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06 Setembro 2023 | Gabryella Garcia

Barbie deu um recado para a indústria, mas Hollywood precisa entender e se aproximar do público feminino

Público feminino mostrou que filmes direcionados para mulheres podem ser lucrativos e que existe uma demanda por filmes originais

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(Foto: Divulgação)

Barbie (Warner) se tornou o maior fenômeno cinematográfico do ano ao superar Super Mario Bros - O Filme (Universal) no último final de semana e se tornou a produção com maior arrecadação em 2023. Até o momento, o filme já faturou US$ 1,384 bilhão e também é a 15ª maior bilheteria de todos os tempos. Além disso, Greta Gerwig se tornou a primeira diretora mulher a superar a barreira de US$ 1 bilhão e Barbie também superou Harry Potter e as Relíquias da Morte Parte 2 para se tornar o lançamento global de maior bilheteria na história da Warner. Todos esses recordes foram quebrados em um filme que traz uma narrativa criada por mulheres e para mulheres, mas sem excluir homens que se identifiquem com a produção, afinal, até tenho amigos que são. Mas, diante de números tão positivos e de um sucesso que foi para além das telas de cinema, qual é o tipo de recado que Barbie dá para a indústria e para os estúdios de Hollywood? Um deles, sem dúvidas, é que mulheres vendem e filmes feitos por, e para mulheres, e eles também são bem-sucedidos.

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Bárbara Sturm, que é criadora e coordenadora do Selo ELAS, além de diretora de conteúdo da Elo Studios, destaca que apesar dos resultados positivos, é triste que ainda estejamos falando desse tipo de conquista e de um certo pioneirismo. "Eu quero viver mais isso e acho que é uma conquista muito pequena. 'Primeiro filme de uma mulher com uma grande bilheteria', 'segunda vez que Greta vai ser indicada ao Oscar de sete vezes que mulheres foram indicadas em 96 anos'. Acho muito pouco ainda", disse em entrevista exclusiva ao Portal Exibidor.

Mas, apesar de passos que podem ser considerados lentos nas conquistas, ela também destaca que Barbie não pode ser considerado um ponto fora da curva e, na verdade, estamos diante da consolidação de um processo de luta das mulheres dentro da indústria cinematográfica. "Acho que [esse sucesso] é uma consequência e também a continuidade de coisas que vem acontecendo. Capitã Marvel é dirigido por uma mulher, Mulher Maravilha 1 e 2 também são e coisas da Marvel e da Disney também começaram a ter mulheres na direção. Com certeza é uma continuidade mas também sobe a régua tanto em termos criativos, que é muito importante, quanto em termos financeiros. Estamos falando de um filme muito bom, como filme e também como narrativa. É um filme muito bom no que ele se propõe e como produto comercial de audiovisual também", disse.

Sturm ainda destacou que um dos impactos do sucesso de Barbie pode ser também uma maior liberdade criativa para mulheres dentro da indústria. "É sobre o poder de decisão, por que isso é dirigir, né? Eu sinto que esse filme é mais um passo nessa direção".

Entretanto, apesar de um claro recado dado por um filme considerado feminista para Hollywood, é necessário que a indústria também compreenda o sinal, afinal ainda existe uma mentalidade de que mulheres não são capazes de comandar grandes produções. A jornalista Ana Paula Barbosa, que produz conteúdo focado em cinema e cultura pop realizados por mulheres, afirmou ao Portal Exibidor que espera um olhar mais atento para as mulheres a partir de agora.

"Eu gostaria muito que Barbie fizesse os estúdios e também Hollywood entenderem que mulheres vendem. Filmes feitos por mulheres são bem-sucedidos e filmes feitos por mulheres e sobre mulheres podem dar muito certo. Eu gostaria muito que esse fosse o impacto na indústria, mas não acho que vai acontecer porque a Mattel já anunciou que vai fazer outros filmes de brinquedo. Eles veem um filme original, diferente, protagonizado por uma mulher e feito por uma mulher que tem total liberdade e eles interpretam decidindo fazer mais filmes de brinquedo e não mais filmes sobre mulheres e feito por mulheres, o que é uma pena. Eu realmente espero que a indústria enxergue com Barbie que mulheres vendem, que mulheres fazem bilheterias e que mulheres são um público que tem suas demandas e consomem cinema. As mulheres são um público para ser olhado e ele precisa ser atendido".

O fato de mulheres "fazerem bilheterias", inclusive, é conhecido e comprovado dentro da indústria, porém ignorado. Um estudo feito pela CAA (Creative Arts Agency) analisou 350 filmes produzidos entre 2014 e 2017 e, destes filmes, 105 tiveram uma mulher no papel principal. A CAA dividiu os 350 filmes em cinco diferentes categorias e os resultados surpreendem aqueles que consideram mulheres incapazes de protagonizarem grandes produções. As produções foram divididas em cinco categorias com base no orçamento e a conclusão foi que os filmes de melhor desempenho nas bilheterias em cada uma das categorias eram aqueles que tinham uma protagonista feminina. "Mostraram que o protagonismo feminino vende sim, então a verdade é que Hollywood não dá oportunidade para mulheres mostrarem que elas vendem e se nega a enxergar que mulher lucra e que filmes protagonizados por mulheres lucram. Eles simplesmente se negam a enxergar isso", destacou Barbosa.

Além de Barbie, os outros filmes de maior bilheteria do ano deixam outro recado para Hollywood, que vai além de feminismo ou qualquer valorização de mulheres dentro da indústria: a necessidade de produções originais. Estão ao lado de Barbie no ranking das maiores bilheterias do ano Mario e Oppenheimer (Universal).

"Barbie é uma história original e escrita por uma mulher que teve total liberdade criativa e isso é muito importante. Estamos sendo bombardeadas com filmes de heróis e está rolando uma precarização dos filmes. O público está um pouco esgotado desse tipo de filme e a gente está precisando de filmes originais. Se pegarmos as maiores bilheterias do ano, além de Barbie temos Super Mario e Oppenheimer, que são filmes diferentes e com histórias originais. Espero que a indústria enxergue que além de mulheres venderem, também estamos precisando de histórias originais", disse a jornalista.

Quando questionada sobre a mensagem resumida que Barbie deixa para Hollywood, Sturm foi categórica. "Acho que agora o mercado entendeu porque mulheres precisam dirigir filmes. Imagina se Barbie fosse dirigido por um homem?".

Distanciamento da indústria e do público feminino

Ninguém tem dúvidas de que Barbie deixa um recado muito claro de ser um filme para mulheres, meninas e simpatizantes do rosa que foi feito por mulheres. Em Hollywood ainda predomina uma mentalidade de que mulheres não conseguem vender porque desde pouco antes de 2010, na época em que começaram a surgir os filmes de grandes orçamentos, principalmente com Avatar (FOX) e Homem de Ferro (Paramount), criou-se uma mentalidade de que o cinema é para se assistir apenas blockbusters. Desde então, apenas grandes filmes começaram a fazer grandes bilheterias e comédias, comédias românticas e dramas, por exemplo, pararam de fazer bilheterias e ter muito espaço nos cinemas. Dentro dessa mentalidade predominante, mulheres não "teriam pulso" para comandar grandes produções.

"Se criou esse comportamento na sociedade que você vai ao cinema para ver blockbuster e, quando há um grande filme com um grande orçamento, os estúdios não dão esses filmes para mulheres. As mulheres não dirigem filmes de grande orçamento e existe uma mentalidade que a mulher não é capaz de fazer grande filme e não é capaz de administrar tanto dinheiro, até porque elas têm menos oportunidades e currículos que seus amigos homens. Estúdios cinematográficos e Hollywood não arriscam em mulheres e não acreditam na capacidade da mulher fazer um grande filme", explicou Barbosa.

Esse tipo de mentalidade fez com que as grandes produções não falassem de uma perspectiva feminina e tampouco de suas vivências e, por isso, acabou-se criando um distanciamento entre a indústria cinematográfica e o público feminino. Mulher-Maravilha (Warner) em 2017, Capitã Marvel (Disney) em 2019 e Mulher-Maravilha 1984 (Warner) em 2020 até foram produções dirigidas por mulheres e com protagonistas femininas, mas foram exceções no período.

"A indústria acha que mulher não vende, mas na verdade isso acontece porque não dão oportunidades para mulheres. Quem faz esses filmes com uma perspectiva feminina honesta e que se vale bem das nossas vivências são outras mulheres, então se criou esse distanciamento do público feminino", completou.

Além desse distanciamento causado pela falta de confiança da indústria em mulheres, a jornalista também destacou que a feminilidade sempre foi retratada de forma muito negativa no cinema, sobretudo nos anos 2000. "Se pegarmos as vilãs, protagonistas e até personagens secundárias eram todas femininas e retratadas de maneira negativa. Temos o exemplo Meninas Malvadas que mostra esse estigma da feminilidade dentro do cinema".

O fator financeiro, além da falta de representatividade e de uma representação negativa, também foi apontado por Sturm como algo que contribuiu para o distanciamento entre cinema e público feminino. Hoje, mais empoderadas e independentes, inclusive financeiramente, as mulheres conseguem buscar essa aproximação com as telonas.

"A aproximação que aconteceu com Barbie também tem a ver com o poder econômico. As mulheres foram conseguindo trabalhar e fazer o que elas já faziam antes, e ao mesmo tempo outras coisas. Também tem um movimento ligado a isso de ser independente de várias formas e essa independência foi possibilitando as mulheres construírem uma sororidade e pararem de competirem uma com as outras e saírem desse lugar que sempre lhes foi imposto. A aproximação entre o público e cinema tem a ver com essa independência, com sororidade e também com a mulher entender que ela é consumidora".

Todos esses fatores, aliados a uma necessidade que as mulheres sentiam em se verem representadas nas telonas, fizeram com que Barbie fosse o maior sucesso cinematográfico do ano. Barbie conseguiu usar a feminilidade de uma forma positiva e em um momento em que assuntos como independência feminina e empoderamento estão cada vez mais em pauta, o feminismo também foi trazido à tona e colocado dentro da indústria cinematográfica.

"Conversei com algumas mulheres muito conservadoras, mas que são empoderadas e não sabem que são feministas porque são preconceituosas, são pessoas conservadoras que viram com as filhas e amaram. Fizeram comentários que o começo do filme trazia o feminismo e depois ia para o equilíbrio, quanto na verdade o começo do filme não é sobre feminismo, ele traz o contrário do machismo [que é o femismo]. Então o filme consegue colocar mulheres conservadoras falando sobre feminismo e é por isso que acredito muito no poder do cinema. Você consegue refletir a sociedade em um passo além e na provocação, então é uma constatação que não tem mais volta. A gente vai ter que caminhar para o equilíbrio [de gênero] e o resultado do filme e o produto que foi feito dentro de uma instituição conservadora como é Hollywood mostram que a indústria vai ter que ceder mais espaço para mulheres em termos de decisão final e controle de narrativas", destacou a criadora do Selo ELAS.

Impacto de Barbie para mulheres que trabalham na indústria cinematográfica

Diante do sucesso inquestionável de Barbie e de recados muito claros que foram dados para Hollywood, Sturm pontuou que há a necessidade de crescimento de mulheres diretoras, roteiristas e produtoras dentro do mercado. Para ela, faltam mais mulheres em posições de liderança e o sucesso da produção cor-de-rosa pode ajudar nesse processo.

"Precisamos de mais mulheres chefes e líderes e acho que agora a gente vai começar a sair de uma cota para uma constatação. Temos muitas mulheres no audiovisual mas temos pouco poder nas mãos delas, então acho que vai dar mais essa constatação para as próprias mulheres saberem do valor do seu trabalho e quererem cada vez mais e até produzirem outras mulheres e se ajudarem dentro de um processo de sororidade. Vejo a gente caminhando muito para esse lugar de união e isso faz com que as oportunidades e os espaços cresçam".

Com o entendimento de que mulheres lucram e filmes feito por mulheres podem se tornar um grande sucesso, até pela necessidade de as mulheres se verem representadas nas telas, a tendência, destaca Barbosa, é que mais mulheres sejam chamadas para dirigirem filmes de grandes orçamentos, mas ela destaca que é importante que essa movimentação aconteça também em pequenos estúdios, mesmo com orçamentos mais reduzidos. As mulheres podem, e devem, ocupar todos os espaços.

"Barbie mostrou para todo mundo que as mulheres são um público poderoso e que a gente tem demanda e quer ver outras de nós nos representando. Com esse entendimento vamos ter uma grande mudança na indústria porque mulheres empregam outras mulheres e eu tenho certeza que Margot Robbie e Greta Gerwig fizeram questão de ter outras mulheres em todas as áreas do filme. Assim é possível trazer uma perspectiva e visão única da mulher. Acredito que com o entendimento de que filmes feitos por mulheres também lucram, a gente vai ter cada vez mais mulheres empregadas em todas as áreas do audiovisual porque é fato que mulheres puxam outras mulheres para cima. Imagino que esse possa ser um impacto muito positivo de Barbie dentro dos estúdios", finalizou a jornalista.

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