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29 Março 2023 | Yuri Codogno

"Noites Alienígenas" emociona, impacta e "é um filme que leva as pessoas para um lugar"

Filme acreano vencedor do Festival de Gramado estreia nas telonas amanhã (30)

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(Foto: Divulgação)

Há décadas que o Brasil produz filmes de altíssima qualidade que marcam épocas e gerações e, mesmo com orçamento bem mais limitado do que blockbusters, muitas vezes não deixam a desejar em nada. Sei que, ao ler isso, você lembrou de diversas produções, mas o foco de hoje é um longa que estreia no circuito comercial amanhã (30) e que tem grande potencial para alcançar o patamar citado: Noites Alienígenas (Vitrine Filmes)

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O filme, que é uma produção do Acre, foi o maior vencedor da 50ª edição do Festival de Gramado, no ano passado, levando os títulos de melhor filme, prêmio do júri, melhor ator, melhor ator coadjuvante e melhor atriz coadjuvante, além de menção honrosa ao ator Adanilo. Na trama, Noites Alienígenas apresenta uma Amazônia urbana, onde as vidas de três jovens amigos de infância se entrelaçam na periferia de Rio Branco e encontram-se em uma tragédia comum: a chegada do crime organizado oriundo do sudeste do Brasil.

Karla Martins, produtora do longa, ressalta a altíssima qualidade do filme, mas acredita que boa parte do sucesso veio de uma curiosidade em assistir uma produção de um local que boa parte da população não está habituada a ver. “Primeira coisa foi o inusitado de vir de um lugar que se conhece pouco do que se produz. Me lembro muito de uma coisa que me chamava a atenção nos debates, eram as pessoas dizendo ‘meu deus, não sabia que tinha cinema nesse lugar’. Não estou desqualificando o filme de forma nenhuma, acho que ele é um impacto, porque ele fala de agora, do que é real, que mexe com todos nós, que é pensar caminhos para a juventude”, disse a produtora. 

Sérgio de Carvalho, diretor e roteirista do longa, além de concordar com Karla, acrescenta que o sucesso do filme também se dá por falar de temas universais e por apresentar uma outra visão da Amazônia: “Acho que os temas que são tocados no filme, apesar de uma roupagem muito própria da região, são universais e com isso acaba conseguindo dialogar com qualquer público. Um outro ponto também é que a gente apresenta uma outra Amazônia, que vai muito além dessa Amazônia estereotipada e sempre do ponto de vista do exótica que estamos acostumados a ver essa reprodução imagética. A gente traz a Amazônia urbana, a gente fala muito da floresta sem necessariamente mostrar a floresta. A gente mostra essa juventude pulsante, que tá aí com hip hop, com manifestações do hip hop, que é uma manifestação cultural dos grandes centros”. 

Não é muito raro assistirmos a filmes, nacionais e gringos, que se passam na Amazônia e/ou no Norte do Brasil. Uma franquia americana, por exemplo, é Anaconda e até mesmo o MCU, que quase começou sua jornada na região, com os acontecimentos dos primeiros minutos de O Incrível Hulk sendo filmados e ambientados na capital Manaus (AM). Mas Sérgio te desafia a lembrar o nome de uma produção original da região Norte que ganhou destaque nas telonas: “Deixo aqui o desafio de quantos filmes do Norte os exibidores já conseguiram exibir. Talvez os do Sérgio Andrade, um ou outro, mas são pouquíssimos. Então acho que o que está acontecendo com Noites Alienígenas, levando o filme para todos territórios do Brasil, é histórico”. 

Sem deixar de lembrar de outras importantes produções idealizadas por produtoras de outros estados, vale ressaltar que o cinema nacional sempre foi bastante pautado pelo eixo Rio-São Paulo, algo que aos poucos vai sendo descentralizado. Ano passado, por exemplo, Noites Alienígenas e Marte Um, de Minas Gerais, foram dois dos maiores destaques. 

Para Karla, filmes que surpreendem pela localidade “demonstram como isso nos faz deparar com a falência de como enxergamos nosso país”: “a gente não enxerga nosso país, então me faz pensar ‘o Brasil não conhece o Brasil, não sabe o que é Brasil e não se imagina'. Noites Alienígenas mostra uma outra coisa: durante muito tempo o cinema foi uma área artística hermética de um processo intelectual muito complexo, feito por pessoas que tinham muito recurso. E isso, de certa maneira, é quase como se apagasse ou impedisse que emergisse do resto do Brasil uma potência que vem da ausência de recurso e de investimento, de olhar para esse lugar com essa força. Noites significa a necessidade do Brasil olhar para si, do Brasil entender a força que é”.

Em relação ao público, para Sérgio a expectativa está bastante alta, especialmente pelo filme já estar em cartaz no Rio Branco e, com isso, algumas respostas foram obtidas pelo cineasta. “Recebi uma mensagem ontem sobre a galera se ver na tela: ‘finalmente estou vendo Rio Branco na tela grande’. Então isso é muito bonito. O retorno do público acreano está sendo o melhor possível, tá sempre com muita gente nas salas. Então espero que isso se reproduza no meio do Brasil”, contou Sérgio.

O cineasta também revelou que tiveram shoppings locais com 60 pessoas por sala assistindo ao filme. Em comparação, o lançamento que teve melhor média ano passado foi Doutor Estranho 2, com 46 pessoas por sala, o que ajuda a enaltecer o início da campanha do filme acreano. E as médias de Noites Alienígenas em Rio Branco poderiam ser até melhores, mas a região está passando por uma catástrofe climática há quase uma semana, com o rio Acre alagando as ruas e subindo a ponto de quase alcançar sua maior cheia. E mesmo em meio a esse caos, as pessoas foram prestigiar o filme de Sérgio nas telonas. 

Noites Alienígenas vai estrear no restante do Brasil em cerca de 40 a 50 salas, números bons para conseguir manter a média de ocupação lá no alto. Entretanto, caso o desempenho seja bom, a tendência é de que entre em cartaz em mais cinemas. Deste modo, o filme também poderá obter números de bilheterias expressivos. 

Sérgio destacou que o Noites Alienígenas já está fazendo história, mas que torce para que chegue ainda mais longe: “Espero que a gente faça também um marco de número expressivo de público, porque isso pode contribuir muito do ponto de vista de mercado, de mostrar que um filme feito no Norte pode ter retorno, pode atingir as pessoas. Penso que vai ser de primeira importância, inclusive para as demais produções que vão ser realizadas aqui”. Sua fala foi completada por Karla, que disse esperar que o filme alcance um número, se não grandioso, mas pelo menos que represente suas origens. 

A produtora ainda reforçou a importância de filmes independentes nacionais estrearem em um circuito comercial maior, comparando a atual situação do audiovisual brasileiro com uma cadeira desconfortável: “Também fazer o Brasil dar uma remexida, porque parece que a gente está sentado em uma cadeira desconfortável, que precisamos nos ajustar o tempo todo. Fico imaginando como seria potente um filme como Noites passando em todos os cinemas do Brasil. Então isso nos faz pensar como a gente pode encontrar um formato em que o Brasil olhe para o Brasil, que o Brasil possa acessar o Brasil”.

Karla ressaltou também que escutou muito “como vocês fizeram esse filme com esse tantinho de dinheiro? Não é possível”. Para ela, é possível pelo desejo de fazer e da necessidade de mostrar algo, se agarrando com o pouco que tem e com isso fazer muito. Segundo a produtora, talvez uma pessoa que já tem um grande nome não vai conseguir fazer isso, porque está atrelada ao valor, a nomes, processos, profissionais e a um tipo de entrega que ela não está obrigada a ter. 

Para finalizar, Sérgio frisou como Noites Alienígenas é um filme feito para ser visto no cinema, visto que o impacto visual e do nas telonas está muito bonito. E ainda reforçou como o cinema é um templo e que, sem muitas distrações, é possível se entregar para aquela história: “Acho que Noites é um filme que merece ser visto dentro do cinema”. 

Já Karla, por sua vez, reservou uma mensagem para os exibidores do Brasil: “É um filme que é atual e que mobiliza as pessoas. Com Noites Alienígenas, as pessoas se emocionam e nas diversas camadas, pela pessoa mais jovem que se identifica, e até a mais velha. O Sérgio fala da universalidade do filme e digo que é [o longa] das humanidades. Nós estamos no tempo em que as pessoas escutam sobre isso e elas se emocionam. Elas vão aos cinemas em busca de se emocionar e em busca de várias outras coisas e sentimentos. E as pessoas vão sentir, porque ninguém quer sair a troco de nada. E Noites é um filme que diverte; não é uma tragédia, ele tem momentos que é leve, mas que trata de maneira menos pesada um tema que é duro. Mas é um filme que leva as pessoas para um lugar”.

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