08 Março 2023 | Yuri Codogno
"A Porta ao Lado" traz a tona os relacionamentos atuais, ausência de diálogo e o desejo feminino
Portal Exibidor teve a oportunidade de entrevistas as estrelas do filme que estreia amanhã (9)
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Filmes possuem a complexa missão de, a medida que entretém o espectador, passar uma ou mais mensagens ao público, utilizando a trama como o fio condutor dessas situações. A Porta ao Lado (Manequim Filmes), uma produção da Morerna Filmes e coprodução de Film2B e Telecine, é um longa que consegue, ao passar de sua história, abordar diferentes temáticas importantes nos relacionamentos atuais.
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Com lançamento previsto para amanhã (9), o Portal Exibidor teve a oportunidade de assistir A Porta ao Lado com antecedência, em cabine de exibição realizada para a imprensa ontem (7), além de ter entrevistado presencialmente a diretora Júlia Rezende, as atrizes Letícia Colin e Bárbara Paz e o ator Túlio Starling.
A trama do filme gira em torno de dois casais que possuem expectativas diferentes para suas vidas. Enquanto a protagonista Mari (Letícia Colin) e Rafa (Dan Ferreira) levam uma vida monogâmica e mais próxima do considerado comum pela sociedade, Isis (Bárbara Paz) e Fred (Túlio Starling) possuem um relacionamento aberto, provocando reações do primeiro casal.
“A intenção primeira do filme é abrir um debate, lançar perguntas, provocar reflexões. Acho que é fazer as pessoas saírem da sala de cinema dispostas a entrarem em contato com assuntos como monogamia, não-monogamia, mentiras e verdades. E fazer elas olharem para as próprias relações e pensarem de que maneira estão escolhendo viver. O filme é muito propositivo nesse sentido”, ressaltou Júlia Rezende.
Apesar disso, a monogamia e outras formas de se relacionar afetivamente não são a principal mensagem do longa, servindo mais como fio condutor para a história, ambientando os personagens nessas situações.
Para Bárbara Paz, A Porta ao Lado fala sobre o desejo feminino: “É sobre o que você quer, como mulher. O filme fala sobre isso, não é só sobre relacionamento aberto, sobre não-monogamia. A mensagem principal do filme talvez seja essa, mas também ‘como se relacionar atualmente, em tempos de amores líquidos?’. Acho que são várias perguntas que esse filme traz”.
Além de concordar com a companheira de cena, Letícia Colin complementa que a mensagem do filme se relaciona diretamente com as relações na atualidade: “Se a gente pensar em texto, em linguagem, a gente vem cada vez mais reduzindo quando escreve. E aí não dá para reduzir os conflitos amorosos. O casamento realmente precisa ocupar um espaço maior na vida das pessoas e é uma verdade inconveniente, porque é trabalhoso, é complexo e demorado, requer muito investimento e é um investimento sem garantias. Tudo que acho que, hoje em dia, não se valoriza, não se cultiva e não se quer, então pra muita gente é uma coisa antiga, old fashion. Mas a gente continua querendo amar”.
De fato, o filme tem a proposta de nos levar mais às reflexões, não de responder perguntas. Questões como o “o que é o desejo?”, “o que é se relacionar?” e “o que é traição?” estão implícitas no sub-texto do roteiro, apresentando situações e deixando o público encontrar sua resposta. A própria Bárbara Paz ressaltou isso durante a entrevista: “O filme tem muitas perguntas; não é um filme de resposta”.
Sobre os relacionamentos, outro ponto importante foi levantado pelas atrizes: o diálogo. Em filmes, é muito comum observarmos situações em que uma conversa resolveria - ou até mesmo preveniria - o conflito. Mas como bem sabemos, a arte é apenas uma adaptação da realidade e a ausência de diálogo é muito frequente na vida real, bem retratada em A Porta ao Lado.
“A preguiça da DR [discussão de relacionamento] é a destruidora de relações”, disse Letícia em coletiva virtual realizada entre a exibição do filme e as entrevistas individuais. “É só o diálogo mesmo, porque um relacionamento sem diálogo gera o desejo reprimido. Porque se você não conversa, você não sabe nada sobre o outro. E você precisa saber, porque o relacionamento, o amor, é uma grande amizade, é um grande companheirismo. E aí quando se quebra essa lealdade e o acordo que fizeram, é aí que entra a pergunta ‘o que fazer com isso?’. Vai abrir a relação ou separar? Ou fazer outras tentativas?”, concluiu Bárbara Paz.
Para Túlio Starling, o fato do filme possibilitar reflexões é algo que pode fazer com que o público se sinta atraído pelo longa-metragem: “Qualquer que seja sua relação com essa temática da monogamia e da não-monogamia, você vai gostar de ver o filme. Porque fala, antes de qualquer coisa, sobre desejo, sobre o dinamismo e a vivacidade do que é viver e desejar as coisas, que não é sobre querer uma coisa hoje e achar que será assim pra sempre. E as relações precisam de diálogo, precisa de honestidade, precisa de pacto, acordo, conversa. E ainda sim uma boa dose de auto-questionamento, de auto-observação, de poder pensar consigo mesmo sobre as coisas que você quer da vida e do outro. Então o filme acolhe qualquer pressão para pensar sobre esse tema que atravessa a todos, que é o amor”.
E a conexão entre a história do filme e a realidade aumenta se considerarmos que o longa foi gravado durante a pandemia, com sérias restrições sanitárias e em um momento em que os relacionamentos - sejam eles os amorosos, fraternos ou profissionais - ficaram complicados. A própria Júlia Rezende passou por um momento complexo e inusitado, ao ter que dirigir o elenco à distância, como contou: “Tive Covid logo na primeira semana de filmagem e tive que passar uma semana dirigindo o filme da minha casa. E aí a gente montou um monitoramento… numa televisão via a câmera do filme, na outra via a equipe no set. E tinha que me comunicar com os atores à distância, então a gente se telefonava, trocava mensagem pelo whatsapp, as vezes a gente se falava por um ipad que ficava no set. Tinha um ipad com a minha carinha… eles botaram até uma roupa, me vestiram com uma camisa listrada que era meu figurino. E a gente foi encontrando uma dinâmica”.
Esse período durou apenas cinco dias, porque, segundo a própria diretora, “estava louca para voltar”, além de ter se recuperado. E além disso, na visão da cineasta, só deu certo porque “todos foram muito generosos e acolhedores com aquele momento difícil”. Túlio complementou ressaltando que tal situação se conectou diretamente ao filme, se associando à construção dos personagens: “Teve a ver com uma instância que está no filme que é a solidão de cada personagem”.
Voltando à trama, mas ainda se relacionando com a construção da história e dos personagens, outro fator fundamental foi que Mari e Isis, as duas mulheres dos casais em cena, são quase que diametralmente opostas em suas expectativas acerca da vida, porém complementares, algo que auxiliou no andar da trama. “Conflito é sempre importante”, disseram Letícia e Bárbara quase que simultaneamente.
“A gente sempre buscou pontos de tensão, pontos de contato, pontos de afastamento”, contou Letícia. Bárbara completou: “Acho que elas começam de um jeito e acabam completamente diferentes. Elas vão descascando e vão vendo o avesso dessas personagens e por que cada uma está nessa situação. Você entende elas do início”.
O filme é inteiramente trabalhado a partir do ponto de vista feminino, não apenas por causa da direção da Júlia, mas também porque tem a proposta de ser um olhar das personagens Rafa e Isis. E é difícil não fazer uma conexão com a vida real, visto que, proporcionalmente, homens ainda dominam os principais cargos do cinema, dificultando que novas histórias - muitas delas baseadas na vivência feminina, mas sem descartar as ideias originais de mulheres cineastas - sejam contadas.
Na visão e experiência de Júlia, para que o cenário se altere e o setor seja mais equilibrado entre os gêneros, são necessárias mais mulheres em posição de poder: “mais mulheres exibidoras, donas de cinema, mais mulheres distribuidoras, mais mulheres nas comissões nos editais dos festivais. Acho que enquanto a gente não tiver mulheres em cargos que decidem o que vai ser produzido, do que vai ser levado às telas, a gente não vai chegar nessa equidade. Não tenho a menor dúvida que a gente tem dezenas de diretoras muito talentosas, narradoras de história autorais e que o público vai abraçar essas histórias porque as mulheres querem se sentir representadas, querem se ver na tela. Então tem muito a ganhar, tanto no mercado quanto no país mesmo, em produção de cultura”.
Por fim, a diretora ressalta como, após quatro anos muito dolorosos para a cultura nacional, o lançamento de um filme brasileiro é importante para o momento. “A gente precisa prestigiar o cinema nacional. E acho que esse é um filme também que tem tudo para encontrar seu público, para dialogar com as pessoas, para provocar identificação e reflexão. É um filme que comunica e nesse sentido ele poderia estar sendo exibido em todos os lugares”.
Como comentamos, a proposta é de um filme de questionamentos e que não entrega soluções para o espectador. Mas finalizando nas palavras de Bárbara Paz: “Você sai do cinema sem respostas e isso é agoniante pra gente; a gente quer uma resposta. Mas a vida não é uma resposta, é uma pergunta”.
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