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26 Agosto 2022 | Renata Vomero

"A Viagem de Pedro" revisita a história do Brasil em aceno para o futuro: "Não é um filme histórico, é um filme atual"

Longa dirigido por Laís Bodanzky entra em 1º de setembro no circuito comercial

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(Foto: Divulgação)

Uma das figuras mais cheias de contradição e magnetismo da história do Brasil ganha, agora, um novo retrato no cinema. Dom Pedro I, interpretado por Cauã Reymond, é apresentado sob um recorte fora do convencional em A Viagem de Pedro (Vitrine Filmes), escrito e dirigido pela renomada Laís Bodanzky.

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O longa, que estreia em 1º de setembro nos cinemas, narra o momento em que o ex-imperador do Brasil retorna para Portugal, em 1831, fugindo de ser apedrejado pelos brasileiros, nove anos depois de proclamar a Independência do Brasil. Seus objetivos são de tirar o trono de Portugal das mãos de seu irmão Miguel e dar a sucessão da coroa para a sua filha.

A viagem descontrói a imagem de herói de Dom Pedro I, responsável por tornar o Brasil um país continental à custa de muita opressão.  E é justamente desconstrução a palavra perfeita para falar sobre este filme.

Vemos na história um Dom Pedro assombrado por seus próprios demônios, vulnerável pela desmoralização no Brasil, epilético, com sífilis e impotente sexualmente, isso tudo sem garantia alguma de sucesso em Portugal, pátria que o considera um traidor.

Este homem, distante das representações heroicas e sacras em outras obras audiovisuais, ganha um retrato próximo de uma realidade fora dos livros oficiais, realidade esta que o rebaixa a humano, com suas camadas e problematizações.

Para começo de conversa, Cauã Reymond, produtor do filme, teve a ideia de trazer essa figura para a telona pelas mãos de uma mulher, justamente para destacar essa camada da masculinidade do personagems. Nada melhor do que Laís Bodanzky, cujo último trabalho (Como Nossos Pais, 2017) traz justamente a visão da mulher na sociedade, além, claro, dela própria ser um nome consagrado na história do cinema nacional.

“Na verdade a ideia de trazer o olhar feminino já era uma forma de tentar desconstruir, sem criticar ou comparar com outras obras que tinham sido feitas sobre ele. A gente não queria um herói, foi ela [Laís] que encontrou esse recorte, juntos fomos encontrando todas as fragilidades a partir do que achávamos que era D. Pedro naquele período”, afirmou Cauã Reymond em entrevista ao Portal Exibidor.

Laís escreveu o roteiro tendo essa vertente bastante latente em sua mente, no entanto, para ela também seria impossível dar vida a essa narrativa sem trazer personagens negros, uma representação fiel ao povo brasileiro da época e de hoje, e que passaram por um grande apagamento nos séculos de Brasil imperial, ficando de fora dos livros didáticos.

“Não sou preta, portanto, a minha relação é no sentido de entender a importância, mas não é exatamente o meu próprio ponto de vista. Por isso foi importante ir atrás de materiais –  que foram difíceis de achar, porque não está na história oficial – para saber quem são essas pessoas, quem era esse povo brasileiro daquela época. A contribuição do elenco preto, como um termômetro, com uma visão crítica, foi fundamental, seria um outro filme sem a contribuição deles, seria um filme velho”, explicou a cineasta.

Está aí a importância deste filme, que além de trazer uma parte tão forte da história do Brasil, de mais de 200 anos atrás, provoca o espectador a revisitar o passado, por meio do olhar de hoje, e refletir sobre nossa sociedade como um todo, mirando no projeto de país para o futuro.

Isso cria em quem assiste não só aprendizado sobre o que realmente aconteceu e quem eram os atores daquele Brasil imperial, mas também um senso crítico do que foi escrito nos registros oficiais, questionando os eventos passados.

“Esse processo de revisitar e construir novas narrativas é um processo de desconstrução do imaginário daquilo que se tem como história. Isso nos permite projetar e ter utopias que se podem construir a partir de experiências do passado, para não voltar a cometer erros que se cometeram no passado”, comentou o ator Marcial Macome, que vive Bukassa, um dos serviçais negros que trabalham no navio inglês que leva D. Pedro a Portugal.

Essa viagem no tempo proposta o tempo inteiro pelo filme, também nos carrega para o futuro, tendo em vista, claro, que A Viagem de Pedro, é sobretudo um retrato de seu tempo.  Para além da desconstrução da masculinidade do imperador e o retrato de figuras apagadas da história, há tempo a provocação sobre como tratamos esses nomes, erguendo monumentos e estátuas em celebração às suas ações individuais – neste caso, ações que tiveram como pano de fundo bastante opressão.

“O filme fala muito disso, a gente tem que entender que monumentos também são derrubados, se foi construído, pode ser derrubado, o contexto é muito importante. O nosso filme está dentro de um contexto dos dias de hoje, quem olhar do futuro vai entender quais eram as questões latentes na nossa época e como olhamos para o passado. Tem um filtro e sempre tem um filtro, espero que seja um filtro num caminho da generosidade, da aceitação do diferente, das diferentes culturas, religiões e narrativas, e que tenha continuidade”, ressaltou Laís.

E se soma a esses olhares o retrato de uma forte personagem vivida por Isabél Zuaa, a Dira. Ela é mais uma das serviçais negras do navio e ganha espaço no decorrer da narrativa por falar abertamente sobre sexualidade feminina, prazer e liberdade.

Todos estes foram ideais trazidos pela diretora e a própria atriz, que entende como de grande importância essa representação na grande tela: “Foi um desafio, mas muito interessante de ter a possibilidade de poder construir a própria narrativa dessa personagem. Uma mulher negra, que possivelmente foi escravizada, na altura dessa viagem não era mais, mas tem esse peso social, política e racial sobre seu corpo e ela consegue de uma forma leve trazer esse tema da sexualidade e do prazer e orgasmo feminino. Como um momento sagrado, trazendo a referência concreta de Ruanda, em que o orgasmo feminino é chamado de águas sagradas”, explicou a atriz, evidenciando o forte contraponto com a masculinidade fragilizada de Dom Pedro.

Em mais uma camada de importância, o filme faz mais um aceno para o seu presente e também para o futuro. A Viagem de Pedro estreia na mesma semana em que se completa o bicentenário da independência, com o próprio coração de D. Pedro I vindo de Portugal como parte das celebrações.

Questionada, a equipe do filme devolve a provocação perguntando se está é uma data que deve ser celebrada e se a independência realmente aconteceu e, se sim, para quem ela aconteceu e à custa de quê.

 “Não que a gente deva deixar de olhar para essa data, temos que olhar e muito, mas não festejá-la e sim usá-la para uma reflexão sobre a nossa história, sobre qual Brasil era aquele, se teve independência mesmo, qual foi o projeto de país, o que mudou de lá para cá, o que vamos construir, na minha opinião de 200 anos para cá não mudou nada, é o mesmo país”, ressaltou Laís.

Essa camada adicional gera, claro, um interesse maior pela produção, que acabou chegando nessa data por acaso, mas que se beneficia da ocasião justamente para reforçar seus apontamentos.

“A gente tem um personagem extremamente contraditório, humano, mas contraditório e o Brasil é também extremamente contraditório. Não é um filme histórico, é um filme atual, a gente tá chegando no bicentenário, não sabemos se comemoramos ou não, a gente tá falando do coração do Pedro que está aqui e estamos na véspera de uma eleição, como um produtor nunca imaginei um cenário melhor para lançar o filme e isso aconteceu em uma coincidência muito feliz e acho que não teria um momento mais bacana para a gente estar discutindo todos esses elementos”, finalizou Cauã.

A Viagem de Pedro tem no elenco nomes como Rita Wainer, Welket Bunguê, Victória Guerra, Isac Graça, Isabél Zuaa, Sergio Laurentino, entre outros. Com produção da Biônica Filmes, Buriti Filmes e O Som e a Fúria (Portugal), em coprodução com a Globo Filmes, A Viagem de Pedro foi produzido por Bianca Villar, Cauã Reymond, Fernando Fraiha, Karen Castanho, Laís Bodanzky, Luiz Bolognesi, Luis Urbano e Mario Canivello.

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