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31 Maio 2024 | Gabryella Garcia

"Bandida - A Número Um" foge do óbvio e mostra empoderamento feminino em um ambiente dominado pelo tráfico nas favelas

Saindo do lugar comum de uma comunidade chefiada por um homem, longa dirigido por João Wainer e produzido por Veronica Stumpf chega aos cinemas em 20 de junho

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(Foto: Divulgação)

Bandida - A Número Um (Downtown/Paris) chega aos cinemas no dia 20 de junho com uma proposta de sair do convencional. O filme conta a história real da primeira mulher que chefiou o tráfico de drogas da Rocinha, uma das maiores favelas do Brasil. A ficção, baseada no livro "A Número Um", de Raquel de Oliveira, é dirigida por João Wainer e produzida por Veronica Stumpf. Em um cenário de tráfico de drogas que é dominado por homens - e pelo machismo -, Bandida traz um olhar de empoderamento feminino e mostra Rebeca, que é protagonizada pela atriz Maria Bomani, sendo "dona de si".

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"Nós queríamos uma coisa nova e diferente, uma história com muitas camadas e não só uma história de favela e tráfico de drogas. O filme traz muitas camadas, com muita reflexão e também o olhar de empoderamento de uma mulher que tomou decisões que podem ser julgadas, mas que também tem muita força. A potência dessa mulher que a gente retrata foi um grande desafio de ser produzido. Esperamos que as pessoas se identifiquem e que as mulheres se identifiquem com essa personagem tão rica que é a Rebeca", destacou Stumpf.

O filme, que se passa nos anos 1980, é narrado em primeira pessoa e mostra a vida na Rocinha quando o morro ainda era dominado pelo Jogo do Bicho. A trama acompanha a trajetória de Rebeca, que aos nove anos é vendida pela própria avó para um bicheiro que mandava na comunidade. Ela acompanha de perto a mudança de poder - tomado pelo tráfico, - e se torna mulher do chefe do crime, Pará, interpretado por Jean Amorim, seu grande amor. Depois da morte do companheiro, ela assume a liderança, em uma rotina de crimes e violência.

Bandida, no decorrer da história, coloca a chefe do tráfico da Rocinha como uma personagem que desperta a empatia do público, e o diretor João Wainer destacou que uma das propostas da produção era justamente humanizar a protagonista. "Você vai vendo o filme e entendendo como essa menina foi jogada para lá e pra cá e foi vendida pela avó. Ela tinha que se virar, então sou super simpático a ela até o final, mesmo quando ela vira bandidona. Eu não estou aqui para julgar, estou aqui para contar uma história e essa é minha função. Se eu quisesse julgar, ia virar policial, delegado ou deputado. Para mim o pilar principal é não julgar, porque se eu entrar nessa onda acabou. Quem sou eu para dizer o que é certo ou que é errado ou o que aquela menina deveria fazer em determinada situação, vivendo o que só ela viveu. Eu não tenho esse poder", afirmou o diretor.

O ator Jean Amorim, que é cria das favelas, também destacou que uma grande preocupação da equipe de Bandida foi de não cair em estereótipos. Como exemplo, ele citou seu personagem e sua própria trajetória de vida, dizendo que nenhuma pessoa nasce para o crime, mas as circunstâncias a colocam nesse lugar.

"A gente tinha um roteiro que tinha tudo para ser um estereótipo de uma história sobre uma comunidade brasileira, mas a gente se aprofundou nisso e foi trazendo algumas verdades. Quem é esse moleque? Como ele foi parar nesse lugar? Ele nasceu para o crime? Ninguém nasce para o crime, são circunstâncias que vão empurrando as pessoas para esse lugar. Acho que o Pará é um desses moleques que não nasceu para aquela vida. O Pará tem essa coisa de mostrar a humanidade dos personagens e entender que a gente não veio para isso, mas a vida vai empurrando a gente para isso e acho que a virada de chave é quando ele comete seu primeiro crime de verdade, que é o assassinato", disse o ator.

João Wainer ainda complementou destacando que hoje 60% do território do Rio de Janeiro é dominado por facções criminosas e, por isso, não é justo procurar herói ou vilão dentro da história. "Todo mundo é vítima, desde o policial que atira até o bandido que leva o tiro. Todos são vítimas de uma parada muito maior e quem está se dando bem e ganhando dinheiro está de gravata no ar condicionado enquanto está todo mundo se fodendo lá embaixo. Não tem herói ou vilão, todo mundo é vítima de um sistema que é absolutamente cruel e provoca esse tipo de coisa e que chegou onde estamos hoje no Rio de Janeiro", disse.

No desenvolvimento da trama Rebeca é criada dentro do Jogo do Bicho e, no período de transição entre o final da era dos bicheiros e o domínio do morro pelos traficantes, vê seus amigos de infância entrarem para o tráfico. Após se envolver em uma grande história de amor, rodeada por festas, drogas e violência, uma série de acontecimentos fazem a protagonista assumir a liderança do morro, e a produtora Veronica Stumpf faz questão de destacar toda essa trajetória de violências para evidenciar a força da personagem.

"Depois de o filme estar pronto eu escutei uma crítica dizendo que a Rebeca não é dona de si, mas eu discordo totalmente. A gente pode julgar as atitudes ou as decisões que ela tomou, mas ela é muito dona de si. Ela esteve em um ambiente que muitas de nós como mulheres não saberia como agir e talvez fossemos nos tornar reféns de nós mesmas. Ela conseguiu achar um caminho, conseguiu vencer homens, vencer a violência a qual foi submetida e vencer a opressão, ela é uma mulher que dominou a própria vida e tomou para si as rédeas da própria vida. Podem ter sido escolhas erradas e ninguém está aqui para julgar, mas ela conseguiu vencer e se superou, então nosso filme é sobre essa mulher que diante de uma situação inimaginável de vivências inimagináveis conseguiu tomar a vida para si, sair como vencedora e conseguiu, de alguma forma, sobreviver. Isso é maravilhoso e ela sobreviveu porque é dona de si, diante de todo o sofrimento que foi imposto à ela ela conseguiu dar a volta por cima", ressaltou.

Bandida - A Número Um chega aos cinemas em um momento de retomada do cinema nacional e, enquanto o maior público de uma produção brasileira em 2023 foi de pouco mais de 500 mil espectadores, com Nosso Sonho (Manequim Filmes), em 2024 três filmes já ultrapassaram a marca de 1 milhão de espectadores: Os Farofeiros 2 (Downtown/Paris), Minha Irmã e Eu (Downtown/Paris), e Nosso Lar 2: Os Mensageiros (Disney).

Mas, apesar de um cenário mais otimista do que no último ano, Wainer destacou que tentou fugir do óbvio e trazer novidades que melhorem a experiência do público como um atrativo a mais. Na produção do longa, inclusive, foi utilizada uma Betacam (formato de vídeo criado em 1982), que é uma câmera antiga e bastante utilizada em novelas e telejornais nas décadas de 1980 e 1990. Um dos motivos da escolha pelo equipamento foi justamente a textura dos materiais de arquivo que seriam usados no filme.

"Como diretor tento trazer algum tipo de frescor e em Bandida, o tempo todo tentamos ir por um caminho arriscado que poderia ter dado muito errado porque a gente foi criando, experimentando, testando, colocando a Betacam no set. A gente foi experimentando uma outra linguagem estética, mas a gente teve coragem para isso. Quando você faz a fórmula e a receitinha convencional, o básico do seu arroz e feijão com certeza você vai ter, mas quando você experimenta o arroz e feijão pode ficar ruim, mas também pode chegar em um lugar que não chegaria se seguisse o padrão. A gente tentou fazer diferente e acho que esse estudo de gênero é importante para o cinema para que o cara saiba que ela não vai ver um filme que é igual a todos os outros filmes de favela que ele já viu na vida dele. Ele vai ver uma coisa diferente e a gente tentou ir por esse caminho de experimentar um pouco na linguagem, de apertar um pouco na tinta da atuação e da finalização, apertar um pouco na montagem também. Tentar sair da mesmice e trazer um frescor", afirmou o diretor.

Stumpf ainda destacou que Bandida foi produzido para a "tela grande", ou seja, para ser visto nos cinemas, e voltou a bater na tecla da importância da experiência do público como fator determinante para levar as pessoas para as salas escuras. A produtora, inclusive, revelou a intenção da Paris Entretenimento produzir apenas filmes em Dolby Atmos, visando essa melhor experiência.

"Hoje o cinema precisa trazer experiências e as pessoas precisam sair de casa para ir ao cinema e experimentar uma emoção e um som diferente. A Paris tem se dedicado a contar histórias que emocionam e fazem as pessoas se sentirem representadas e se identificarem. Esse é o primeiro projeto que saiu com o Atmos, mas estamos trabalhando para que todos os nossos filmes, não importa o gênero, desde uma comédia mais simples e convencional até um filme mais potente como Banida tenha essa sonorização para que a gente possa dar essa experiência ao público. A gente precisa fazer filmes com experiência para que as pessoas se sintam convidadas e instigadas a sair de casa, porque é muito difícil concorrer com o sofá. A gente trabalha para trazer experiência e tenho certeza que esse filme é uma experiência muito linda de se ver", disse.

Bandida - A Número Um é produzido pela Paris Entretenimento em coprodução com TX Filmes, Film2B, Claro e Telecine e apoio da Rio Filme, órgão que integra a Secretaria de Cultura da Prefeitura do Rio, além de distribuição da Paris Filmes. No final da entrevista, Stumpf também apontou a falta de apoio e incentivos como uma das principais dificuldades para a retomada do cinema nacional, e jogou os holofotes para essa questão.

"Fazer esse filme e obrigar nosso diretor e nosso elenco a trabalharem nesse filme em 25 diárias é uma crueldade, só que ela é necessária porque a gente não tem os recursos necessários para fazer melhores filmes. Então eu, como produtora, tenho trabalhando incessantemente para que a gente tenha mais recursos para que possa entregar a melhor experiência para quem está assistindo e uma melhor experiência para quem está trabalhando, porque a gente sofre bastante e foi muito difícil entregar esse projeto", finalizou.

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