Exibidor

Publicidade

Notícias /mercado / Entrevista

10 Maio 2023 | Yuri Codogno

Com 80 minutos de tela, "O Homem Cordial" é a realidade em forma de ficção

Portal Exibidor entrevistou diretor e elenco do filme da O2 Play, que entra em cartaz amanhã

Compartilhe:

(Foto: Divulgação)

Ficção e realidade costumam andar bem separadas, com fácil distinção de qual é qual. Acontece que, simultaneamente, há uma linha tênue entre os dois formatos, com a ficção podendo retratar de maneira bastante fiel o que é a realidade. O Homem Cordial (O2 Play) é um desses casos: um filme de ficção, mas que nos apresenta o Brasil de agora. 

Publicidade fechar X

Programado para entrar em cartaz amanhã (11), O Homem Cordial segue a história de um cantor de uma banda de rock com músicas voltadas às pautas sociais e que se vê no meio de fatos potencialmente distorcidos, com sua imagem jogada para um linchamento público. O Portal Exibidor assistiu ao filme com antecedência e teve a oportunidade de conversar com o diretor e roteirista Iberê Carvalho e os atores Paulo Miklos e Thaíde, que estrelam o longa. 

O cinema nacional aos poucos vem retomando seu protagonismo e começa a trazer produções de gêneros mais diversificados. No caso de O Homem Cordial, temos um thriller, que se caracteriza pela descoberta da realidade e por ter o protagonista envolvido em um conflito pessoal que se resolve junto à resolução do conflito-matriz da trama. O protagonista costuma ser um policial ou alguém em um cargo semelhante, algo que Iberê Carvalho, para conseguir retratar um Brasil mais real, acabou subvertendo instintivamente. 

“Desde antes de escrever o roteiro, a gente já tinha estabelecido o desafio de fazer um thriller, com o objetivo de cumprir esses pré-requisitos do gênero. Mas também havia uma vontade muito grande de falar dessas questões sociais, de justiça social, privilégio e tudo isso. Só que como falo de questão social no Brasil sem tocar na questão racial? Então precisei encontrar um protagonista que fosse de um lugar que eu pudesse falar, para que não corresse o risco de tentar ocupar um lugar de fala e me colocar como um porta-voz de um grupo que não pertenço”, contou Iberê. 

Tanto Paulo Miklos e Thaíde, em suas carreiras musicais e através do jornalismo - esse último no caso do rapper que esteve à frente do programa A Liga por sete anos -, abordaram as questões sociais, levando a realidade até o público. Questionado sobre como é fazer isso, mas agora através da ficção, Thaíde frisou que, apesar de ser um filme, seus acontecimentos não são ficção. 

“Gostaria de dizer realmente que é só uma ficção, mas acho que a ficção está só na maneira de como o Iberê está contando essa história, porque o filme é muito real e muito atual, conta uma história que acontece todos os dias. Gostaria que tivesse acontecido há muito tempo, mas acontece agora, é um filme-verdade, as pessoas verão na tela coisas que já viram ou ouviram durante a semana nas suas casas”, ressaltou Thaíde.

Paulo aproveitou para reforçar o ponto de vista do colega, apontando que, apesar de O Homem Cordial ter sido filmado em 2018, o filme continua muito atual e traz discussões que estão em pauta, como fake news, racismo e a desigualdade social e todas as suas consequências. 

Iberê comentou também sobre a relação entre fake news, contando que no momento das filmagens elas não estavam tão em alta. Vale lembrarmos que foi durante as eleições presidenciais de 2018 que as notícias fabricadas ganharam força a ponto de potencialmente terem influenciado diretamente no resultado final. Então a mensagem do filme, apesar de se conectar com as fake news e sensacionalismo, foca bastante no linchamento que uma pessoa pode sofrer graças à pós-verdade, movimento, em resumo, caracterizado por acreditar naquilo que reforça seu ponto de vista.

“Não estávamos acostumados a falar das mentiras, mas mais de um ambiente onde importa as versões do fato do que o fato em si. Então é esse ambiente da pós-verdade, da internet, onde as pessoas não estão preocupadas com o que de fato aconteceu, estão preocupadas em emitir opinião e acreditar naquela versão que mais coincide com a sua própria ideologia”, contou o cineasta. 

Tanto ele quanto Thaíde fizeram a conexão do filme com o caso que aconteceu semana passada em Guarujá, quando um homem foi espancado e levado a óbito após ter sido acusado de estar roubando uma moto. No caso, o dono do veículo confirmou que havia apenas emprestado a moto à vítima, portanto nenhum crime estava acontecendo. As informações sobre esse caso foram retiradas de notícias publicadas no G1. 

“A questão do fato e do linchamento nos interessava muito [como mensagem do filme]. E o linchamento funciona com um grupo que ataca um único indivíduo, mas ninguém se sente responsável pela morte. No caso do rapaz do Guarujá, aposto que as pessoas presentes não se sentem responsáveis: ‘eu não matei ele, eu só dei um tapa; eu só empurrei; eu só falei 'pega ladrão’’. E é isso que acontece na internet também, ninguém se sente responsável por cancelar a imagem de uma pessoa. ‘Eu não, só compartilhei; eu só fiz um comentário; era só minha opinião’. Então ninguém se sente responsável, mas todos nós somos responsáveis”, disse Iberê fazendo uma analogia, sem entrar em detalhes para evitar spoilers, aos acontecimentos em certo momento de seu filme. 

No caso de O Homem Cordial, o filme busca passar essa mensagem de não encontrar um único culpado, mas colocar todo mundo como parte de um sistema que está falido. 

Para Paulo Miklos, o filme retrata de uma maneira muito sutil e leva o espectador para esse lugar de sensibilizar, de criticar e de perceber os fatos: “Aí [que entra] a ficção… como vou tratar dessa realidade tão dura, mas de uma maneira que vou seduzir o espectador e levar ele a tomar consciência e sentir na pele coisas que quero que ele se perceba… perceba o seu lugar, perceba o lugar dos personagens e refletir a respeito de personagens que ele conhece na vida real. E acho que a arte e o cinema são feitos para isso”.

Thaíde, ao abordar o tema, comentou de como a arte pode auxiliar nesse processo de conscientização. “Uma vez uma pessoa disse para mim ‘a gente não vai mudar a situação do nosso país com música ou com filmes’. De uma certa forma estava certa, porque se ficarmos só ouvindo as músicas, vamos pegar aquilo pra gente e as coisas vão continuar acontecendo. Filme é a mesma coisa. Porém filmes e músicas te ajudam a pensar. Se esse filme me fazer raciocinar um pouco mais, será que estou agindo corretamente? Quem sou nesse filme? E se você assistir com alguém e você não tiver essa percepção, a pessoa que está do seu lado vai dizer ‘é assim que nós somos, é assim que a gente age, a gente precisa mudar’. A arte em si pode ajudar a mudar um país… pode não mudar sozinha, mas vai ajudar as pessoas a terem mais consciência sobre seus atos”.

Fora de sua mensagem, um outro aspecto que chama atenção em O Homem Cordial é seu tempo de tela que é de aproximadamente 80 minutos, bastante curto em comparação com os longas que têm estreado com suas, pelo menos, duas horas de exibição. Apesar disso, Iberê reconhece que filmes menores podem ser importantes para os exibidores, mas que a duração nunca foi sua maior preocupação. 

“A gente nunca pensou em fazer um filme curto, mas também tínhamos consciência de que não era um filme longo. Quando a gente começou a montar o filme, percebeu que não poderia diminuir o ritmo para alcançar um tempo de tela maior. A gente tinha que pisar fundo para que essa tensão não se afrouxe e a montadora Nina Galanternick foi descobrindo onde é que estavam as gorduras pra gente tirar. Ela olhou o material que é o material, não o que tentei fazer e o que estava na minha cabeça”, explicou o diretor.  

E falando dos exibidores, o cinema nacional começa agora em 2023 a retomar um pouco de seus protagonismo através de novos fomentos, de mais força para a Ancine e da reestruturação do Ministério da Cultura. Com isso, aos poucos os filmes brasileiros terão cada vez mais tempo de tela, algo que, para Paulo Miklos, é fundamental para nosso crescimento econômico e cultural:  “Isso é uma ação patriótica. Porque a gente se ver na tela de cinema, a gente se identificar com o que vê é fantástico. O Homem Cordial tem São Paulo como um dos personagens do filme, uma longa noite que o protagonista atravessa a cidade. Então você vê personagens que são a nossa gente, você tem uma discussão profunda sobre a situação no país. E ver nossos cenários é isso que a gente tem que ver nas telonas também”.

“A arte e a cultura em si são ferramentas, na minha opinião, de transformação. Porque através delas você conhece os costumes de um povo, a maneira de como as pessoas gostam de agir e através da arte você consegue apresentar as suas dúvidas, incertezas, dores. Costumo dizer que existem as pessoas e existem os artistas: as pessoas lidam com suas próprias dores e os artistas com as dores do mundo inteiro”, completou Thaíde.

E nessa retomada do cinema, é preciso falar sobre o papel dos players independentes no mercado, como a O2 Play, responsável pela distribuição de O Homem Cordial e que está completando dez anos no mercado e usando o filme de Iberê como uma celebração do momento. A O2 Play assinou com a produção quando só havia o roteiro e inclusive chegou a discutir conceitos e linguagem do filme. Segundo o cineasta, a O2 Play também é autora do filme de certa forma. Aliás, Iberê revelou em primeira mão que seu próximo longa será uma produção oficial da O2 Filmes, que é o braço de produção de filmes da O2.

Por fim, os atores ressaltaram que O Homem Cordial é um filme para ser assistido nas telonas. “A experiência da sala escura, da tela grande, é uma coisa que não tem nada parecido com isso. Então você vê um filme como esse, impactante, tenso, que fica ligado o tempo inteiro, com um sonzão… é uma coisa que nada se compara”, disse Paulo. Thaíde completou: “Vocês tem que assistir O Homem Cordial para se autorreconhecerem ou reconhecerem pessoas que vocês já conhecem. E muita gente vai sair pensando ‘tenho que mudar minha atitude’ ou simplesmente ‘é assim que sou’. Mas tenho certeza que o filme vai mostrar para o espectador como ele realmente é”.

O Homem Cordial tem direção de Iberê Carvalho, que assina o roteiro ao lado de Pablo Stoll. A produção é da Quartinho Direções Artísticas, Pavirada Filmes, Acere e Momento Filmes. Além de Paulo Miklos e Thaíde, o elenco conta com Dandara de Morais, Thalles Cabral, Theo Werneck, Fernanda Rocha, Bruno Torres, Murilo Grossi, Mauro Shames, Felipe Kenji, Tamirys O’Hanna e André Deca. 

Paulo Miklos: “A gente está chegando velozes e furiosamente para todas as telas para brigar por nosso espaço”.

Thaíde: “E estamos pisando fundo no bagulho! E vá assistir na primeira semana de exibição”.

Paulo: “Porque é importante para mostrar a força e interesse que esse filme tem”.

Compartilhe:

  • 0 medalha