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30 Julho 2021 | Renata Vomero

Mapa da tragédia: os acontecimentos que culminaram no descaso à Cinemateca Brasileira

Crise teve seu ápice no começo do ano passado com a saída da Acerp da gestão

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(Foto: Globonews)

O que aconteceu ontem no galpão da Cinemateca Brasileira definitivamente não pode ser chamado de acaso ou acidente. Desde o início de 2020, a instituição deixou de ser gerida oficialmente pela Acerp (Associação Comunicação Educativa Roquette Pinto) e com isso teve início o agravamento da crise que culminou no incêndio de ontem. 

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Tudo começou em um imbróglio envolvendo o Ministério da Educação, a Secretaria Especial de Cultura e a Associação Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp). O processo não envolvia a Cinemateca diretamente, mas esta acabou sendo afetada quando a Acerp rompeu relações com o Governo Federal, que estava deixando de repassar as verbas de gestão da instituição, chegando a uma dívida acumulada em mais de R$10 milhões. Desta forma, deixando os funcionários com os salários atrasados e sofrendo riscos de corte de energia e manutenção das instalações. A Acerp se manteve na administração da Cinemateca informalmente, para não deixar a instituição abandonada, mesmo não tendo mais recursos para geri-la.

Em julho, o MPF abriu processo contra a União por abandono da Cinemateca, exigindo que fosse renovado o contrato com a Acerp, bem como a permanência do corpo técnico, formada pelos funcionários. No entanto, a União tinha planos de absorver a gestão da Cinemateca.

Então, em agosto, sua administração foi assumida pela Secretaria Especial de Cultura, em seguida todos os funcionários foram demitidos, sendo mantidos apenas alguns para cuidados básicos do espaço. Em novembro, sua gestão foi transferida para a Secretaria Nacional do Audiovisual, pasta da Secretaria de Cultura. Com isso, a entidade, sem fins lucrativos, Sociedade Amigos da Cinemateca chegou a ser escolhida como oficial gestora da Cinemateca, no entanto, a aprovação desta gestão nunca foi assinada ou autorizada.

Em janeiro, o Governo Federal chegou a publicar no DOU um chamamento para escolha de uma empresa responsável pela manutenção e prevenção de incêndios na instituição. Nada mais sobre isso foi oficializado. Em abril, um manifesto dos ex-funcionários da Cinemateca denunciou a gravidade do estado dos materiais armazenados pela Cinemateca. Vale ressaltar que boa parte dos arquivos fica em sua sede na Vila Mariana, enquanto outros documentos ficam no galpão da Vila Leopoldina. O risco e ameaça de incêndio foi bastante destacado no texto, bem como em uma denúncia exclusiva feita pelo jornalista Ricardo Feltrin, do Uol, em junho. Na reportagem, alega-se que mais de mil filmes já tinham sido perdidos pelo descaso e mais estava por vir, tanto por degradação, quanto, novamente, pelo risco de fogo.

Em maio, o Governo Federal ganhou prazo de 45 dias do MPF para provar que estava tomando medidas efetivas de apoio e retomada da Cinemateca. A partir disso, diversas audiências foram realizadas, a última delas, em 20 de julho, reforçou o alerta sobre o risco de incêndio.

Apenas hoje, um dia depois do incêndio, o governo federal publicou um edital de chamamento público para definir a empresa, sem fins lucrativos, que será responsável pela gestão da instituição. O resultado dessa convocatória saíra em 27 de outubro.

Em paralelo a tudo isso, houve uma movimentação pela municipalização da Cinemateca, com apoio da Secretaria Municipal de Cultura da cidade de São Paulo e a Spcine, os diálogos para que isso pudesse acontecer nunca foram efetivamente para a frente, no entanto. Conforme a própria Spcine divulgou em comunicado, que poderá ser lido na íntegra abaixo:

A Spcine lamenta profundamente mais um incêndio evitável ocorrido na Cinemateca Brasileira, na tarde de quinta-feira (29). Uma parte da memória não só do audiovisual, mas da sociedade brasileira, foi destruída. Ao nosso ver, sem necessidade.

Com o intuito de evitar a tragédia eminente, a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, e a Spcine sugeriram diversas soluções, como a articulação de ações de apoio emergenciais para salvaguardar o acervo e o prédio da Cinemateca Brasileira na Vila Mariana, equipamento público tombado cedido ao Governo Federal, a partir de 2019.

Frente à resistência do governo federal, houve um movimento de municipalização da Cinemateca, executado por meio de ofício, em 9 de julho de 2020, mas a tentativa de diálogo não teve sucesso.

A última tentativa de conversa foi realizada em 16 de junho de 2021, quando a Spcine se reuniu com o secretário adjunto da Secretaria Especial de Cultura do Governo Federal, Helio Ferraz de Oliveira, para colocar a Prefeitura à disposição para auxiliar a gestão da Cinemateca Brasileira. Permanecemos no aguardo da perícia para ter acesso ao resultado do incêndio.

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