09 Dezembro 2020 | Renata Vomero
Henry Jenkins fala sobre o papel dos fãs para as franquias de cinema
Pesquisador é um dos convidados do Workshop Internacional Escola de Séries
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Dando continuidade à serie de reportagens especiais da semana de Workshop Internacional Escola de Séries, que oferece masterclasses até 11 de dezembro e sessões de pitching até semana que vem, hoje o Portal Exibidor traz uma entrevista com Henry Jenkins, que participará de painel falando sobre a indústria de Hollywood, a qual ele estuda há tantos anos sob a perspectiva do crossmídia e do papel dos fãs. Sua mesa é hoje (9), das 19h às 20h.
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Autor do aclamado “Cultura da Convergência”, Henry Jenkins foi um dos primeiros estudiosos de mídia a analisar e compreender o papel do fã no entretenimento, principalmente para sagas e franquias, sejam elas de cinema, de televisão, game ou literatura. Ali, ele usou o termo “cultura participativa” e a internet teria papel central nessa inclusão do admirador.
Sua teoria explica que toda franquia tem um produto central, chamado por Hollywood de “Mothership”, ou nave-mãe. Por isso, perguntamos a ele sobre o papel do cinema no mundo transmídia e Jenkins cravou que esta é constantemente a principal mídia das franquias. No entanto, ele chama a atenção para algo interessante que está acontecendo em uma das - senão a - principal marca crossmedia do momento: a Marvel.
“Onde está o centro do universo Marvel? É a grande biblioteca de quadrinhos que remonta ao início dos anos 1960 ou, para alguns personagens, os anos 1940? É um longa-metragem e, em caso afirmativo, que filme, dada a forma como o universo cinematográfico da Marvel se desdobra em tantos filmes baseados em personagens individuais? É talvez os títulos dos Vingadores, onde todos esses personagens se reúnem? Ou serão as próximas séries de televisão vistas como o pilar do futuro sucesso do Disney+?”, ele questiona.
Dito isso, podemos confirmar ainda mais a importância das comunidades de fãs, ou os chamados fandoms, para garantir a durabilidade e sucesso dessas narrativas. Começando por um dado apontado pelo próprio Jenkins, mostrando que cada fã médio é responsável por levar cerca de 20 pessoas para assistirem ao produto, normalmente no cinema. Isso gera um impacto nas rodas de conversas e redes sociais que têm papel fundamental para o crescimento dessas franquias. É o chamado boca a boca, essencial para qualquer estratégia de divulgação. Inclusive, não é à toa que as equipes de marketing dos estúdios estão sempre acompanhando o chamado “tracking”, que analisa o quanto aquele produto foi citado, procurado e repercutido nas redes. O público, sim, se tornou de grande valor para os responsáveis por esses grandes títulos do entretenimento, inclusive, são eles os responsáveis pelas grandes vendas de bilheteria, agora explodindo na casa dos bilhões.
No entanto, há aí uma pequena armadilha apontada pelo comunicador: “Dada essa ênfase no valor econômico do envolvimento dos fãs, o risco é que os produtores comecem a criar mídia exclusivamente para esses grupos, criando mundos de histórias que são tão densos que dependem da familiaridade do público com histórias de origem cada vez mais elaboradas em vez de reconhecer que o sucesso de bilheteria baseia-se na interseção entre fãs e um público mais generalizado que tem uma relação mais casual com esse conteúdo”. É o que vemos ainda muitas vezes nesse gigantesco universo de super-heróis, em que a Marvel aposta em filmes mais abrangentes e para a família. Já a DC patinou em títulos voltados a nichos específicos de consumidores, conseguindo sucesso em algo mais abrangente e fora do que parte de seu público gostaria em Mulher-Maravilha, talvez agora o carro-chefe da DC nos cinemas".
E tudo isso nos leva a grande pergunta, dada a importância dos fãs para o fortalecimento das histórias e sendo o cinema um dos principais espaços de união física para que estas sejam consumidas, como fica essa cultura em meio à pandemia? Bom, a resposta já está no desenrolar desta matéria, fica na rede, na internet. Mas, para Jenkins, esse é justamente o público que vai ter papel essencial na volta ao cinema, que agora estará caminhando lado a lado com diferentes formas de mídia, que se completarão e não se anularão, como muitos imaginam.
“Quando os cinemas reabrirem, os fãs serão os primeiros a entrar nas salas e podem desempenhar papéis cruciais em persuadir seus familiares a sair do isolamento de suas salas de televisão”, finaliza o intelectual.
Leia a entrevista na íntegra:
Qual é o papel do cinema no universo crossmedia?
O cinema frequentemente desempenha O papel central em muitas das franquias transmídia que estudo. Hollywood usa o termo "nave-mãe" para se referir ao aspecto mais importante da série, seja um filme, uma série de televisão ou um videogame em torno do qual as outras extensões de mídia são organizadas. Eles fazem o orçamento presumindo que essas outras mídias ajudam a aumentar o valor da principal. Essas relações estão cada vez mais complexas. Onde está o centro do universo Marvel? É a grande biblioteca de quadrinhos que remonta ao início dos anos 1960 ou, para alguns personagens, os anos 1940? É um longa-metragem e, em caso afirmativo, que filme, dada a forma como o universo cinematográfico da Marvel se desdobra em tantos filmes baseados em personagens individuais? É talvez os títulos dos Vingadores onde todos esses personagens se reúnem? Ou serão as próximas séries de televisão vistas como a pedra angular do futuro sucesso do Disney+? A "nave-mãe" é o texto de onde emerge o mundo da história e a vaca leiteira que garante a viabilidade a longo prazo da franquia. Em diferentes momentos, qualquer um desses textos poderia ser descrito como desempenhando essas funções para o universo Marvel.
Qual o papel das comunidades de fãs no fortalecimento de séries e franquias?
Os fãs representam os apoiadores mais radicais de uma franquia de filme ou série de televisão. Em um momento de diminuição da lealdade do espectador, eles são os que sintonizam toda semana; são eles que falam sobre isso nas redes sociais; eles são os que mais se preocupam em manter a franquia viva. Os pesquisadores sugerem que o fã médio traz 20 ou mais outras pessoas - membros da família, amigos do trabalho, colegas de apartamento - para uma série, lembrando-os quando ela está voltando ao ar, convidando-os para assistirem juntos e moldando as conversas para que elas girem em torno dessas escolhas de consumo de mídia compartilhada. Os fãs estão lá, escrevendo histórias, criando mídias de fãs, mantendo o interesse nos personagens e no mundo da história para que ainda haja pessoas se engajando com a série, enquanto a franquia pode estar em um período de descanso, até que o estúdio esteja pronto para voltar a este conteúdo novamente. Os principais produtores de mídia passaram a ver o envolvimento dos fãs como a moeda principal que molda o sucesso ou o fracasso de qualquer propriedade de mídia hoje.
Como o cinema se beneficia desses grupos e como é negativamente impactado? São essas comunidades as principais responsáveis pelas bilheterias? Como o cinema pode ter se tornado refém disto?
Dada essa ênfase no valor econômico do envolvimento dos fãs, o risco é que os produtores comecem a criar mídia exclusivamente para os fãs, criando mundos de histórias que são tão densos que dependem da familiaridade do público com histórias de origem cada vez mais elaboradas em vez de reconhecer que o sucesso de bilheteria baseia-se na interseção entre fãs e um público mais generalizado que tem uma relação mais casual com esse conteúdo. Podemos comparar a Marvel, que produziu um sucesso de bilheteria após o outro, e a DC/Warner, que geralmente fica em dívida com um pequeno segmento de seus fãs (nem mesmo com seu fandom como um todo). Esses são fãs hardcore, em sua maioria do sexo masculino, que insistem nas tendências mais sombrias que moldaram o Batman nos anos 1980, e que agora exigem o corte de Snyder. Nos quadrinhos, a DC está aprendendo a sustentar várias gerações de fãs com gostos e interesses diferentes e, aos poucos, reconhecendo o papel crescente das consumidoras no mercado de quadrinhos, onde a DC ampliou suas ofertas de filmes com os filmes da Mulher-Maravilha, eles tiveram um sucesso de bilheteria muito maior do que quando permaneceram com o tom sombrio e monótono do Batman dos anos 80. Quando eles permitem que outros autores distintos participem, como no caso do Coringa, eles obtêm maior sucesso crítico. Mas, enquanto isso, a Marvel está equilibrando os interesses dos fãs e do público em geral para sustentar sua série filme após filme, permitindo espaço para criadores distintos e de gêneros alternativos para continuar inovando dentro da fórmula.
Como essas comunidades foram impactadas pelas proibições de ir ao cinema na pandemia?
Suponha que tenhamos um experimento mental em que a mídia de massa mais poderosa fosse fechada por um ano ou mais e onde as indústrias americanas de mídia abrissem mão de sua vantagem técnica no mercado global. Como isso mudaria nossas relações com a mídia? Isso é o que a pandemia significou para as indústrias do setor. O cinema foi substituído pelo streaming, com certeza, e aproveitou esse momento para experimentar formas alternativas de lançar filmes. Mas o público também está se envolvendo com formas mais participativas, como TikToK, Twitch etc., que aumentaram drasticamente o número de seguidores durante o mesmo período. Os filmes estão chegando em streaming, mas não têm o mesmo impacto cultural, porque não estão impulsionando a conversa na mídia e precisam do boca a boca dos fãs para atrair o público na ausência de grandes campanhas publicitárias. A Netflix aumentou suas coproduções internacionais e a escassez de novos conteúdos fez com que mais americanos experimentem telenovelas, dramas policiais dinamarqueses, reality shows indianos, animação japonesa e similares. E, ao mesmo tempo, mais televisão está sendo produzida usando o Zoom, que carece dos valores de produção que historicamente deram à mídia americana uma vantagem no mercado global. Aqui, novamente, os fãs desempenharão um papel central no aumento da consciência dessas novas formas de conteúdo, novos gêneros de entretenimento. Quando os cinemas reabrirem, os fãs serão os primeiros a entrar no cinema e podem desempenhar papéis cruciais em persuadir seus familiares a sair do sigilo de suas salas de televisão.
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