27 Maio 2021 | Renata Vomero
Cruella: o apelo dos vilões e a importância de vermos outros ângulos de uma mesma história
História de origem da megera de 101 Dálmatas estreia hoje nos cinemas e streaming
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São 125 anos de cinema e nessa altura estamos mais do que habituados, senão condicionados, a buscar um vilão em cada história que assistimos. Afinal, se tem um mocinho, tem um vilão para impulsionar a sua trajetória. Mais do que isso, talvez o mocinho só exista porque se contrapõe a essa figura de índole e moral duvidosas.
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Fica óbvia, portanto, a importância destes antagonistas para movimentar as narrativas. Mas o mais interessante é que ao longo dos anos algumas dessas figuras foram gerando uma simpatia do público, quase uma sedução. Sim, nos apaixonamos pelos vilões.
“O vilão sempre teve um apelo muito forte por ter uma certa onda de mistério em torno dele, de querer entender o que foi que o levou a fazer aquilo, com histórias de origem. Ele é interessante, geralmente é um personagem que tem um charme, tem uma construção boa, não tem aquilo de lutar o tempo inteiro pelo bem. Muita gente acha o protagonista um pouco chato. Eles estão sempre na luta por algo, que acaba ficando sem um aprofundamento”, explicou Pedro Curi, coordenador do curso de cinema da ESPM RIO.
Muitos deles mexeram com o nosso imaginário e talvez um dos grandes marcos da vilania nos cinemas tenha sido a famosa Bruxa Má do Oeste, de O Mágico de Oz. Dali criamos toda uma simbologia que envolveria a figura da bruxa nas histórias, mas O Mágico de Oz também nos brindou anos mais tarde com Wicked, uma narrativa que mostraria o lado da personagem, dando mais profundidade a ela, mas também a todo o universo.
Wicked, primeiro em versão literária, depois sucesso da Broadway, pode ter se tornado também um marco nessas narrativas que mostram histórias já conhecidas, mas pelo olhar dos vilões, ou se aprofundando nestes personagens.
Darth Vader talvez esteja entre os exemplos mais emblemáticos dessa situação. Considerado o maior vilão da cultura pop, o personagem teve um arco de redenção na trilogia original de Star Wars – um elemento muitas vezes apaixonante para o público -, mas também ganhou um maior desenvolvimento nas prequels da saga, que tiveram quase como base a história de origem desta figura.
Fica claro o apelo dos vilões para o público, figuras que cativam pelo carisma, pelo charme e por serem falhos, coisas que muitas vezes os heróis não são, o que os distanciam da gente. Não é à toa, por exemplo, que entre os cinco maiores vilões da história do cinema, segundo categorização do American Film Institute, todos eles já tenham ganhado alguma história derivada se aprofundando em sua origem, são eles: Hannibal Lecter (O Silêncio dos Inocentes), Norman Bates (Psicose), Darth Vader (Star Wars), Bruxa Má do Oeste (O Mágico de Oz) e Enfermeira Ratched (Um Estranho no Ninho).
O apelo além de emotivo, também é comercial, claro. A história de origem de Coringa (Warner) rendeu ao filme não só importantes prêmios, como o Festival de Veneza e o Oscar, como uma bilheteria bilionária a um filme classificado para maiores de idade.
Inclusive, o filme traz ao público a possibilidade de ter um olhar mais humanizado para este vilão tão memorável – possivelmente entre os mais conhecidos – mas tão pouco explorado neste sentido. Ele não deixará de ser o Coringa, uma pessoa questionável, mas começa a ganhar mais robustez na medida que conhecemos sua história e um olhar mais carinhoso nosso.
É provavelmente o que acontece em Cruella, uma das icônicas vilãs da Disney, conhecida por querer matar filhotes de dálmatas para fazer casacos de pele em 101 Dálmatas. Mas tem uma razão para ela ter se tornado esta pessoa, má, claro, mas ela não chegou ali sozinha e nem à toa.
“É inegável que a Cruella quer matar cachorrinhos, mas a ideia não é fazer a gente aceitar isso, é entender a razão disso. Ao menos conseguimos ter mais empatia, consigo continuar achando errado, mas entendo mais”, reforça Curi.
E ele diz uma palavra-chave: empatia. Fomos tão condicionados a ver tudo por um aspecto dicotômico, que nosso olhar pode ter ficado viciado no nós e eles. O que torna algumas histórias mais rasas e moralizantes, sem contar em como isso influencia nossa visão de mundo. Quem são os vilões de nossas histórias? Será que somos os vilões da história de alguém?
“A grande questão e o grande problema da narrativa clássica é a moralidade e elas são baseadas nisso. O mocinho é só bom, o vilão é só mau. Quando você começa a questionar isso, você vê que o mocinho não é só bom e o vilão não é só mal. Essas são histórias mais complexas e interessantes, o problema é quando você simplesmente inverte a moralidade, transforma o outro lado no vilão e o novo no mocinho, continua com uma lógica dicotômica”, complementa Pedro.
É nisso que entra a forte importância de mais narrativas que mostrem outros lados e se aprofundem em outras histórias, dando voz a personagens que ficaram marcados como maldosos, sem ao menos entendermos como ele chegou ali.
Há dois pontos muito relevantes e que fortalecem este momento, um deles é de que agora estamos expostos a mais histórias de um mesmo universo, com a força de grandes franquias nos cinemas, assim como as séries na televisão e no streaming. Tudo isso abre mais espaço para que as mesmas histórias sejam exploradas de ângulos diferentes.
Outra questão que surge aí que também é muito importante é o retrato de heróis agora também com maior humanidade. Afinal, eles sempre estiveram em um lugar de perfeição, quase intocáveis. A Marvel explorou isso de forma interessante em Capitão América: Guerra Civil (Disney), colocando dois times de heróis em posições antagonistas. O próprio Batman sempre levanta essa discussão, que deve se fortalecer mais no novo filme. As séries também estão ajudando a desconstruir este mito da perfeição. Tudo isso colabora e muito para que se crie essa área cinzenta que se encontra a personalidade humana. E estamos muito mais interessados nessas narrativas, agora, e também em nos vermos na telona
“Quando você começa a ter heróis que são mais falhos, você começa a entender que tem outro lado, que tem mais de uma verdade. O uso da narrativa serializada é importante para quebrar isso, com ideia de que só tem uma versão. É importante olhar mesmo para quem a gente discorda, entender. Ao invés de dar uma moral de ser certo ou errado, dá uma moral de olhar para o outro lado. Continua sendo moralizante, mas ao invés de impor uma moral, sugerir que você olhe para uma nova versão”, finalizou Pedro.
Quem sabe em alguns anos a gente consiga encontrar fora da ficção esse olhar mais humanizado, mais gentil e menos radical uns aos outros.
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