ninguém consegue fazer sozinho. E ser um guardião da escuta, da troca, para que o ator seja bem dirigido, para que o diretor possa executar a cena, etc. Se a gente não ouvir, ninguém vai ouvir… e porque de diretor mala já temos o suficiente”, explicou e brincou (com uma boa dose de verdade) Álvaro.
Após o lançamento, ouvir os fãs é importante, mas essa escuta também deve ser feita durante a escrita do roteiro. Então ficar atento ao que os atores e equipe de produção têm a dizer pode ser importantíssimo para ajudar a levar o personagem e a história para o caminho mais adequado, transformando as críticas em algo a mais e adaptando o desenvolvimento à situação. Como ressaltou Bardan, é necessário “fazer da escuta e da disponibilidade uma tendência”.
Por fim, a mediadora Jaqueline completou: “Num mundo ideal, quanto mais humanas forem as coisas, mais serão significativas”.
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