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30 Julho 2021 | Renata Vomero

Cinemateca em chamas: incêndio no galpão da instituição deixa cultura brasileira em luto

Autoridades nacionais, sociedade civil e cineastas se posicionam contra a tragédia anunciada na noite de ontem (29)

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(Foto: Exibidor)

No início da noite desta quinta-feira (29) um incêndio de grande proporção atingiu o galpão da Cinemateca Brasileira, localizado na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo. O espaço de mais de 6.300 m² armazena parte significativa do acervo audiovisual brasileiro e ainda não se sabe o tamanho do dano que o fogo causou, no entanto, é de notório conhecimento que o espaço preservava mais de 4 toneladas de história do cinema nacional.

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Segundo informações do corpo de bombeiros, não houve vítimas e o incêndio foi controlado ontem mesmo. A sede principal da Cinemateca, na Vila Mariana, não foi afetada. No entanto, ela já passou por um incêndio em 2016, responsável por destruir 500 obras, e ,em 2020, o mesmo galpão atingido ontem sofreu uma enchente responsável por comprometer parte do material armazenado no local.

A Cinemateca Brasileira vem passando por uma dura crise ,desde 2019 ,quando o Governo Federal deixou de repassar verba para a associação responsável pela sua gestão, a Acerp (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto), rompendo contrato com ela e deixando a Cinemateca em situação de abandono, abandono este que vem sendo denunciado sistematicamente por funcionários e alvo de denúncia no MPF.

Apenas hoje, um dia depois do incêndio, o governo federal publicou um edital de chamamento público para definir a empresa, sem fins lucrativos, que será responsável pela gestão da instituição. O resultado dessa convocatória saíra em 27 de outubro.

Diante de todo o descaso, detalhado em reportagens anteriores pelo Portal Exibidor, as autoridades brasileiras, bem como nomes importantes do nosso cinema, estão se posicionando contra esta tragédia anunciada.

Em seu twitter, o Secretário Especial de Cultura, Mario Frias, que assumiu a gestão da Cinemateca no ano passado, deu a entender que abriria investigação de um possível incêndio criminoso. Criticado, o secretario se eximiu da responsabilidade, dizendo ser culpa dos governos petistas, que não estão no poder há cinco anos.

“O estado que recebemos a Cinemateca é uma das heranças malditas do governo apocalíptico do petismo, que destruiu todo o estado para rapinar o dinheiro público e sustentar uma imensa quadrilha de corrupção e sujeira criminosa", disse Mario Frias em seu twitter, e ainda complementou: "Não tivessem feito isto, teríamos verba para criar mil novas Cinematecas”.

Quanto ao incêndio da nossa única e identitária Cinemateca, o Secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, Sérgio Sá Leitão, comentou com exclusividade ao Portal Exibidor: “O governo federal rompeu em 2019 o contrato com a Acerp, organização social competente que fazia a gestão da Cinemateca Brasileira. A partir desse momento, passou a negligenciar a instituição, que é fundamental para a cultura brasileira. A degradação foi crescente. Houve várias denúncias em relação ao risco de incêndio. Nada foi feito para evitar o problema. É um governo que despreza a cultura, a ciência, a educação, o meio ambiente e a democracia.”

É unânime entre artistas, cineastas, autoridades e representantes da sociedade civil a certeza de que há quem deva ser responsabilizado por isso, pelo descaso com a instituição nacional e pelo acervo e memória brasileiro. Todos ressaltam a importância da Cinemateca como principal espaço de preservação de nossa história, cultura e identidade.

Viviane Ferreira, diretora da Spcine, comentou a situação nas redes sociais, ao postar imagem do galpão em chamas: “O horror dessa imagem tem autoria, e ela pertence ao desgoverno federal que o país está submetido. Sociedade Civil, profissionais do audiovisual, entidades do setor, parlamentares, gestão municipal, todos nós gritamos, esbravejamos que era preciso salvaguardar a Cinemateca e seu acervo. Essa ‘tragédia anunciada’ precisa mudar os rumos da forma como o desgoverno federal tem lidado com a política audiovisual”.

Diante de todo o descaso, os avisos dos ex-funcionários e os processos abertos, para a maior parte dos profissionais do setor, não há outra palavra que caracterize o ocorrido se não crime. Como pontuou Laíz Bodanzky, cineasta e ex-diretora da Spcine, ao Portal Exibidor: “O incêndio da Cinemateca ultrapassou o limite do aceitável. Não dá mais! Classifico como crime o que aconteceu, pela omissão do Governo Federal, que nunca tomou uma providência efetiva para cuidar da manutenção e prevenção do audiovisual brasileiro. Este descaso não diz respeito só ao audiovisual, é à cultura, à educação e à ciência como um todo. É uma característica desse governo, o projeto deles é não entregar nenhum projeto, deixar um vazio. O incêndio da Cinemateca simboliza exatamente o que é esse governo, que deseja que na nossa memória não tenhamos nenhuma imagem, mas sim uma fuligem, uma imensa fumaça preta. É isso o que caracteriza exatamente todas as áreas deste desgoverno, é um absurdo! A área cultural exige punição e não é só ela, o Brasil exige uma punição, porque isso caracteriza um crime!”.  

A palavra se repete nas vozes de Kleber Mendonça Filho e Walter Salles, que falaram sobre a crise da Cinemateca em Cannes, e também no manifesto escrito pelos ex-funcionários da instituição e divulgado nesta sexta-feira. O grupo ressalta o quanto suas demissões, há um ano, são causa do que aconteceu na noite de ontem (29), já que sem um corpo técnico e experiente, a degradação do material é inevitável.

Segundo os profissionais, embora a maior parte do acervo fique armazenado na sede oficial da Cinemateca, a perda de ontem se refere a documentos e materiais de parte do Arquivo Embrafilme, do Arquivo do Instituto Nacional de Cinema - INC, diversos documentos históricos, entre eles parte dos documentos do arquivo Tempo Glauber, do Rio de Janeiro, incluindo duplicatas da biblioteca de Glauber Rocha. Também parte do acervo da distribuidora Pandora Filmes estava armazenado no lugar, também o da ECA-USP e do jornalista Goulart de Andrade. Isso sem contar todo o mobiliário e equipamentos históricos.

“O cinema brasileiro perdeu sua história. O Brasil não tem mais sua memória.  A destruição do acervo documental do INCE, INC, Embrafilme e concine é apagar toda a política pública construída ao longo de um século. Eu diria que é um atentado contra a memória nacional”, destacou Vera Zaverucha, que tem mais de 30 anos de experiência na administração pública e já esteve à frente da Ancine e outros importantes órgãos do audiovisual.

No dia 20 de julho, o MPF alertou o governo federal quanto ao risco de incêndio nas instalações da Cinemateca em audiência pública. O alerta surgiu depois de visitas e vistorias aos locais de armazenamento, em que se constatou o descaso no armazenamento de materiais altamente inflamáveis.

Confira abaixo a repercussão do ocorrido:

“Precisamos aguardar a perícia do corpo de bombeiro, mas tudo leva a crer que trata-se de uma tragédia anunciada diante do desgoverno federal”, afirmou  Alê Youssef, Secretário Municipal de Cultura de São Paulo, para a Folha de S.Paulo.

 "Trata-se de uma tragédia anunciada. O descaso provocou o incêndio. No galpão estavam armazenados e à espera de digitalização, 70 anos de documentos que contam a história do audiovisual brasileiro: documentos do Instituto Nacional de Cinema, Concine, Embrafilme. E Secretaria do Audiovisual, por exemplo. Materiais como projetores e aparelhos antigos e históricos, assim como acervos de cineastas como Glauber Rocha. Este descaso ê um crime contra o patrimônio brasileiro. E pensar que há 10 anos, nossa Cinemateca foi eleita uma das três melhores do mundo, temos uma ideia do quanto custa para construir e como é fácil destruir”, cineasta Tata Amaral, ao Portal Exibidor.

“O que aconteceu ontem foi a crônica da tragédia anunciada, mas precisamos pensar para além do projeto político de desmonte e criminoso deste desgoverno. A Cinemateca vem sofrendo há anos, é preciso que os gestores e políticos (de todas esferas) se dispam do ego de querer fazer algo mirabolante para capital político e olhem de forma prática para o que precisa ser feito para um planejamento a longo prazo: manutenção (anual e de forma regular em orçamento), captação de investimentos, pesquisa. França e Inglaterra tem políticas consistentes para acervo e preservação. Precisa ser política de Estado, não de governo. Enquanto este mindset não mudar (para tudo) vamos continuar frágeis”, Malu Andrade, diretore da Coração da Selva, epresentante da sociedade civil e com experiência na criação de políticas públicas do audiovisual, ao Portal Exibidor.

"Muito importante a gente dizer que a Cinemateca não é um depósito de filmes, é algo muito maior do que isso. A gente tem ali registros de quem a gente é. Eu, por exemplo, só faço filmes porque antes de mim, muitas pessoas fizeram. E foi vendo esses filmes, dessas pessoas, que eu me tornei uma pessoa que faz filme. E a gente tem o registro ali de como as pessoas no Brasil falavam, gesticulavam, viviam, ao longo dos últimos 100 anos. E a Cinemateca está pedindo socorro há mais de um ano. Esses funcionários que foram demitidos também são um patrimônio, são frutos de muito investimento. Trabalhar em um acervo como esse, requer muito saber, muito conhecimento. Os filmes que estão ali pedem atenção constante. Eles precisam ser manipulados, precisam estar conservados em condições muito específica de temperatura, umidade, então é uma tragédia de proporções realmente gigantescas", Sandra Kogut, cineasta, em entrevista à GloboNews.

"O incêndio do galpão da CB é o resultado do desprezo e incompetência de um governo que veio para apagar a nossa memória coletiva, e não para preservá-la. Ao afastar o corpo técnico altamente especializado da CB, o governo criou as condições para essa tragédia anunciada. Esse desastre não é um incidente, e sim a consequência de uma política de estado. Uma Cinemateca guarda a memória visual de todo um país. É um bem público, que pertence a todos os brasileiros e não a um governo. Simbolicamente, o incêndio do galpão da Cinemateca Brasileira - e portanto da nossa memória coletiva - é como o incêndio das terras públicas na Amazônia. Um crime", cineasta Walter Salles, nas redes sociais.

"O incêndio na Cinemateca de São Paulo é um crime com a cultura do país. Desprezo pela arte e pela memória do Brasil dá nisso: a morte gradual da cultura nacional", João Dória, em comunicado.

"O incêndio na Cinemateca não é uma tragédia anunciada. É resultado do projeto bolsonarista de destruição nacional. É mais um retrato da degradação cultural, ambiental e moral promovida pelo governo. Bolsonaro é um inimigo do Brasil e tirá-lo do poder é questão de sobrevivência", Marcelo Freixo, deputado federal.

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