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21 Outubro 2020 | Fernanda Mendes

Me formei em cinema, e agora?

Professores e profissionais da indústria falam sobre os desafios em adentrar o mercado audiovisual

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(Foto: iStock)

Um ponto que tem sido bastante abordado nos últimos tempos pelo mercado audiovisual é a melhora na capacitação dos profissionais do setor no sentido mercadológico da sua formação. Fazer um filme, uma série ou um programa de TV. Não basta produzir, é necessário que este produto chegue aos espectadores.

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Com quase 60 anos de história, a graduação em cinema no Brasil segue se aprimorando cada vez mais, inclusive com um fórum todo voltado para discutir isso, o FORCINE (Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual), com o último congresso tendo acontecido em setembro.  

Em entrevista ao Portal Exibidor, Humberto Neiva, coordenador da graduação em Cinema pela FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), contou que o curso se modificou bastante ao longo dos últimos quatro anos, quando assumiu a gestão. Neiva também é programador do Espaço Itaú de Cinema e, por isso, trouxe essa visão de fora da academia para os alunos. “A minha luta é mostrar para o aluno que há um mercado cruel lá fora e que ele tem que sobreviver. Na FAAP criamos uma disciplina que chama ‘Exibição e Distribuição’, para mostrar quem é quem no setor, para entenderem o mercado e qual a importância desses elementos na cadeia do audiovisual. Trazemos a questão de venda do filme, falamos sobre o networking em festivais, sobre o marketing e a assessoria de imprensa para o lançamento de um título e, além disso, a partir do quinto semestre simulamos pitchings. Então temos um pensamento de mercado”.

No curso de Cinema e Audiovisual da ESPM Rio, Pedro Curi, coordenador da graduação, também observa que a formação do aluno precisa ser baseada em um tripé: linguagem, tecnologia e dimensão do negócio. Segundo o professor, os três pontos estão interligados e influenciam muito um ao outro. “Há roteiristas que querem criar com toda liberdade do mundo e escrevem um filme que se passa em 15 locações diferentes. A criação tem que estar associada à viabilidade daquele projeto, então ter uma cabeça de negócios não é pensar em negócios literalmente, é pensar em viabilidade do negócio. Não posso pensar em um filme de R$ 15 milhões se o mercado brasileiro não tem essa estrutura”.

Apesar do trabalho em abrir a mente dos alunos para a questão comercial de se fazer cinema, Neiva lamenta que muitos não estão interessados neste assunto durante a graduação e, infelizmente, “batem com a cabeça” quando chegam no mercado.

O cineasta Helio Martins Jr. viu essa dificuldade de encarar o mercado audiovisual de perto quando finalizou seu primeiro longa, Invasão, em 2014, com distribuição da Elo Company. “Como cineasta iniciante pensei ‘o pior já passou’, entenda-se por ‘pior’ uma produção de guerrilha, feita com recursos próprios, economia criativa, colaboração e muito, muito trabalho. Mal sabia que era apenas o início de uma jornada. Afinal um filme que não chega ao público, não é um filme”.

Formado em Publicidade pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Martins fez diversos cursos livres sobre cinema e produção, inclindo na New York Film Academy. No entanto, se deparou com desafios que vão além de fazer um longa. “Vejo pessoas que fizeram ótimas faculdades e não tem noção nenhuma, não tem nem mesmo um longa. Porque têm ideias muito boas, mas não conseguem se encaixar nesse mercado. Os profissionais que vejo têm bastante noção das questões técnicas de como se fazer um filme, mas acho que falta a percepção dessa cadeia toda, querendo ou não podemos dividir o cinema autoral - sem compromisso com o mercado -, com aqueles que querem ser vistos e participar desse conglomerado, não precisa ser um filme pipoca, mas o diretor quer que seu filme chegue ao público”.

Com um mundo cada vez mais audiovisual, as possibilidades de criação e de janelas para que o produto alcance os espectadores são infinitas e, por isso mesmo, o coordenador do curso da FAAP acredita que as faculdades precisam ultrapassar o foco apenas na janela cinema, trazendo conhecimento para os alunos em diversos produtos como games, séries, reality shows, etc. “Temos que preparar o aluno para esse mercado híbrido, cheio de possibilidades, e que é ele quem fará conteúdo para tudo isso. Quando acabar a pandemia, o mercado vai aquecer novamente e os profissionais precisam transitar por vários tipos de plataformas”.

Da ponte para cá

Se de um lado, os profissionais recém-formados precisam entender e se aprofundar mais no mercado, do outro, também há a necessidade das marcas e empresas fazerem uma conexão maior com esses formandos.

Martins lamenta a falta de interesse por parte das marcas em contribuírem com os projetos audiovisuais. “Você chega com um projeto aprovado em lei que só falta captar recursos e a empresa te trata como se fosse um favor, não te trata como um parceiro. Eles precisam entender que a marca em um filme é uma publicidade eterna, porque o filme tem vida infinita”.

Neste desafio que também entra a importância da capacitação em audiovisual para que os profissionais pensem em maneiras de viabilizar um produto se conectando com as marcas e ocupando as diversas janelas que hoje o mercado oferece. “Com o desmonte dos mecanismos de financiamento pelo governo, vemos que cada vez mais as pessoas estão olhando para a importância das políticas públicas para o processo de descentralização da produção no Brasil. Mas, hoje com o atual cenário, entram até mesmo as distribuidoras na jogada que vão correr atrás de produção de qualidade, então não será mais uma questão de linguagem, é preciso pensar em projetos mais complexos que ocuparão diferentes plataformas. Vemos filmes de diretores consagrados sendo lançados direto em serviço de streaming, então é muito mais que só fazer o filme”, explica o coordenador do curso da ESPM Rio.

Neiva ressalta que os players precisam se aproximar mais dos formandos, entenderem essas gerações que estão chegando no mercado. “Poderia ser muito mais interessante as produtoras de conteúdo, os players entenderem que egressos são esses, quem são esses alunos que saem do mercado. Falta essa volta. Os players precisam conhecer as academias até para a gente saber se estamos preparando bem os alunos ou não. Explicar para nós como precisam do perfil dos profissionais”.

Para seu próximo filme, Martins pretende aprimorar o processo de criação. “Se você amarra a cadeia inteira, a tendência é seu filme ser bem mais aceito, desde a pré-produção até a distribuição. Meu próximo filme terá um processo mais profissional. O primeiro fiz da minha cabeça”.

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