30 Novembro 2023 | Renata Vomero
"Pedágio" satiriza conservadorismo e ganha força na relação tridimensional dos protagonistas
Segundo longa de Carolina Markowicz estreia hoje nos cinemas após sucesso em grandes festivais
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Um dos filmes nacionais mais impactantes do ano, Pedágio (Paris Filmes), chega hoje (30) no circuito comercial, após uma belíssima carreira nos festivais internacionais e brasileiros por onde passou, incluindo o Festival do Rio, em que saiu como o maior vencedor desta última edição.
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Dirigido por Carolina Markowicz – segundo longa da diretora –, Pedágio aborda uma questão cara no Brasil, a homofobia. Na história, Suellen, vivida por Maeve Jinkings, é uma cobradora de pedágio que vê em seu ofício uma oportunidade ilegal para garantir o custeio da uma promessa de cura de gay para seu filho adolescente, Tiquinho, vivido por Kauan Alvarenga.
A história, que ressoa infelizmente na realidade brasileira, traça o tema por meio de uma sátira e ridicularização da homofobia, como uma forma de ressaltar que os ridículos são eles, os conservadores homofóbicos.
“Sempre me intrigou muito pessoas que tratam e se dirigem à comunidade LGBTQIAP+ com escárnio e um desrespeito absurdo, querendo ridicularizar a comunidade quando, na verdade, quem é ridículo são os próprios. A gente vê cenas que parecem ficção, na câmara dos deputados, pessoas com perucas, que falam sinônimos de órgãos genitais de um jeito infantil. Essas pessoas estão lá e são extremamente poderosos, têm votos e quórum gigantesco, sempre me intrigou muito por que essas pessoas não caem em descrédito. Soma-se a isso também a existência de algo que por si só parece absurdo que é a cura para algo que não é uma doença, portanto, não tem cura. São fatores e informações que sempre me deixaram muito incomodada, com uma vontade de discorrer um pouco sobre, de colocar essas pessoas nesse lugar do patético e do absurdo”, explicou Carolina Markowicz em entrevista ao Portal Exibidor.
Em paralelo a essa questão da cura gay, que tem papel importante no filme, está algo que carrega o público durante toda a experiência de Pedágio, a relação entre mãe e filho. Optando por não cair em algum estereótipo e caricatura, o filme retrata esse relacionamento de forma tridimensional, permeado por muito afeto e afinidade.
“A gente e tinha uma preocupação muito grande de não vilanizar essa mãe, a gente se aproxima muito mais do real, da humanidade dessas relações, como elas se dão na vida. De uma maneira geral, todas as relações de amor, sejam elas amorosas ou maternais, não são construídas nem de ódio absoluto, nem de amor absoluto. Elas são permeadas de muitas contradições, sentimentos opostos, muitas vezes caminhando juntos. A gente tinha muito essa preocupação, ainda que o recorte do filme se dê nesse momento de conflito”, contou Maeve Jinkings
Para isso, tanto Maeve, quanto Kauan se preocuparam em estreitar o relacionamento entre ambos nos bastidores do filme para que esse carinho transparecesse na tela grande, além de, claro, trabalharem nessas sutilezas em suas atuações.
O longa também retrata uma camada a mais na figura dessa mãe, mostrando o quanto sua homofobia é produto de nossa sociedade conservadora, que, além de incutir essa intolerância nos cidadãos, também responsabiliza a mãe por qualquer “desvio” de seus filhos, especialmente quando falamos em mães solos. E isso se faz claro no caso de Suellen.
“Me interessa muito no filme como, em nome do amor, da proteção, que acredito que preciso dar ao meu filho, em nome da correção e da formação moral, eu também sou capaz de praticar violências absurdas, no meio da minha correria e meu desespero como mãe, sabendo da pressão que age sobre mim, que sei que serei responsabilizada e culpabilizada, especialmente sendo uma mãe solo, de que maneira acabo praticando violências”, complementou a atriz.
Diante de tudo isso, conforme destacado no início desta matéria, Pedágio é uma produção que reverbera no Brasil, um país moralista e que expressa nessa retidão uma extrema hipocrisia.
Neste sentido, o filme chega com grande importância para fortalecer e contribuir para um debate sadio sobre as relações humanas, sobre afetos, sobre orientação sexual e também sobre identidade, no caso, retratada no personagem Tiquinho.
“O Brasil é um país super conservador independente do momento político, agora estamos em um menos conservador, mas viemos de uns anos em que isso foi estimulado”, disse a cineasta, que teve sua fala complementada por Maeve: “Nesse momento, a gente está sob um ataque brutal, dos direitos da comunidade, de tentativa de controle desses corpos, isso não é uma sensação, é um plano deliberado. Vemos pastores falando isso abertamente, que o plano é ser maioria absoluta política para que a minoria se sujeite a essa maioria conservadora. Então, não é a ideia de direito para todos e respeito a diversidade, mas sobre imposição de uma visão de mundo. E acho que falar sobre isso agora é fundamental”.
Pedágio foi produzido pela Biônica Filmes e O Som e a Fúria, coproduzido pela Globo Filmes e Paramount Pictures e tem distribuição Paris Filmes. Além de uma marcante passagem pela Mostra de Cinema de São Paulo e Festival do Rio, o filme vem também consolidando uma ótima carreira internacional, com exibições nos festivais de San Sebastián, Vancouver, Bordeaux e Toronto – no qual a diretora se tornou o primeiro nome latino-americano da história a receber o prestigiado Tribute Award, na categoria Emerging Talent, ao lado de nomes como Spike Lee, Pedro Almodóvar e Patricia Arquette. No Festival de Roma, Pedágio conquistou o prêmio de melhor filme.
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