09 Fevereiro 2024 | Yuri Codogno
"Bob Marley: One Love" é um filme que vai além do compositor: "É uma das mensagens dele para o mundo"
Kingsley Ben-Adir, Ziggy Marley e Reinaldo Marcus Green comentaram sobre o filme em entrevista coletiva virtual
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Poucos artistas do mundo estão tão diretamente ligados ao conceito de sua obra quanto Bob Marley. Quando pensamos em reggae, automaticamente nos vem Bob Marley à cabeça. Apesar disso, o compositor era muito mais do que um gênio da música - as letras de suas canções podem comprovar tal afirmação. E o filme Bob Marley: One Love (Paramount) trabalha em cima disso, focando não no mensageiro, mas sim em sua mensagem para o mundo.
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Na última segunda-feira (5), o Portal Exibidor esteve presente na cabine de imprensa a qual exibiu o filme, que foi seguido por uma coletiva virtual que contou com a presença do ator e protagonista Kingsley Ben-Adir, do diretor Reinaldo Marcus Green e de Ziggy Marley, produtor e filho de Bob Marley. O filme estreia no dia 15 de fevereiro, com sessões antecipadas a partir de segunda-feira (12).
“Captar a vida de um homem em duas horas é simplesmente difícil e então, para nós, foi apenas tentar encontrar a janela que nos permitia fazer isso para mostrar a humanidade e o que Bob era. E, você sabe, é tudo desafiador, especialmente com o ícone que Bob é e a lenda que é, então era nossa responsabilidade tentar ser o mais autêntico possível”, ressaltou Reinaldo na coletiva.
De fato, o filme apresenta uma construção narrativa diferente do que as cinebiografias musicais geralmente mostram. Em One Love, não acompanhamos toda a vida e carreira de Bob Marley, mas apenas três anos de sua trajetória, de 1976 a 1978. Tal decisão ajuda a manter a narrativa mais sóbria, com espaço para desenvolver todos os personagens do núcleo central da trama sem que fique a sensação de que está faltando um pedaço de cada um.
Vale lembrar que o período escolhido não é por acaso, pois foi nesse momento em que a Jamaica estava passando por um espécie de guerra civil, a maior desde que o país conquistou sua independência da Grã-Bretanha, em 1962. Tal cenário geopolítico funciona como pano de fundo para o desenvolvimento narrativo da história, demonstrando todos os acontecimentos que mudaram a vida de Bob Marley para sempre, transformando-o de ídolo nacional para lenda global.
“Quem era aquele homem? Quando as entrevistas são interrompidas, quem é essa pessoa? E então esta janela de tempo específica de 1976 a 1978 [...] é um momento criativo muito rico de criação musical e acho que culminou na vida de Bob de várias maneiras. Esse período específico pareceu tão rico para captar quem Bob era, o que ele era, o que ele estava pensando, o que estava passando durante as turbulências do lutas pessoais tão bem retratadas de maneira brilhante através da performance de Kingsley”, disse Reinaldo.
O filme, porém, não é apenas sobre Bob Marley, mas sim sobre sua mensagem para o mundo, como contou Ziggy Marley: “Acho que a mensagem que levamos é uma das maiores coisas que aprecio. Não é um projeto do nosso ego. Realmente há um propósito por trás disso. A mensagem é de que um único amor é a coisa mais importante de vocês podem espalhar ao mundo e este filme está fazendo isso de forma diferente. Então esta é uma das mensagens de Bob Marley para o mundo”.
Em relação à trama, o filme acompanha fatos da vida de Bob Marley (que não citarei, pois, apesar de serem públicos, podem se mostrar como spoiler do longa). Mas fica evidente que, a cada momento, o protagonismo é dividido com a mensagem que ele quer passar para todos. É bem verdade que a trama pessoal do compositor consegue levar a história para frente - apesar de, em alguns momentos, o conflito-matriz ficar escondido atrás dos plots secundários -, mas inegavelmente o que mais sustenta o filme é seu background perfeitamente trabalhado.
Talvez por essa razão que Kingsley Ben-Adir sentiu o peso de interpretar Bob Marley, como ele mesmo contou: “Quando descobri que iria interpretá-lo, juro por Deus que pensei que tinha muito trabalho a fazer. Entrei em um estado de espírito onde realmente não me lembro de tudo, mas certamente não houve sentimento de celebração. Senti que tinha uma grande responsabilidade de começar a trabalhar e eu estava trabalhando [em outro projeto] na época e comecei a me sentir muito ansioso para terminar o trabalho”.
Bob Marley: One Love certamente irá agradar os fãs do compositor, do gênero e quem se interessa por geopolítica e história, mas tem potencial para ir além e conquistar a todos que se interessam por uma mensagem que, a cada ano que passa, se faz mais necessária na sociedade global.
CONFIRA A COLETIVA NA ÍNTEGRA COM TRADUÇÃO LIVRE*:
*Não há spoilers do filme, porém nas perguntas e respostas há acontecimentos sobre a vida de Bob Marley que são retratados na narrativa do “Bob Marley: One Love”.
Qual foi a situação mais desafiadora em fazer o filme?
REINALDO: Captar a vida de um homem em duas horas é simplesmente difícil e então, para nós, foi apenas tentar encontrar a janela que nos permitia fazer isso para mostrar a humanidade e o que Bob era. E você sabe, é tudo desafiador, especialmente com o ícone que Bob é e a lenda que é, então era nossa responsabilidade tentar ser o mais autêntico possível e tentar retratar o homem, o homem que você vê por trás, como quem é ele e, graças a esses dois senhores à minha direita, conseguimos capturar algo que acho muito especial.
KINGSLEY: Senti essa vontade em mim… o processo de tentar compreender ou descobrir [quem ele era]. Você sabe quem era Bob em seus momentos mais vulneráveis, quem ele era no particular? Quem ele era com sua família, fora da personalidade pública ou do cargo ou da ideia de Bob que tantas pessoas têm? Foi realmente uma conversa onde tive que ouvir mais do que nunca, porque não teria sido capaz de descobrir quem ela era em um nível pessoal sem o apoio da família. E também de encontrar as vulnerabilidades de Bob realmente específicas, para encontrar a nuance dessa vulnerabilidade. Tive muitas conversas no set com Ziggy, Ray e Garrick, que infelizmente faleceu, e com quem estava conosco todos os dias, que estava com Bob na The Exodus Tour. Então, diria que tentar encontrar o verdadeiro espírito de Bob e sua vulnerabilidade foi o desafio.
ZIGGY: Sim, concordo com o que você disse. Tenho o mesmo sentimento. Sim, emocional, você sabe, é emocionante passar por isso e tentamos imaginar por dentro, não apenas mostrar o que está do lado de fora. Então, quero dizer, eles fizeram um ótimo trabalho ao descobrir lugares que nunca vimos o Bob antes. Sei que foi um ótimo trabalho, mas também foi um trabalho difícil.
Qual a diferença em termos de preparação para interpretar um ícone real e um personagem fictício?
KINGSLEY: Bem, acho que depende do personagem. Bob era um músico e um artista. E isso foi novo para mim. Já interpretei Malcolm X antes, mas acho que o que havia de diferente em Bob foi a música e a cultura. Sinto que foi o aspecto musical. Não sou muito parecido na atuação com Bob, porque você não pode copiá-lo, ele era de uma forma tão espontânea quando ele dançava e quando ele cantava. Algo especial está acontecendo, mas senti vontade de compreender o que significa acordar de manhã e escrever uma música… e onde você está, onde sua vida e seu trabalho e sua paixão e você sabe que é a música. Tratava-se de entender o que isso significa. O que significa escrever uma música? O que significa pensar nas letras? O que significa precisar se expressar através daquela forma que era completamente nova para mim? E nas cenas acústicas e outras coisas, era realmente Ziggy que estava lá. No dia em que estávamos fazendo a cena na sala… se ele não estivesse lá para me dizer “traz isso para baixo. Está muito alto, toque mais gentil”. Eu nunca saberia como fazer isso. Então foi a educação em música e a música como a criação da própria música foi um desafio. Adorei tocar violão. Adorei aprender a tocar violão e adoro tentar cantar porque você sente depois que deixou escapar alguma coisa. Então eu diria que foi a música.
Você acha que a experiência de interpretar Malcolm X te ajudou em algum momento interpretando Bob Marley?
KINGSLEY: Sim. Sim, em cada trabalho que fiz. Cada experiência de atuação você espera que cresça de alguma forma, você aprende algo novo sobre o ofício ou sobre você mesmo ou, você sabe, coisas técnicas sobre a câmera. Você espera que, a cada experiência, saia um pouco melhor que a anterior. Mas sim, acho que Malcolm definitivamente fez isso, não sei como ou o que, mas todo trabalho faz isso.
Fazendo o documentário “Marley”, de Kevin Macdonald, Ziggy declarou que aprendeu coisas que não sabia sobre a vida de Bob. Agora há um tratamento muito cuidadoso de sua música, incluindo as técnicas de arranjo e composição. O que vocês aprenderam sobre as músicas de Bob?
ZIGGY: Cresci ouvindo música, então eu era um cara que eles precisavam. As equipes não sabem nada de música. Eu não estive lá para dizer que nunca quero aprender nada sobre música, o que esse filme fez comigo foi me fazer pensar em meu pai como… você sabe, era o sentimento emocional dele passando por algumas coisas no espírito do tempo. Como se eu nunca tivesse realmente explorado isso antes dessa experiência. Meu pai deve ter passado por algumas coisas que não podia ver do lado de fora, e realmente penso nele dessa maneira, como um ser humano, como era seu estado emocional, quase sendo morto e tendo que ir para o exílio, sendo diagnosticado com câncer. Então foi isso que esse filme fez por mim. Isso me fez pensar em assistir dessa forma. Tipo, “você deve ter passado por alguma coisa, sabe?”, então talvez coisas dentro dele que você conhece, então essa é a minha experiência nesse filme, não tanto sobre música, mas sim quanto ao estado emocional dele.
O quanto que o filme “Bob Marley: One Love” pode ser uma boa introdução a um Bob Marley para uma nova geração?
REINALDO: Acho que é um tremendo presente para as novas gerações. Falando de Malcolm X, quando assisto o Malcolm X de Spike Lee, penso em Denzel Washington…
KINGSLEY: Não em mim??
REINALDO: Sim, sim. Mas vamos lembrar mais do Kingsley quando pensarmos em Bob Marley e acho que é uma oportunidade incrível de trazer sua música e sua mensagem para o mundo. Mas acreditar nesse tipo, na performance de Kingsley, acreditando no que apresentamos. Acho que sim, é uma oportunidade incrível de apresentar a música para uma nova geração, com certeza.
Bob Marley veio ao Brasil, Ziggy, quando você tinha 10 ou 11 anos. Você se lembra do que seu pai dizia sobre o Brasil? E que lembranças você tem desse período?
ZIGGY: Não, não lembro de nada. Mas deixe-me contar o que sei. O que é certo é que meu pai é um grande fanático por futebol, certo? E foi ele quem me apresentou ao Pelé. Então o que ouvi dele sobre o Brasil foi Pelé. Pelé era o Brasil. Você sabe, antes de eu chegar ao Brasil, era apenas Pelé. Meu pai trouxe de volta com ele o amor pelo futebol do Pelé e pela música brasileira.
Uma das melhores coisas de “Bob Marley: One Love” é que ele não segue aquela narrativa tradicional de biografia musical. Por que vocês fazem a escolha de focar no momento específico de sua carreira?
REINALDO: Ao fazer um filme de duas ou três horas, você precisa escolher uma janela da vida de alguém. E é isso que estávamos tentando detalhar, porque neste período queríamos fazer um filme sobre a celebração da vida do homem. Quem era aquele homem? Quando as entrevistas são interrompidas, além do [que vemos no] YouTube, quem é essa pessoa? E então esta janela de tempo específica de 1976 a 1978… sabemos que a tentativa de assassinato de Bob, que mudaria qualquer pessoa, mudaria a vida de qualquer pessoa. E o que Bob fez? Ele dobrou a situação e criou o Exodus. Foi esse álbum em particular que o levou de estrela nacional a estrela global. É um momento criativo muito rico de criação musical, gênio musical, e acho que culminou a vida de Bob de várias maneiras e seu retorno ao momento histórico jamaicano de 1978. Não apenas para a Jamaica, mas para o mundo, um período de paz por um tempo, de modo que esse período específico pareceu tão rico para captar quem Bob era, o que ele era, o que ele estava pensando, o que estava passando durante as turbulências do lutas pessoais tão bem retratadas de maneira brilhante através da performance de Kingsley. Então, sim, é claro que há flashes de sua infância para ajudar a consolidar esses momentos para nós, mas aquele pareceu ser o período de tempo mais rico para capturarmos quem Bob era como homem, como marido, como pai e músico.
Quão importante é o filme para o progresso da música negra em escala global?
KINGSLEY: Não sei se isso é um campo onde me sinto confiante para ter uma resposta, sabe? Não sei. Acho que é mais uma coisa musical. Conheço a música de Bob. O impacto da música de Bob é algo que nunca senti antes. É que não acho que exista nada parecido. É muito único. Sinto como ele está tocando tantas pessoas de forma tão consistente. Tantos anos e continuaremos a saber - com este filme ou não - como é extraordinário. Pode ser que seja indescritível de certa forma. Então, sou como os níveis vibracionais quando eles nem necessariamente entendem todas as letras, o sentimento da música de Bob é tão poderoso. É meio que além de explicar.
ZIGGY: Música e a vida é a mensagem e acho que a mensagem que levamos é uma das maiores coisas que aprecio em coisas. Não é um projeto violento ou o projeto do nosso ego. Realmente há um propósito por trás disso. E não é como se estivéssemos dizendo “ei, vamos fazer um filme com um propósito”. Mas quando você está fazendo o Bob, isso acontece automaticamente. A mensagem é de que um único amor é a coisa mais importante de vocês podem espalhar ao mundo e este filme está fazendo isso de forma diferente. Mesmo dentro do marketing do filme, a filosofia de um amor que a consciência que estamos divulgando para o mundo é uma das coisas mais importantes que estão acontecendo no mundo hoje. Então esta é uma das mensagens de Bob Marley para o mundo.
Qual a memória central que você guarda da relação de pai e filho com Bob Marley e o que você passa dessa relação para seus filhos?
ZIGGY: Não acho que haja nenhuma memória central, mas sim todas as memórias, você não é uma memória. E, novamente, ainda vivo com meu pai. Meu pai é parte de mim, de meu DNA, é como estarmos conectados de uma forma que é inseparável. Não pode ser separado. Quer dizer… de um pai podemos fazer parte de uma coisa toda, tanto espiritual quanto fisicamente. Então sim, quero dizer… ensino meus filhos através da ação. Eles conhecem meu pai por eu conhecê-lo, não por eu contar a eles. Quero que eles vejam meu pai através de mim. É a única coisa que vem do mesmo. Mesmas raízes, mesma fundação. Sim, não é nada com que convivemos todos os dias, não é algo que tenhamos que voltar outra vez.
A violência e a política na Jamaica foram uma parte fundamental da vida de Bob Marley. Como fazer entender que essas questões foram importantes para entender melhor quem foi o Bob Marley?
REINALDO: Acho que chegamos em 1976 e, sei por mim mesmo, não foi um período que não era necessário para o mundo exterior. Portanto, era importante que, quando entrássemos no filme, pudéssemos identificar rapidamente que havia dois lados da guerra. E havia mais infecções acontecendo no centro disso. Bob estava sendo solicitado a fazer muitas coisas, mas ele apresentou um conceito livre para as pessoas com algo que ele queria fazer e que era importante para nós. A Jamaica era um lugar intenso naquela época, realmente muito intenso e foi importante para nós mostrar isso desde o início, para que eles entendessem o que estava em jogo e o que ele estava tentando fazer. Fazer um show gratuito para as pessoas tinha que significar alguma coisa e foi um momento significativo com certeza. Não apenas para a política jamaicana, mas para o resto do mundo. Portanto, foi um momento muito importante para realmente estabelecermos o que estava acontecendo na Jamaica e tentarmos fazer isso de forma rápida.
Quando você descobriu que iria interpretar Bob, qual foi a sua reação?
KINGSLEY: Então, quando descobri que iria interpretá-lo… juro por Deus que pensei que tinha muito trabalho a fazer. Entrei em um estado de espírito onde realmente não me lembro de tudo, mas certamente não houve sentimento de celebração. Senti que tinha uma grande responsabilidade de começar a trabalhar e eu estava trabalhando [em outro projeto] na época e comecei a me sentir muito ansioso para terminar o trabalho.
Antes de terminarmos você poderia deixar uma mensagem final para os fãs brasileiros?
REINALDO: Número um: espero que você goste do filme. Isso é o mais importante. Espero que vocês saiam do cinema e apoiem a música e mensagens do Bob, que são tão importantes. Espero que isso viaje para que repercutam em todo o mundo da mesma forma que a música dele. Obrigado por vir e apoiar o filme.
ZIGGY: Aqui está minha mensagem para o público. Depois de assistir ao filme, você sai pelo mundo até se conectar aos seus relacionamentos. Você está espalhando um amor. É um propósito. Você faz parte de tudo isso. Vá lá conscientemente e fique atento a essa filosofia do amor único que espalha por todo o Brasil. Você sabe… unificando o benefício de todos.
KINGSLEY: Simplesmente concordo com isso!
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