10 Março 2023 | Yuri Codogno
Especialistas do mercado de cinema nacional comentam suas expectativas para o Oscar 2023
Não é unanimidade, mas "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo" desponta como favorito
Compartilhe:
No próximo domingo (12), a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas irá realizar a 95ª cerimônia do Oscar e premiar os melhores filmes lançados nos cinemas estadunidenses em 2022. Depois de dois anos com a pandemia do Covid-19 a todo vapor, prejudicando a indústria cinematográfica em escala global, a tendência é de que a edição de 2023 ajude o setor a recuperar sua força.
Publicidade fechar X
Entre algumas surpresas e filmes já esperados - lembrando que a lista completa de indicados você pode conferir aqui -, o mercado acaba por ser um dos principais assuntos na atual edição do Oscar, já que acontece em um forte período de transição da indústria, com as salas de cinema recuperando a presença massiva do público. Pensando nisso, o Portal Exibidor conversou com especialistas do setor para que, segundo as experiências e opiniões deles, contem suas expectativas para a premiação.
Os entrevistados da reportagem foram: Barbara Sturm, diretora de conteúdo & vendas do Elo Studios e responsável pelo Selo Elas; Pedro Fraga Villaça, diretor de cena no Café Royal; Rachel Ripani, responsável pelo desenvolvimento de propriedades intelectuais na Moonshot Pictures; Tiago Mello, produtor executivo e sócio da Boutique Filmes; Felipe Novaes, produtor executivo da Brigitte Filmes e diretor; e Caio Amantini, Integrante do duo Los Pibes e diretor de cena na Café Royal.
1) Depois de duas edições do Oscar um pouco mais contidas, com menos filmes estreando graças ao menor número de produções, a cerimônia de 2023 promete movimentar mais o setor. Quais filmes você aponta como favoritos? E, na sua opinião, quais ficaram de fora das principais categorias e que deveriam ter sido mais lembrados pela Academia?
BARBARA STURM: Com certeza o favorito é o filme Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, por sua originalidade e criatividade em um mar de indicações mornas e de narrativas similares. Definitivamente falta diversidade de cores e idiomas no audiovisual dos filmes indicados e de pessoas que não sejam homens brancos na maioria das indicações técnicas. Não entendo como A Mulher Rei foi ignorado pela Academia, com uma das melhores direções e atuações do ano.
PEDRO FRAGA VILLAÇA: Acredito que o grande favorito é o Os Fabelmans, do Spielberg, que deve levar as estatuetas de diretor e melhor filme. Acho merecido, é um grande filme e uma grande homenagem ao cinema! Acho que o Oscar não vai resistir a uma homenagem a Hollywood tão bem feita e ainda mais por um dos diretores mais queridos da Academia. Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, apesar de não ser o favorito na minha opinião, pode comer pelas beiradas, mostrando a força cada vez maior dos filmes independentes nas grandes premiações. Dois filmes que gostei muito e que ficaram fora das indicações: O Menu, com Ralph Fiennes, e O Homem do Norte, de Robert Eggers.
TIAGO MELLO: Eu apostaria em Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo. É um filme inventivo, um espetáculo de ritmo e entretenimento. Mas adoro vários filmes. Me emocionei muito com Nada de Novo no Front e Os Fabelmans.
RACHEL RIPANI: Para mim, Tudo Em Todo o Lugar Ao Mesmo Tempo é o franco favorito. Senti falta da diretora de Entre Mulheres, Sarah Polley, ter sido indicada ao Oscar de melhor diretora (não há mulheres indicadas nesse ano), e também senti falta das atrizes do filme não terem tido nenhuma indicação - e estamos falando de Claire Foy, Francis McDormand e Jessie Buckley -, além do filme A Mulher Rei também ter recebido poucas indicações, especificamente uma para Viola Davis. Mia Goth também devia ganhar uma indicação como melhor atriz. Outra falta imperdoável é o Pinóquio, de Guillermo del Toro, como melhor roteiro. Já o Os Banshees de Inisherin achei incensado demais sem grandes motivos.
FELIPE NOVAES: Depois das últimas edições, enxergo um movimento da Academia de tentar reconquistar tanto o grande público quanto de se aproximar de públicos mais segmentados, como o que busca conteúdos cult, por exemplo. Não à toa, o filme que ilustra essa intersecção e que enxergo como grande favorito do ano é Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo - que, além de tudo, é produzido pela A24, produtora que representa essa tendência de mercado. Também tenho a expectativa de que Jamie Lee Curtis receba o Oscar de Melhor Atriz [Coadjuvante], menos por essa atuação específica e mais pelo conjunto de sua carreira. Ainda lamento que, apesar das sinalizações tímidas dos últimos anos, haja uma presença muito insignificante de produções latinas e sul-americanas entre as principais categorias.
CAIO AMANTINI: Dos filmes que assisti entre os que estão indicados, Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo sem sombra de dúvida é o meu favorito (e acho que o da maioria também). É um filme super revigorante que me impactou muito, primeiro pela maneira como eles conseguiram juntar tantos gêneros em um filme só, chegando até a surfar na onda dos blockbusters de super-heróis. E segundo, por trazer o que os Daniels (dupla de diretores e roteiristas Daniel Kwan e Daniel Scheinert) fazem de melhor: criar comédias excêntricas, cheias de surrealismo e nonsense para contar uma história com um subtexto denso e muito emotivo. Para melhor filme estrangeiro, acho que ninguém tira o prêmio de Nada De Novo No Front. É um filme que te emerge de uma maneira muito intensa nas emoções do protagonista e mostra com muita visceralidade o que é estar no front de uma guerra. O filme traz uma realidade muito dura, porém real de que guerra não tem final feliz pra ninguém, acho que é uma obra que conseguiu cumprir tudo o que 1917 tentou fazer, porém acabou se perdendo ao se prender muito no plano sequência.
2) Levando em consideração a retomada da indústria cinematográfica, que vem trazendo mais lançamentos e atraindo cada vez mais o público aos cinemas, o que os indicados para o Oscar 2023 representam para o atual momento da indústria cinematográfica?
PEDRO FRAGA VILLAÇA: Na minha opinião, é um Oscar sem nenhuma grande surpresa. O filme indicado que traz algo diferente é Tudo Em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo. Um filme independente e com uma linguagem muito peculiar, marca registrada dos diretores Daniels, mas no geral os outros filmes tem uma “cara de Oscar”. Após dois anos, a Academia está tentando voltar a ser o que era antes da pandemia, mas está sofrendo, assim como o cinema Hollywoodiano que passa por um momento de transição. Os filmes de super-heróis começaram a perder público e as salas de cinema, cada vez mais vazias, são substituídas por TVs e celulares nos serviços de streaming. Acho que a premiação quer mostrar o valor de você ir a sala de cinema, por essa razão indicaram dois filmes que “salvaram” a bilheteria de Hollywood esse ano: Avatar: O Caminho da Água e Top Gun: Maverick. E, certamente, não vão deixar o filme de Steven Spielberg, que faz menção a importância da grande tela, passar despercebido.
BARBARA STURM: Vejo o Oscar em um momento confuso da premiação esse ano, sinto que estão a algum tempo tentando abrir o olhar dos indicados para não terem apenas filmes de Hollywood e com lançamentos massivos mundiais, mas também filmes com grande público de outras nacionalidades e narrativas. Mas ainda não encontraram como fazer isso de forma realista.
FELIPE NOVAES: Os indicados representam tanto a consolidação de uma indústria audiovisual multiplataforma (algo que começou com a indicação de Roma, em 2019, mas que a pandemia acelerou), quanto o retorno dos filmes de grande bilheteria, como Avatar: O Caminho da Água, que estimulam a reaproximação do público com as salas de exibição. Enxergo uma tentativa saudável de acomodar todas as janelas de forma harmoniosa, o que o público está assimilando de forma muito natural.
CAIO AMANTINI: Acho que o principal indicador com base nos candidatos a prêmio deste ano (e dos anos anteriores) é uma maior aceitação da Academia e do público mainstream em filmes autorais, deixando os blockbusters para prêmios mais técnicos e realmente contemplando obras que tragam novas linguagens e marcas autorais.
RACHEL RIPANI: Achei interessante a mistura de filmes que consideramos “pequenos”, como o Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo e Entre Mulheres estarem recebendo toda essa atenção, ao mesmo tempo em que os blockbusters como Top Gun: Maverick e Avatar 2 também estarem sendo valorizados e considerados (e não apenas em categorias técnicas), o que é um avanço.
TIAGO MELLO: Este ano as salas de cinema voltam a ficar muito fortes no mundo com a diminuição dos efeitos da pandemia em muitos países. O Brasil precisa se organizar para voltar a participar com seus filmes neste lugar.
3) A médio e longo prazo, o que esperar da indústria cinematográfica global?
RACHEL RIPANI: A indústria está se movimentando para entender a transição entre salas de cinema e streaming e creio que ainda teremos muita movimentação entre plataformas e estúdios. O que temos certeza é de que boas histórias continuarão sendo relevantes, na tela pequena ou grande.
TIAGO MELLO: A tendência é que o Oscar esteja mais aberto para filmes em outras línguas. O fenômeno de Parasita, de Bong Joon-Ho, representa este momento. Com o tempo, acredito que vamos ter mais diversidade nas premiações também. É muito importante a retomada do Ancine e do Ministério da Cultura para que o Brasil possa participar da cadeia global do cinema.
BARBARA STURM: 2023 é um ano de retomada do audiovisual no Brasil em diversos âmbitos e o mais importante é, com certeza, a volta do público aos cinemas em grande escala. Acho fundamental que a cota de tela de filmes brasileiros seja restabelecida no circuito de cinemas para fomentar que o público se reconecte também com o cinema nacional. Vejo a crise econômica como principal fator que afasta hoje o espectador da tela, o grande ponto nos lançamentos será entender como criar possibilidades de ter o ingresso reduzido ou promoções e parcerias que possibilitem o acesso do público a ingressos com preços acessíveis.
PEDRO FRAGA VILLAÇA: Vender a experiência de ir ao cinema se torna cada vez mais importante e, nesse ano, acho que os dois filmes que fizeram isso foram Avatar: O Caminho da Água e Top Gun: Maverick, blockbusters que usaram seu orçamento para fazer você se sentir em outro mundo ou pilotando um avião ao ir ao cinema. Assistir esses filmes na TV ou em celulares, claramente, não é a mesma coisa; eles pedem a telona. E penso que são esses tipos de filmes que vão manter os cinemas. O movimento independente cada vez mais toma Hollywood e a criação de filmes mais autorais se torna possível, o que é incrível para o cinema. Porém, a plataforma desse tipo de cinema parece ser o streaming. Muitos filmes, inclusive com grandes orçamentos, nem passam mais pela sala de cinema. Acho que teremos um grande movimento para fazer as pessoas voltarem a ter a experiência única de ir a uma sala de cinema. Quem assistiu Os Fabelmans viu a mensagem de Spielberg no início, a campanha já começou. Daí a minha aposta neste filme e o reconhecimento esperado pela Academia em Avatar e Top Gun.
CAIO AMANTINI: Algo que já é óbvio para todos é cada vez menos pessoas indo às salas de cinema, uma vez que as séries e streamings estão tomando conta do mercado. Mas, ao mesmo tempo, estas plataformas ajudam na globalização da indústria e uma descentralização de Hollywood, já que séries e filmes de diferentes países vem se destacando mais no mainstream por meio dos streamings. Mas com certeza, o principal é o avanço da tecnologia, o AI vem ganhando espaço no mercado, gerando cenários, imagens e até roteiros, portanto creio que o importante é acompanhar estes avanços para não ficar para trás.
FELIPE NOVAES: Prevejo um reforço na tendência de investimento em produções de valor médio, mas, sobretudo, mais focadas em obras originais e não nas adaptações que vimos tanto nos últimos anos. *A A24 tem trabalhado fortemente nesse ajuste há algum tempo e finalmente emplacou uma grande indicação. E também acredito na aposta em grandes produções que tragam o público de volta para a experiência das salas - o que está muito bem representado na premiação esse ano com a ode que Spielberg faz ao cinema em Os Fabelmans. Vejo no cenário uma acomodação entre essas duas vertentes.
*Nota da redação: Antes de 2023, a A24 já possuía indicações e, inclusive, prêmios nas principais categorias do Oscar, como: Melhor Atriz para Brie Larson (O Quarto de Jack), em 2016; Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Ator Coadjuvante (Mahershala Ali), por Moonlight, em 2017; e Melhor Atriz Coadjuvante para Yuh-jung Youn (Minari), em 2021.
Compartilhe:
- 1 medalha