17 Junho 2021 | Renata Vomero
Selecionado em Cannes, "Deus é Mulher" fortalece importância da internacionalização das produções nacionais
Documentário de Bárbara Cunha participará do Docs in Progress no festival
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A 74ª edição do Festival de Cannes acontecerá, em formato presencial, de 6 a 17 de julho. Entre os filmes selecionados, estão títulos brasileiros e um deles é o documentário Deus é Mulher, de Bárbara Cunha. A produção fará parte do programa Docs in Progress, dando a oportunidade de encontrar parceiros internacionais de produção e comercialização para fortalecer a carreira do filme no Brasil e no exterior.
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O programa integra o laboratório Circle Doc Women Accelerator, parte do braço de negócios de Cannes, o Marché du Film, que reúne investidores, compradores e diversos players do mundo todo.
Deus é Mulher é dirigido e roteirizado por Bárbara Cunha e tem produção da 99 Produções, onde Cunha atua, em parceria com Chá Cinematográfico e Lira Filmes. O longa é uma coprodução com a Colômbia e a Estônia, além do Brasil.
O documentário conta a história de Alexya Salvadora, primeira pastora trans da América Latina, e sua luta pela democratização do direito à fé, principalmente em comunidades religiosas excluídas.
“Deus é Mulher é um documentário que estamos desenvolvendo, desde 2018, acompanhando nossa personagem Alexya Salvador, a primeira Reverenda trans da América Latina, que transita entre os papéis de mãe, esposa, professora, Reverenda e ativista transfeminista. Pretende mostrar essa mulher tão aguerrida em um país extremamente violento para a comunidade trans. Está sendo um processo longo, buscando uma narrativa ousada, com estética camp /queer. São muitas lutas para financiar um filme com esta temática. Mas também um processo rico de troca, afeto e empatia com Alexya, que generosamente nos deu a oportunidade de contribuir para que juntas possamos mostrar que a religião é um direito de todos”, comentou Bárbara Cunha ao Portal Exibidor.
A produção foi realizada também com apoio do fundo De Volta aos Sets, criado pelo Show Me The Fund, com aporte da Sony. Além disso, a seleção para o festival coloca o cinema brasileiro em evidência dentro de um mercado internacional, possibilitando abrir um caminho de parcerias com produtoras ou players internacionais que podem ser cruciais para a carreira do longa, tanto no Brasil, quanto em outros territórios.
“Participar do Festival de Cannes possibilita, em um primeiro momento, que nosso filme passe a existir para além de nossas fronteiras, ou seja, pessoas do mundo inteiro estão atentas à curadoria do evento e têm a possibilidade de conhecer este projeto. Ademais, o festival abre portas para parcerias, coproduções, agentes de vendas e fundos internacionais... O cinema brasileiro é uma potência reconhecida e celebrada no mundo inteiro. Estar nesses espaços, ainda mais sendo uma mulher, e trazendo um filme sobre uma mulher trans, em um recorte inédito, que mescla identidade de gênero e religião, é uma forma de dizer que estamos vivas, estamos produzindo, nós existimos, nosso cinema existe, somos resilientes e vamos atravessar este momento”, reforçou a cineasta
Ela ainda ressalta duas questões muito importantes sobre sua presença em Cannes e o impacto disso no mercado brasileiro. A primeira delas, mostra o quanto nosso cinema pode ser universal e tocar pessoas do mundo inteiro, principalmente o cinema independente e de autor, muito tachado como cinema de nicho.
Outra questão é de que quanto mais o mundo reconhece o talento do cinema brasileiro, que transborda, mais recursos, parcerias e visibilidade nossa indústria ganha, o que, naturalmente, acaba trazendo um retorno grandioso ao nosso país, principalmente em um momento em que o setor encontra grandes dificuldades.
“Quando internacionalizamos nossas produções, elas chegam a mais pessoas, são exibidas em mais cinemas, gerando mais renda, possibilitando parcerias para novos projetos e fortalecendo o mercado brasileiro. Sabemos que, nesse momento, em que os fundos e recursos estão escassos e as produções estão parcialmente estagnadas, isto é fundamental. Mais ainda para produtoras menores e descentralizadas. É um selo que sublinha nossas qualidades técnica e artística”, finalizou.
Deus é Mulher será apresentado entre os dias 8 e 11 de julhos no Festival de Cannes.
Confira a entrevista completa com Bárbara Cunha:
Como tem sido para você cada processo em torno do "Deus é Mulher"?
Deus é Mulher é um documentário que estamos desenvolvendo desde 2018, acompanhando nossa personagem Alexya Salvador, a primeira Reverenda trans da América Latina, que transita entre os papéis de mãe, esposa, professora, Reverenda e ativista transfeminista. Pretende mostrar essa mulher tão aguerrida em um país extremamente violento para a comunidade trans. Está sendo um processo longo, buscando uma narrativa ousada, com estética camp /queer. São muitas lutas para financiar um filme com esta temática. Mas também um processo rico de troca, afeto e empatia com Alexya, que generosamente nos deu a oportunidade de contribuir para que juntas possamos mostrar que a religião é um direito de todos.
Como se sente sendo selecionada para Cannes?
Ser selecionada para apresentar este projeto no Docs in Progress, no Festival de Cannes é, não apenas um privilégio, mas é antes de tudo uma oportunidade rara de mostrar nosso filme para a indústria cinematográfica do mundo, em uma curadoria deste Festival tão reconhecido e respeitado. É uma honra representar o Brasil e Pernambuco neste momento em que enfrentamos tantas dificuldades no setor, não apenas por conta da pandemia, mas também pela perseguição do presidente a grupos específicos, como as mulheres, as pessoas trans, a comunidade LGBTQ+, os artistas etc.
Qual é a importância de participar de um festival como este? E de que forma este tipo de iniciativa impulsiona o cinema nacional?
Participar do Festival de Cannes possibilita, em um primeiro momento, que nosso filme passe a existir para além de nossas fronteiras, ou seja, pessoas do mundo inteiro estão atentas à curadoria do evento e têm a possibilidade de conhecer este projeto. Ademais, o festival abre portas para parcerias, coproduções, agentes de vendas e fundos internacionais... O cinema brasileiro é uma potência reconhecida e celebrada no mundo inteiro. Estar nesses espaços, ainda mais sendo uma mulher, e trazendo um filme sobre uma mulher trans, em um recorte inédito, que mescla identidade de gênero e religião, é uma forma de dizer que estamos vivas, estamos produzindo, nós existimos, nosso cinema existe, somos resilientes e vamos atravessar este momento.
Como você enxerga a internacionalização das produções brasileiras e seu papel no desenvolvimento do nosso mercado? Qual a importância delas para a carreira dos filmes dentro e fora do país?
Tem uma frase atribuída a Tolstói que diz, "Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. Sinto que os filmes de autor que mais rompem fronteiras e são bem recebidos em festivais internacionais, e distribuídos em outros territórios, são filmes que ilustram esse ponto de vista. O perfil do espectador internacional que consome filmes como Deus é Mulher parece se interessar por histórias outras, que não as que ele já acessa no mainstream. Nosso filme, em um olhar mais raso, parece um filme de nicho. Mas quando somos selecionadas para um festival como Cannes, entendemos que a história que contamos é universal e tem potencial internacional. E quando internacionalizamos nossas produções, elas chegam a mais pessoas, são exibidas em mais cinemas, gerando mais renda, possibilitando parcerias para novos projetos e fortalecendo o mercado brasileiro. Sabemos que, nesse momento, em que os fundos e recursos estão escassos e as produções estão parcialmente estagnadas, isto é fundamental. Mais ainda para produtoras menores e descentralizadas. É um selo que sublinha nossas qualidades técnica e artística.
Quais são suas expectativas para o documentário e, claro, para o festival?
Minhas expectativas para Deus é Mulher são de conseguir o financiamento para podermos finalizar o filme e de firmar parcerias em Cannes. Meu desejo é que o mundo conheça Alexya Salvador, uma mulher que precisou se transformar, e transformou, assim, todo seu entorno. Na matéria da Variety, ela é citada como "bigger than life". E eu hei de concordar. Também espero poder apresentar o projeto para representantes de outros festivais e assim impulsionar a carreira do filme, dentro e fora do país. O desejo de quem faz filmes é que ele seja visto. Todo filme nasce com o olhar do seu público. É isso o que nos move.
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