05 Agosto 2021 | Renata Vomero
Contra apagamento histórico, cinebiografia de Luiz Gama abraça sua humanidade heroica
"Doutor Gama", dirigido por Jeferson De, chega hoje (5) aos cinemas brasileiros
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Chega hoje (5) aos cinemas brasileiros Doutor Gama (Elo Company), cinebiografia do líder abolicionista Luiz Gama. O longa é dirigido por Jeferson De e acompanha três fases da vida de Gama, na infância, juventude e vida adulta, mostrando sua trajetória até se tornar peça fundamental na história do Brasil, mesmo não tendo – ainda – todo o reconhecimento que merece.
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O filme é uma coprodução da Globo Filmes e Paranoid, produção associada da Buda Filmes e distribuição da Elo Company, e tem no elenco principal, César Mello (que interpreta o Gama adulto), Ângelo Fernandes (Gama na juventude), Pedro Guilherme (infância), Mariana Nunes, Zezé Motta, Johnny Massaro, entre outros.
A história se divide nas três fases da vida de Luiz Gama, jornalista, advogado, poeta e abolicionista. Voltando à sua infância para retratar o momento em que foi vendido por seu pai para ser escravizado, mesmo tendo nascido livre; passando por sua juventude, quando conquistou sua liberdade e mergulhou no meio acadêmico, chegando, por fim, à vida adulta, quando atuou pelo abolicionismo e ajudou a libertar mais de 500 pessoas escravizadas. Desta forma, o longa tem como grande referência o formato utilizado no premiado Moonlight, de Barry Jenkins.
Com profunda e rigorosa pesquisa histórica, tendo consultoria da historiadora Ligia Fonseca, o longa tem o objetivo de mostrar a vida de uma das figuras mais importantes da história do Brasil, mas que teve sua trajetória apagada frente ao racismo ainda tão forte no país.
“Se tem alguma coisa que os colonizadores quiseram fazer foi quebrar a nossa história. Muitas vezes não se entende o que acontece no Brasil, porque talvez a gente não revisite essa história. A gente tem lei, mas não temos justiça. Tem esse lugar do apagamento, estou resgatando a minha história e resgatando a nossa história. Não dá para falar de abolicionismo, sem falar em Luiz Gama”, comentou Jeferson De, em coletiva de imprensa do filme realizada nesta segunda-feira (2).
Assim como eu e você que está lendo este texto, nós pouco tivemos acesso a quem era Luiz Gama, mesmo na escola, quando estudamos a história do Brasil, o período da escravidão, sempre tivemos a perspectiva dos chamados abolicionistas brancos e colonizadores, enquanto pouco da luta dos negros nos foi passado. Desta forma, o filme também ganha um poder didático e de trazer luz a um lado pouco conhecido.
“Conhecer a nossa história pregressa nos fortalece, entendemos como nos formamos como nação. As injustiças cometidas no passado, as reparações fundamentais e necessárias, os apagamentos de personalidades tão fortes como Luiz Gama. Esperamos que este filme chegue nas escolas, para os jovens brasileiros”, comentaram os produtores Cristiane Arenas, da Buda Filmes, e Pedro Betti, da Paranoid.
Somando a este retrato tão importante, que chega em momento de questionamento sobre quem são nossos heróis, a quem erguermos monumentos, junto ao trágico incêndio da Cinemateca Brasileira, vem, então, a importância deste filme em termos de memória e também de inclusão de narrativas negras no cinema, contadas por profissionais negros, ainda tão pouco representados no audiovisual, mas que ganham cada vez mais espaço e voz no meio. Ter a história de Luiz Gama, então, contada por Jeferson De faz toda a diferença e foge de lugares-comuns já tão vistos no cinema.
“Eu não queria ceder a esse lugar fácil, da violência e exploração dos corpos negros, está tudo lá, mas eu não queria ceder a esse lugar, porque eu estava falando de mim, dos meus antepassados, é algo muito caro a mim. É um lugar de dor, sentia isso nos atores e atrizes, porque nos tocava de forma muito forte. A gente já viu tanto isso dos negros nos troncos sendo chicoteados, não era isso o que eu queria fazer. Não era essa a apresentação audiovisual que eu queria fazer do Luiz Gama. Foi uma opção minha”, reforçou De.
Ele ainda foi complementado por Mariana Nunes, que destacou o quanto essa representatividade por trás da câmera é impressa em Doutor Gama: “É a representação do homem negro no cinema brasileiro, claro que o filme é sobre ele, e a gente vê essas várias facetas que existem nesse homem. Isso acontece com muitos outros personagens. É um filme de época que fala sobre escravidão e liberdade, claro que vai falar de sofrimento, mas mostra outros personagens que tem subjetividades de pessoas negras naquela época”.
E essa complexidade e camadas, tanto de Luiz Gama, quanto dos outros personagens do filme, que abrem espaço para muito mais outras produções que podem contar a história dessas figuras tão importantes para a formação do país e pela luta contra injustiças à população negra.
Ainda somado a isso, vem mais um apontamento importante trazido pelo elenco e cineasta. O de que o retrato de Luiz Gama, embora o enalteça, se utiliza do aprofundamento histórico para contar a história de um homem que lutou pelo abolicionismo, se tornou uma das pessoas mais importantes do Brasil, mas não é um super-herói. Com isso, se aproxima ainda mais de quem assiste ao filme e se identifica com este homem.
“O filme tem uma exploração das fraquezas do Luiz Gama quando ele se relaciona com a Claudina, quando tem alguns embates, alguns momentos de dúvida. Tem esse lugar que a gente acabou explorando, claro que a gente falou de um homem ancorado na família, algo que é difícil no cinema brasileiro e retrato do negro. Isso é fato, falo isso com dor porque gostaria de ter visto mais isso nas telas. Pode parecer que o Luiz Gama é um super-herói, mas ele é só o Luiz Gama, isso de fato aconteceu com ele e deve ter acontecido com milhares de outros e segue acontecendo”, ressaltou De.
Para finalizar, os produtores ainda ressaltaram o quanto este lançamento é crucial para os cinemas, mas também para a indústria brasileira como um todo:
“Neste momento pandêmico com as salas de cinema mais restritas e um enorme apelo dos blockbusters americanos, nos apegamos as plataformas que vêm se mostrando potencialmente mais ativas. Queremos que o filme seja visto, debatido e reverberado. Esta é a nossa luta, a parceria entre duas produtoras fortaleceu a construção desta obra. Aliados vieram ao nosso encontro, pois todos reconhecem a importância deste filme. Por outro lado, nos mantemos vivos no cinema, mostrando o que temos de melhor enquanto tema e resultado estético. A máquina não pode parar, muitos técnicos trabalharam na equipe, geramos renda, e isso é fundamental”.
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