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21 Abril 2023 | Renata Vomero

"A telenovela continua sendo o produto audiovisual de maior alcance no país", diz Thelma Guedes

Escritora de grandes novelas, a profissional falou dos desafios da produção autoral e a importância das telenovelas para a identidade nacional

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(Foto: Cristina Granato)

Thelma Guedes é uma dos grandes nomes da dramaturgia e roteiro no Brasil. Autora da Rede Globo desde 1997, ela assinou uma série de bem-sucedidas e premiadas novelas da casa, tendo uma atuação próxima com diretores, produtores, executivos, e claro, o grande público, e bota grande nisso.

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Diante do desafio de equilibrar autoria e criatividade, com as demandas do mercado e da audiência  - neste caso posta realmente em números –, também entra na equação a possibilidade, por meio do produto audiovisual de maior alcance do nosso país, de conseguir trabalhar com a representatividade brasileira em tela, falar com esse público, formá-lo para o nosso audiovisual, conseguindo levar a ele esse apreço por se ver em tela, para valorização da produção local, que, com isso, também ganha força para ser exportada para outros mercados internacionais.

Pensando justamente em todos estes pontos, a escritora foi uma das convidadas para integrar a mesa “Valorização da Autoria – Como fortalecer a identidade do audiovisual brasileiro?” desta edição do Rio2C ao lado de Lucas Paraizo, roteirista de cinema e TV; João Falcão, premiado diretor, roteirista e músico; Jaqueline Souza, roteirista e consultora, e Mari Brasil, produtora executiva.

O Portal Exibidor aproveitou a ocasião para justamente falar com a autora – também contista e poeta – sobre todos esses desafios da produção autoral, sobre a sua importância na formação de nossa identidade na tela, além da força e impacto cultural que as novelas têm na opinião pública e no comportamento dos próprios brasileiros – afinal, o soft power pode começar de dentro para fora, não é mesmo?

Confira a entrevista na íntegra:

 

Quais são os desafios da produção autoral de audiovisual?

São inúmeros e dos mais variados tipos. O autor vive de desafios o tempo todo. Para começar, uma produção audiovisual envolve muito dinheiro e o trabalho de uma quantidade grande de profissionais. Há, portanto, uma expectativa geral de que haja resultados consistentes em relação à crítica e público. Precisamos estar muito conscientes de cada decisão, de cada escolha e aposta que fazemos. Nada pode ser leviano, aleatório ou inocente nesse processo. Além disso, como gestores de um time de escritores, somos responsáveis por um ambiente de trabalho harmonioso, seguro e produtivo. Mas, temos prazos apertados para cumprir mantendo a alta qualidade no que criamos. Precisamos ser firmes, mas sem perder o respeito e a gentileza com nossos parceiros. Sem falar na relação com o diretor, em que precisamos saber negociar nos momentos em que há divergências artísticas. Há também as demandas de produção, que podem exigir mudanças no texto, cortes de cenas, até de tramas e núcleos inteiros. É uma infinidade de coisas para pensarmos, lidarmos e agirmos. Mas, talvez, o maior desafio seja a tremenda responsabilidade social que nosso ofício nos impõe. Imagine o que significa colocarmos uma história no ar que será veiculada e vista por milhões de espectadores, como é o caso da telenovela. A gente precisa estar sempre muito atento em relação aos temas que vamos tratar e ao modo de abordá-los, sem perder o foco na boa história que queremos contar.

 

Qual o seu papel para reforçar a identidade do Brasil em tela?

Temos um papel muito importante na construção e reforço da identidade do nosso país. Quando uma história que criamos chega para o espectador, dentro ou fora do Brasil, sempre está comunicando uma realidade, a partir de um determinado ponto de vista. E isso é muito sério. Sempre tive consciência do risco que há de que a minha perspectiva como criadora possa ser parcial, limitada, empobrecedora ou, até mesmo, equivocada. Quando escrevemos, somos influenciados pela realidade, mas também a influenciamos com a nossa visão de mundo. Em tudo que escrevo essa preocupação está em primeiro lugar. Quem acompanha meu trabalho sabe que sempre tentei colocar na tela temas, personagens, tramas que dialogam com o nosso imaginário, com a nossa História, nossas histórias, nossas vozes, nossa cultura. Mas para evitar o reforço de estereótipos, sei que é preciso ampliar o olhar da perspectiva única. Para isso, é importante muita pesquisa e consultas às referências. Só que isso não basta. É essencial que, na frente e por trás das telas, existam de fato vozes portadoras de perspectivas diversas. É aí que o meu papel vai também nesse sentido: torcer, fomentar e festejar a inclusão, com a chegada de novos autores com vivências, pensamentos e pontos de vista criativos distintos.

 

Qual a importância dos players e formadores de políticas públicas pensarem nisso para levar a imagem do Brasil de forma mais diversa e representativa do país para as telas do Brasil e do mundo?

A importância é máxima. E há uma urgência nisso. O Brasil é muito grande, rico e diverso histórica e culturalmente, para que nossas narrativas sejam limitadas a uma região, a um pensamento, à repetição de uma mesma visão de mundo. Somos um país cheio de histórias novas para serem contadas, repleto de contadores talentosos, criativos, vindo de todos os cantos. E acredito que haja uma infinidade de espectadores, mundo afora, sedentos por descobrir esse “novo mundo” narrativo, desconhecido ou tão pouco explorado, escondido nesse Brasilzão. 

 

Você tem uma trajetória muito forte nas produções para a televisão aberta, nesse sentido, como enxerga essa janela no papel estratégico de construção dessa identidade e criação de público para as nossas produções?

A encomenda para o autor de telenovelas sempre foi algo tão difícil como decifrar o enigma da esfinge. Devemos criar narrativas que interessem, agradem e fidelizem o maior número de pessoas, das mais diversas classes, crenças, regiões, gostos, opiniões, valores, ideologias. Ao mesmo tempo, temos que obedecer às regras do gênero e as do horário de exibição. Quase uma missão impossível. Principalmente nos tempos atuais, depois da mudança drástica que a chegada dos streamings inaugurou no modo de o espectador acessar a obra audiovisual de sua preferência, com total liberdade de horários e com um cardápio abundante e muito variado. Mas, a gente fica impressionado quando constata que, apesar de tudo isso, a telenovela brasileira ainda está aí, mais viva do que nunca e continua sendo o produto audiovisual de maior penetração e alcance no nosso país. Sem falar que está chegando também nas plataformas de streaming,  mesmo com um número menor de capítulos. Tem algo nesse tipo de produção que nos reúne, nos concilia e nos interessa coletivamente. Talvez porque ela fale de nós e para nós, nos coloque em cena. A telenovela brasileira já é uma tradição nossa, com a qual estamos completamente familiarizados. E mesmo que o espectador, hoje, assista a menos TV aberta do que anos atrás, ela ainda é uma janela muito larga. Mas, como toda janela, por ela sempre há uma troca, um entra e sai, uma construção conjunta de identidade. E acho que o público para as nossas produções já está aí, é só acessá-lo, conquistá-lo, respeitando e ouvindo o que ele quer, e até tentando descobrir o que ele quer assistir e ainda nem sabe. Mas sem nunca o subestimar, achando que quem está ensinando alguma coisa para ele somos nós, os criadores desse conteúdo. Nós precisamos aprender sempre com o público e saber ouvi-lo é a resposta.

 

Qual a importância do público brasileiro se enxergar na tela e como trabalha para isso?

Não é só importante, como fundamental, que na produção audiovisual brasileira estejam representados nossos problemas, nossos sonhos e, obviamente, o nosso povo em toda a sua diversidade. Esse sempre foi meu objetivo, desde a primeira novela original, a Cama de Gato, que criei e escrevi com a Duca Rachid. Pra mim, isso sempre foi algo natural. Talvez porque eu tenha vivido até a juventude na periferia do Rio de Janeiro, numa família pobre, que veio do sertão nordestino para fazer a vida no Rio de Janeiro. A minha casa na infância era muito parecida com a casa do Tufão da novela Avenida Brasil. Uma confusão danada, cheia de gente falando e rindo alto. O que eu acho difícil mesmo é representar os “ricos”, os “aristocratas”, os “bem-nascidos”, aliás personagens que desempenham um papel importantíssimo na equação do folhetim. É importante frisar que cada vez mais precisamos ampliar, horizontalizar a visão e compreensão sobre quem somos de verdade para essa representação na tela não ser “fake”.

 

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