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15 Março 2021 | Ylla Gomes

Solidariedade

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(Foto: Exibidor)

Por Ylla Gomes

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Enquanto escrevo esse texto na segunda semana de março de 2021 acompanho com tristeza o drama vivido por milhares de brasileiros, enfrentamos a pior semana de todos os tempos, pessoas adoecendo e morrendo numa média diária assustadora. Precisamos urgentemente falar de solidariedade, que é esse “compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas às outras e cada uma delas a todas.” Diversos sociólogos ao longo do século XX trataram da solidariedade não como valor moral, mas como aspecto fundante da vida social, a consciência coletiva que promove a coesão entre os indivíduos. Se hoje significa empatia pela vida, outrora esse sentimento teria importância na organização da sociedade e na divisão do trabalho.

Ao lado da solidariedade temos a responsabilidade social e o desenvolvimento sustentável, em um país tão desigual quanto o Brasil precisamos pautar nossas ações a partir desses conceitos. Refletindo sobre o que aconteceu nesses dois últimos anos e da forma que fomos atacados coletivamente, a solução parece bem mais distante do que a realidade desses ataques, que têm como estratégia base a desinformação gerando dúvidas e suscitando questionamentos sobre determinada atividade, propositadamente abordando questões relacionadas às finanças das atividades culturais (incentivos, fomento e investimentos), exemplo disso foram incontáveis ataques à Lei Rouanet, segundo Ilona Szabó “É consenso que a disseminação de desinformação por meio das mídias sociais é hoje uma das maiores ameaças à democracia e aos direitos humanos. A discussão sobre como separar a liberdade de expressão de crimes contra a honra, difamação e promoção da desordem e do caos se faz fundamental e urgente.”

Custa-nos ver que o desmonte da cultura vai mais uma vez na contramão do mundo, enquanto a ONU declarou 2021 como “Ano Internacional da Economia Criativa para o Desenvolvimento Sustentável”, segundo a diretora-geral da UNESCO Audrey Azoulay “A recuperação que se aproxima determinará quem nós seremos nos próximos anos. A cultura não pode ser esquecida nos planos nacionais, porque não haverá recuperação econômica sem cultura.” A economia criativa foi um dos setores que cresceu mais rápido na economia mundial em função de seu poder transformador de geração de renda, empregos e exportações. Consta ainda no relatório da Unesco que “Se bem nutrida, a economia criativa pode ser uma fonte de transformação econômica estrutural, progresso socioeconômico, criação de empregos e inovação. Ao mesmo tempo, contribui para a inclusão social e o desenvolvimento humano sustentável.”

Ainda no ano de 2019 fomos surpreendidos com a desconstituição de todos os conselhos que envolviam esferas governamentais e representantes da sociedade civil. Lembro que momentaneamente chegamos a discutir se o Conselho Superior de Cinema e o Comitê Gestor seriam diretamente impactados com a decisão do governo. Tão logo que os responsáveis perceberam que não poderiam desconstituir esses conselhos, uma vez que ambos estavam ancorados na lei, optaram por uma solução diversa, para assumir o controle sobre os conselhos realocando-os e reformando a estrutura, retirando a paridade. Revogaram o decreto de nomeação (ato jurídico perfeito) para impor a nova organização, e por consequente, levando toda àquela morosidade que acompanhamos na nomeação e na convocação de ambos.

Começava o processo de fechamento do espaço público, “ é mais fácil de descrever do que definir o fechamento do espaço cívico. Essa dificuldade é compreensível, uma vez que diferentes entidades e indivíduos estão passando por um ‘fechamento’ de maneira diferente. Em alguns casos grupos, são afetados por medidas legais destinadas a restringir, interromper ou eliminar a ação cívica. Em outros, sofrem obstruções extralegais ou ilegais, entre as quais incluem coerção, censura, intimidação e até violência física. Essas estratégias legais, ilegais e extralegais corroem a capacidade das organizações da sociedade civil, e por vezes também da mídia independente, de exercer sua legítima pressão para que governos mantenham o foco na ampliação do bem-estar das populações e na oferta de bens públicos, de maneira responsável, transparente e democrática.” (Szabo, Ilona)

Outra estratégia adotada para o esgarçamento das relações foram as restrições de financiamentos público e privado, nacional ou internacional, por meio de “medidas administrativas e atividades extralegais coordenadas pelo governo” sob a justificativa de que eram necessárias medidas mais austeras de controle. Surgiram umas série de mudanças foram requisitadas sob o argumento de falta de transparência, questionando práticas consolidadas a anos. 

Se por parte do governo há um descaso completo com o setor cultural, nas suas mais variadas expressões, a permanência no isolamento somente foi possível pela atual forma de acesso a arte e cultura. No lado da sociedade civil temos acompanhado com orgulho a iniciativa de diversos agentes na promoção da solidariedade, desde a organização de distribuição de recursos entre artistas e trabalhadores da cultura, até a movimentação de grandes entidades na representação e defesa de seus associados e da política pública.

Deixo algumas referências para a reflexão, espero uma semana mais solidária. Se puderem fiquem em casa.

Abraço,

Ylla Gomes, brasiliense, antropóloga, estudou Direito no UniCEUB e Direito Constitucional Público no IDP, trabalhou no projeto PADOS da BrasilTelecom, tem uma empresa e produz filmes. Faz parte do grupo +MULHERES lideranças no audiovisual brasileiro e sofre com a saudade de um set

Referências

Economia da cultura http://cultura.gov.br/a-economia-da-cultura-e-o-desenvolvimento-do-brasil/

https://brasil.un.org/pt-br/111352-unesco-financia-iniciativas-da-industria-criativa-e-pede-inclusao-da-cultura-nos-planos-de

Szabó, Ilona. A defesa do espaço cívico – 1ª ed. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2020.

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