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11 Março 2020 | Fernanda Mendes

Roteirista do Porta dos Fundos analisa presença da mulher no audiovisual

Manuela Cantuária concedeu entrevista ao Portal Exibidor

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(Foto: Bruno Baketa)

No mês da mulher, o canal Porta dos Fundos, que acumula 16,3 milhões de inscritos no YouTube, está lançando aos sábados esquetes apenas com roteiros feitos por mulheres. Uma dessas autoras é Manuela Cantuária que trabalha com o desenvolvimento e roteiro de projetos para TV, cinema e internet. No cinema foi corroteirista do longa Cedo Demais, com direção de José Lavigne, e assistente de roteiro do filme Palavras Queimadas, de Ruy Guerra. Na TV podemos assistir a episódios de sua autoria nas séries Escola de Gênios, do Gloob e A Garota da Moto, do SBT.

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A ação do Porta dos Fundos é bastante importante para reafirmar a presença da mulher no audiovisual, não só na frente das câmeras como também efetivamente na parte criativa e técnica. Em entrevista ao Portal Exibidor, Manuela falou justamente sobre esse assunto, já que a questão de espaço igualitário ainda demanda debates e está longe, infelizmente, ser totalmente alcançado. “Tive a sorte de conhecer a admirar roteiristas mulheres incríveis, inclusive em cargos de liderança. Hoje temos uma rede de apoio que troca informações, conhecimento e experiências e tenho orgulho de nossas conquistas." No último sábado, dia 7, a esquete de Manuela foi ao ar no canal do Porta dos Fundos. Intitulado “Poliamor”, o vídeo aborda assuntos pouco explorados, como a masturbação feminina e as novas formas de se relacionar afetivamente. (Vídeo abaixo)

Antes a diversidade e a representatividade eram uma “tendência”, mas hoje já podemos falar que é uma necessidade pulsante. Cada vez mais o público cobra a presença de personagens diferentes do padrão e estão mais exigentes quanto a um retrato realista dessas vozes que sempre foram silenciadas.

“As mulheres querem se sentir representadas, não querem perder tempo e dinheiro com filmes e séries em que as personagens femininas são estereotipadas e/ou irrelevantes”, afirma Manuela. Confira a entrevista na íntegra com a roteirista.

- Você tem vasta experiência no mercado audiovisual, em diversas plataformas. Como você avalia que era a presença feminina na época em que começou neste mercado e como está agora?

Quando comecei a trabalhar, já havia uma certa cobrança interna e externa das equipes de ter uma sala de roteiro mais diversa nesse sentido, mas as soluções encontradas na época ainda eram bem cosméticas. Mais mulheres começavam a ser contratadas, mas nunca em cargos de chefia, com muita dificuldade para se fazer ouvir, e ganhando menos que os colegas homens. Claro que essa iniciativa é fundamental e beneficiou um monte de profissionais como eu, mas a gente acaba se cobrando em dobro para mostrar que merecemos espaço pelo nosso talento, independente do gênero. Ao longo desses trabalhos, tive a sorte de conhecer a admirar roteiristas mulheres incríveis, inclusive em cargos de liderança. Hoje temos uma rede de apoio que troca informações, conhecimento e experiências e tenho orgulho de nossas conquistas, ainda que falte um longo caminho a ser percorrido.  

- Como você acredita que a presença feminina pode melhorar no audiovisual brasileiro e como você vê o futuro neste sentido? 

Do ponto de vista mercadológico, projetos com mulheres na equipe, especialmente em cargos criativos e de chefia, têm o potencial de gerar a identificação de um público mais amplo. Afinal, somos 51% da população brasileira. As mulheres querem se sentir representadas, não querem perder tempo e dinheiro com filmes e séries em que as personagens femininas são estereotipadas e/ou irrelevantes. Dissolver as panelinhas de homens brancos que dominam o audiovisual é abrir espaço para mais profissionais competentes e permitir que novas histórias conquistem novos públicos. 

- Qual a importância da presença feminina nos conteúdos audiovisuais? 

A mesma importância da presença negra, da presença LGTBQ+. Estamos falando de histórias e de pessoas que foram e ainda são silenciadas. Não podemos subestimar o poder da narrativa como agente de mudanças, ainda mais em um país como o Brasil, com altas taxas de feminicídio, extermínio da população negra, crimes de homofobia. Não estou dizendo que todo filme ou série com presença e protagonismo feminino, negro ou gay precise abordar essas questões. Mas o simples fato de estarem acessíveis ao público já garante a visibilidade de uma fatia da população que sempre foi alvo de preconceitos.  

- No Porta dos Fundos como essa questão da diversidade é trabalhada? 

Nesses dois anos trabalhando no Porta, fico feliz em perceber uma equipe de roteiro cada vez mais diversa. Como o humor do Porta é essencialmente crítico, essas questões sempre estiveram presentes nas discussões e roteiros, e agora vem sendo abordadas com mais profundidade, por roteiristas que também vivem essas situações na pele. Fora que existe uma preocupação constante, de todos, de não perpetuar estereótipos, de rir do opressor e não do oprimido, de fazer piada com assuntos sérios sem perder a graça jamais. 

- Quais são suas referências femininas no cinema? 

No Brasil venho acompanhando o trabalho das cineastas Juliana Rojas, de "Trabalhar Cansa" e "Boas Maneiras", e Carol Rodrigues, de "A Boneca e o Silêncio" e "Criadas". Também sou fã dos filmes da Nadine Labaki, Miranda July e Greta Gerwig. Assisti recentemente "Retrato de Uma Jovem Em Chamas" da Céline Sciamma, que me impactou bastante. Sei que a pergunta é voltada para o cinema, mas, no caso da dramaturgia televisiva, não posso deixar de citar minhas duas maiores referências: Fernanda Young e Phoebe Waller-Bridge.  

- Por fim, você tem algum recado para dar ao mercado?

O showrunner da adaptação de Handmaid's Tale, o romance distópico feminista criado por Margaret Atwood, é um homem branco. Pode parecer exagero do que hoje chamamos de pauta identitária, mas quando uma mulher assiste à série, isso acaba ficando evidente e afeta o impacto do projeto como um todo. Trago esse exemplo para deixar um questionamento ao mercado: De que adianta contar uma história se não estamos dispostos a aprender com ela?  

 

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