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09 Setembro 2021 | Renata Vomero

Em mistura documental e poética, "A Última Floresta" tem urgência em transformar nossa relação com a Terra

Filme retrata cotidiano de um grupo Yanomami e estreia hoje nos cinemas

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(Foto: Gullane)

Se você acompanha cinema, com certeza já ouviu falar em A Última Floresta (Gullane), de Luiz Bolognesi. O filme, que estreia hoje (9), retrata o cotidiano de um grupo Yanomami que vive isolado entre o norte do Brasil e o Sul da Venezuela. Neste retrato, há a mistura da linguagem documental com a ficcional e, mais do que isso, uma importante denúncia e mensagem de urgência contra os desmandos que o homem branco vem praticando e se intensificaram nos últimos anos.

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O roteiro do longa foi escrito por Bolognesi ao lado do xamã e líder Yanomami Davi Kopenawa, figura de grande importância para a realização do filme, já que foi através do contato com ele que o cineasta conseguiu participar do dia a dia da comunidade Watorik, onde o filme foi filmado.

“Foi importante pensar antes de fazer o filme, porque foi pensado em como mostrar a imagem do meu povo Yanomami, que está na floresta, montanha e longe da cidade e outras pessoas não quiseram mostrar. Eu que pensei e sonhei até conseguir encontrar o Luiz, foi muito bom. A comunidade cuidou e aceitou deixar uma pessoa de fora filmar para sair a nossa imagem na cidade e acreditarem que a gente existe, o povo Yanomami, que fala sua própria língua, mora numa casa diferente e tem uma cultura diferente. Demorou muito, mas conseguimos, lutamos muito para conseguir correr atrás para filmar os Yanomami, valeu a pena”, comentou Davi em coletiva de imprensa realizada na última sexta-feira (5).

Inclusive, o encontro com os jornalistas, que também contou com a presença de Luiz Bolognesi, foi realizado na mesma semana em que o filme foi mostrado para o grupo indígena. Pela primeira vez eles tiveram a experiência do cinema e, mais impactante ainda, se vendo em tela. Como o próprio cineasta depois acrescentou, essa foi a única sessão que não precisou de legenda.

A ideia de fazer o filme veio logo depois que Luiz lançou o filme Ex-Pajé, em 2018, mostrando o impacto da evangelização católica e europeia nos povos indígenas, com isso, Luiz queria trazer um retrato do outro lado, de um lado de resistência e sobrevivência. No entanto, no primeiro contato com Davi a lembrança do filme Ex-Pajé não o animou muito de abrir espaço para o cineasta fazer um filme com o grupo Yanomami.

“Pensei em fazer com o povo Yanomami para trazer essa poesia, porque é algo que está neles o tempo inteiro. Procurei logo o Davi e ele foi papo reto, os Yanomami são assim, ele disse que viu o ‘Ex-Pajé’ e não gostou, porque ali o pastor está forte e o xamã está fraco, então, queria mostrar um filme em que os xamãs estão fortes, queria algo que mostrasse a beleza e potência deles, que levasse a mensagem dos Yanomami como uma flecha pelo mundo, porque somos nós que estamos doentes”, comentou o cineasta.

E aí começou um processo de conectar um emaranhado de histórias que queriam retratar, uma importante delas é na parte ficcional, em que nos é apresentada a mitologia de criação deles, inclusive, os próprios índios da tribo encenaram e viveram os papéis ali mostrados.

Outra parte importante mostra o cotidiano do grupo, sua rotina, seus pensamentos e reflexões, mais ainda, mostra o impacto do garimpo ilegal no território deles, algo que vem se intensificando principalmente nos anos do governo de Jair Bolsonaro, que flexibilizou a legislação que punia essa exploração.

Mais do que isso, o filme deixa evidente o quanto essa exploração é danosa para a saúde do planeta e dos seres humanos, incluindo a população indígena. Faz parte da mitologia Yanomami acreditar que os minérios foram enterrados embaixo da terra porque deles vêm doenças e que ali estão espíritos malignos da floresta, que são liberados com a escavação.

“O Davi disse o tempo todo que esse filme primeiro é para o seu povo, para se verem na tela e se verem bonitos, como são, mas que isso não bastava. Ele queria que o filme viajasse o mundo e que todos conhecessem, porque os Yanomami precisam de ajuda. Davi queria um filme que viajasse o mundo mostrando essa narrativa Yanomami, eu tinha medo do filme não funcionar com os brancos, mas ao menos queria dar isso aos Yanomami. Mas funcionou e essa mistura de histórias, de realidade e fantasia, essa trama narrativa entre os sonhos e o dia acordado se misturam, funcionou”, explicou Luiz.

E o filme de fato está viajando pelo mundo, em junho, A Última Floresta venceu os prêmios de Melhor Documentário no Festival Zeichen der Natcht, em Berlim, e o Prêmio Artístico de Melhor Obra no Festival dos Povos Originários, de Montreal. Também conquistou o prêmio do público na mostra Panorama no 71º Festival de Berlim.  Isso só para dizer alguns dos prêmios e honrarias recebidos em festivais neste ano.

Não é exagero dizer que talvez este seja o filme mais importante de 2021, muito menos dos próximos anos, com o noticiário mostrando dia após dia as consequências da exploração humana na natureza. É para ontem que precisamos ouvir a mensagem dos povos Yanomami e aprender a ser como eles. E é neste tom que Davi finalizou sua fala na coletiva.

“O povo branco não quer entender, só quer entender de dinheiro, por isso nossa história não interessa para eles, porque não falamos disso. Branco só escuta dinheiro e subsolo, só quer destruir, essa é a paixão do povo da cidade. Lembrem da gente, do povo Yanomami. E deixo uma última mensagem para vocês. Vai ter uma outra doença muito forte para o povo da cidade, porque o povo da cidade é muito numeroso e não cabem todos no planeta. A doença vai fazer diminuir o número do povo da cidade. É para minimizar e não mexer mais no planeta, deixá-lo protegido. Recebi essa mensagem de outro xamã próximo nosso. Pensem com isso, sobre de onde saiu essa doença, o coronavírus. Se cuidem e se a autoridade não respeitar, a doença vai matar mais o povo da cidade”, finalizou.

A produção é da Gullane (Fabiano Gullane e Caio Gullane) e da Buriti Filmes, em associação com a Hutukara Associação Yanomami eo Instituto Socioambiental (ISA), além do apoio do Itaú Cultural, da Amazon Watch, Greenpeace, Rainforest Foundation US, Rainforest Foundation Norway e Survival International. A distribuição é da Gullane. 

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