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21 Março 2023 | Renata Vomero

Anita Rocha da Silveira abraça o cinema de gênero para retratar dilemas da sociedade atual

Cineasta está em cartaz com "Medusa", que teve carreira bem-sucedida nos festivais internacionais

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(Foto: João Atala)

Anita Rocha da Silveira acaba de lançar seu segundo longa-metragem, Medusa (Vitrine). Premiado no Brasil e exterior, o filme retrata um grupo de jovens conversadoras que usam de seus valores religiosos para controlar o próprio comportamento e de outras mulheres ao redor. Isso tudo já seria assustador por si só, mas a narrativa sobe o tom porque o grupo de jovens corre a madrugada em gangues punindo aquelas que andam foram destas regras morais. Pode até parecer falso, mas por trás dessa ficção assustadora está a inspiração em notícias reais do Brasil atual.

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“Em 2015, me deparei com uma série de notícias de jornais sobre ataques violentos a garotas adolescentes, realizados por outras jovens mulheres. Elas atacavam em grupo, na maior parte dos casos por considerarem a vítima ‘promíscua’. Às vezes, o cabelo era cortado e cortes feitos na face, pois era essencial deixar essa mulher ‘feia’. Os motivos declarados para tamanha violência variavam entre a vítima ser considerada ‘bonita demais’, ter ‘dado em cima’ do namorado de uma das agressoras, ‘se exibir’ com roupas provocativas, ter likes de muitos rapazes em fotos no Instagram e ser tida como ‘fácil’ e ‘piranha’ – tudo isso em um mundo onde as redes sociais se tornaram a principal ferramenta de vigilância”, disse Anita em entrevista ao Portal Exibidor.

E foi assim também que surgiu o clique que inspiraria o nome do filme, que remete ao mito de Medusa.  Na história, a personagem é castigada por Atena, incomodada com a relação dela com Poseidon, que substitui o cabelo da jovem por serpentes capazes de transformar em pedra quem olhar para Medusa.

“Medusa foi punida por sua sexualidade, por desejar, por não ser ‘pura’. A violência entre mulheres – muitas vezes usada como forma de controle – é reiterada constantemente em nossa sociedade e permanece ainda um assunto pouco debatido, pois nos desafia a pensar como a engrenagem do machismo atua também em nós. A partir daí, desenvolvi a protagonista, Mariana, uma jovem mulher que é cúmplice dessa violência, mas também vítima. E alguém que ao longo do filme precisará se reinventar para enfim tentar alcançar a liberdade”, explicou. E não à toa o filme fala tanto com a nossa realidade e do avanço do fascismo no país, que vem na esteira justamente do fortalecimento dessas pautas morais.

Pensando em tudo isso, o trabalho de Anita consegue juntar cinema de gênero com temas relevantes e pertinentes em nossa sociedade. O que aconteceu, inclusive, em seu primeiro longa Mate-me Por Favor, de 2015, responsável por apresentar a cineasta ao grande público.

No entanto, não é de hoje que nasce nela esse apelo por cinema de gênero, envolvendo terror, suspense e fantasia, este é um interesse que nutre desde a infância. Para Medusa, os filmes que serviram como base ou referências foram Suspiria, de Dario Argento; Cidade dos Sonhos e a série Twin Peaks, de David Lynch, além do mais recente Corra!, de Jordan Peele.

“Nos últimos anos acompanhamos esse crescimento dos que alguns vêm chamando de “horror social” e para mim nada mais pertinente do que transformar os horrores que presenciamos em nosso país e em nosso dia a dia em filmes de terror. Em Mate-Me Por Favor, algumas das inspirações vieram dos medos, desafios e pulsões de ser uma adolescente em um corpo feminino. Já em Medusa, a parte com inspirações mais realistas é para mim aquela mais aterrorizante, e um dos pontos de partida foi o exercício de pesquisar e entender o outro: quem é a jovem brasileira de extrema direita, que já nasceu em um ambiente ultra conservador? O que a move, quais são os seus medos? Mas acima de tudo Medusa foi para mim uma espécie de catarse, um modo de lidar com uma série de notícias cada vez piores e com o avanço da extrema direita. Por isso foi de extrema importância dar uma forma ficcional a todas essas inspirações reais, com espaço para o horror, o fantástico e o humor”, comentou.

Com Medusa, filme premiado nos mais diversos e relevantes festivais nacionais e internacionais, Anita também vem se tornando um nome que chama atenção dos analistas e críticos da indústria como um todo, o que a motiva para continuar criando, aberta às suas mais variadas inquietações, mas sempre tentando unir todas essas características em seu trabalho.

“Em Medusa, eu queria muito falar do Brasil contemporâneo, da ascensão da extrema direita e do machismo estrutural. Porém, agora estou desenvolvendo um projeto fantástico e musical, inspirado em uma experiência que eu vivi. Talvez essa união seja pelo interesse em transportar seja o que for para um universo alternativo, com espaço para a fantasia, o horror, o humor e muitas músicas”, concluiu.

Além do filme citado acima, Anita também está envolvida em outro longa clássico de terror, além de estar em processo de apresentar para players interessados uma série de horros adolescente.

Medusa é seu segundo longa-metragem e estreou na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes. Depois, participou de festivais tais como TIFF, Sitges Film Festival (Melhor Direção), Tromsø Int. Film Festival (Melhor Filme), IndieLisboa (Prêmio Especial do Júri), Festival do Rio (Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Atriz Coadjuvante), Raindance Film Festival (Melhor Filme Internacional), Palm Springs Int. Film Festival (Menção Honrosa), Viennale, Jeonju Int. Film Festival e IFFR. O longa já teve lançamento comercial em países como Estados Unidos, França e Alemanha. Com produção da Bananeira Filmes, de Vania Catani, e da MyMama Entertainment, de Mayra Faour Auad, o filme é uma distribuição da Vitrine Filmes, por meio do projeto Sessão Vitrine, contemplado pelo PROAC 34/2022, programa de fomento do Governo do Estado de São Paulo e Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo.

Além de Mari Oliveira, que vive a protagonista, o filme tem elenco formado por Lara Tremouroux, Felipe Frazão, João Oliveira, Thiago Fragoso e Joana Medeiros, entre outros.

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