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05 Outubro 2023 | Gabryella Garcia

Produções audiovisuais de True Crime possibilitam o aprofundamento em temas relevantes para a sociedade

Painel da Expocine discutiu os dilemas da produção de True Crime e também apontou caminhos para que as obras atendam o interesse público e provoquem reflexões e mudanças na sociedade

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(Foto: Mariana Pekin)

O gênero de True Crime está cada vez mais atual e relevante e, além de fazer muito sucesso na indústria audiovisual, os dilemas enfrentados durante esse processo de produção foram tema na Expocine 2023. O painel True Crime on Prime Time: Dilemas reuniu a produtora executiva da Boutique Filmes, Adriana Gaspar, o produtor audiovisual e roteirista Guilherme César, e a story producer, roteirista, diretora e jornalista investigativa Thais Nunes, para refletirem acerca desse processo de produção e sua relevância para a sociedade. A mediação do debate foi da pesquisadora e jornalista da Carta Capital, Ana Paula Sousa.

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Anteriormente, as histórias das narrativas policiais e de crimes sempre foram dominadas pela cobertura jornalística, mas a forma como o tema era tratado pela imprensa - muitas vezes de forma sensacionalista - acabava se tornando um problema. Hoje, novos produtos nos mais variados formatos começaram a se apropriar dessas narrativas para trazer reflexões para a sociedade que vão além da simples narrativa de um crime. Adriana Gaspar, entretanto, ponderou que as coberturas jornalísticas ainda são determinantes para a decisão de quais histórias serão contadas em outros formatos.

"Temos percebido o interesse dos grandes players em crimes notórios e que tiveram um grande alcance de público através da cobertura jornalística. Fora do Brasil existe uma abertura maior dos players em explorar crimes que não são famosos, mas possuem camadas interessantes e trazem para o debate público questões sociais relevantes. Esse gênero está se estabelecendo cada vez mais [no Brasil] e as plataformas estão em um momento de ganhar público e assinantes, então os crimes mais procurados são aqueles mais notórios porque isso de cara vai atrair o público e esse é o primeiro momento de fisgar a audiência. Apesar de o mercado estar nessa fase [de explorar True Crimes de destaque na mídia], existem histórias que não foram tão grandes, mas que podem provocar debates muito mais relevantes do que crimes sem tantas camadas de serem exploradas pela sociedade”, disse.

Guilherme César também destacou que, historicamente, crimes reais são um fenômeno popular há séculos e por isso hoje geram tanto interesse da audiência em seus novos formatos. "A indústria cultural está sempre se renovando para adquirir e adaptar novas narrativas", explicou sobre o sucesso do gênero no audiovisual. O roteirista também destacou a possibilidade que o audiovisual dá de contar essas histórias de uma forma mais aprofundada em relação àquilo que sempre foi feito nas grandes redações jornalísticas.

"É uma grande oportunidade artística porque nessas obras, por terem um formato mais longo do que reportagens, conseguimos explorar outras camadas que estão envolvidas em um crime. Também é importante ressaltar que todas as vezes que lidamos com histórias reais isso implica em um rigor ético enorme e, em histórias de violência, isso se eleva para uma potência ainda maior. Nesse sentido, são bem trabalhosos os processos e isso enriquece muito o trabalho. Me interessa muito aquilo que a gente pode promover de reflexões sobre a justiça e o comportamento humano e suas diversas complexidades. É um aprendizado moral e não moralista que essas obras promovem e, nesse sentido, elas podem trazer uma grande contribuição social", destacou.

Mas a diretora e jornalista investigativa Thais Nunes ponderou que, apesar de o mercado ser sedento por histórias de violência, não são todas elas que devem ser recontadas e esse processo também não pode ser feito "de qualquer maneira". Além disso, sobre histórias de crimes que aconteceram especificamente no Brasil, ela pontuou que também é necessário pensar no tipo de mensagem que será passado para a audiência internacional, pois apesar da questão geográfica, os temas acabam sendo universais e pessoas de qualquer parte do mundo podem se identificar com determinada história.

"O que me motivou a contar histórias de crimes no audiovisual foi a possibilidade de fazer isso de maneira mais aprofundada. As redações jornalísticas têm cada vez menos espaço para esse tipo de narrativa e quando conto uma história de violência estou menos preocupada em dar respostas fáceis e mais preocupada em provocar profundas reflexões. Temos que sair da dicotomia do bem e do mal e acho que fugir do sensacionalismo é fugir das narrativas simples, tendo clara uma resposta do porquê estamos contando determinada história. Respondendo essa pergunta, nós corremos menos riscos de reproduzir algum sensacionalismo", afirmou a jornalista.

Dilemas de uma produção audiovisual de True Crime

Adriana Gaspar destacou que os principais dilemas de uma produção de True Crime são de natureza jurídica. A produtora explicou que antes de assinar qualquer contrato e vender qualquer projeto, é necessário fazer uma avaliação sobre se determinada história realmente pode ser contada. Para responder essa pergunta, a primeira ponderação é se o processo jurídico da história está em segredo de Justiça ou se é público. Em caso de segredo de Justiça, há nuances do crime que não podem ser contadas em sua totalidade e isso acaba tendo influência no roteiro da obra, fazendo com que a estrutura da produção tenha uma perda considerável, caindo em um caminho sensacionalista ou então sem fundamentos.

"Isso é um risco inerente a esse tipo de produção audiovisual e tudo tem que ser feito com cautela e sem explorar a imagem das pessoas para além do crime. É fundamental ter a compreensão de onde está o limite do uso das imagens das pessoas envolvidas no crime e qual é o interesse do público nesse tipo de debate. As dúvidas jurídicas também permanecem até depois do lançamento e nossa questão central no True Crime são os limites jurídicos", completou.

Além de questões jurídicas, Thais Nunes também falou sobre a complexidade de contar esse tipo de história sem que as pessoas envolvidas nos crimes sejam revitimizadas. Ela destacou que a preocupação com as vítimas das histórias sempre deve ser uma preocupação dos criadores e a proximidade com essas pessoas deve ser construída para que sempre seja respondida as perguntas “por que essa história está sendo contada no formato audiovisual e qual é o valor dessa história para a sociedade?”.

"Cada linha do roteiro sempre é checada e temos que ter pelo menos duas fontes diferentes que confirmem determinada informação, além de um documento oficial. Não existe fazer True Crime sem uma grande base documental e as pessoas envolvidas no crime também não podem ser expostas a situações e questões vexatórias fora do processo judicial. Cada um desses detalhes importa e faz com que a narrativa fuja do sensacionalismo e vá para um lugar mais fiel aos fatos", explicou.

Por fim, o roteirista Guilherme César encerrou o painel afirmando que o interesse público é o grande norteador desse tipo de produção, mas que também é um dever dos profissionais do audiovisual recontarem determinadas histórias que tiveram impacto nacional e possam provocar mudanças sociais.

"Mesmo quando um crime já transitou em julgado na Justiça, algumas vezes ficam muitas pontas soltas. Se você procura as pessoas envolvidas no crime com um propósito claro e ético, geralmente há o desejo dessas pessoas envolvidas na história de esclarecerem a situação. Muitas pessoas tiveram suas vidas atravessadas por histórias de violência e carregam esse trauma, então a possibilidade de contar histórias com rigor ético e fundamento em pesquisas é benéfico. Esse rigor ético é inegociável e a forma de contar a história não pode ser condicionada ao desejo de uma parte. A liberdade de contar a história a partir da pesquisa é inegociável e o conteúdo é nosso [dos produtores]", encerrou.

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