28 Fevereiro 2020 | Renata Vomero

Diretor de "A Vida Invisível" fala sobre seu novo filme

"Nardjes A." foi selecionado para o Festival de Berlim

O Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale) teve início no dia 20 e esta edição se tornou a maior participação do Brasil na história do festival, com 19 filmes selecionados. Entre eles, há Nardjes A., documentário de Karim Aïnouz que faz parte da mostra Panorama, uma das principais de Berlinale.

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A produção conta a história de Nardjes, uma jovem ativista que faz parte da Harik (movimento de protestos que tomou conta da vida política na Argélia desde o início de 2019 contra a apresentação da 5ª candidatura do então presidente Bouteflika). Para tal, Karim usou um smartfone para filmar um dia na vida desta jovem. A gravação foi feita no dia 8 de março de 2019, Dia Internacional da Mulher.

Filho de Argelino, Karim foi ao país para as filmagens de Argelino por Acaso, que conta a história de amor de seus pais. Chegando na Argélia, se deparou com a brutal atmosfera política na região, com as ruas tomadas pelos jovens em busca de um futuro melhor.

Desta forma, nasceu Nardjes A., filme que sucede A Vida Invisível (Sony/Vitrine), ganhador da Mostra Um Certo Olhar em Cannes (2019) e nosso escolhido para representar o Brasil no Oscar. O documentário terá sua estreia mundial em Berlim, mas deve seguir em outros festivais até chegar no Brasil, ainda sem data para estrear.

Nardjes A. é uma coprodução entre Alemanha (Watchmen Productions), França (MPM Film), Argélia (Show Guest Entertainment), Brasil (CINEMA Inflamável), e Qatar (Instituto de Cinema de Doha), coproduzido pelo Canal Brasil. 

Confira a conversa que tivemos com o diretor sobre o processo de desenvolvimento do documentário, suas expectativas para a Berlinale, o impacto de Nardjes A. nos jovens brasileiros e seu olhar sobre o mercado de cinema do Brasil em 2020.

Qual é sua relação pessoal com o filme, qual seu sentimento sobre a obra?

Esta foi minha primeira viagem à Argélia, país de origem de meu pai, que eu só conhecia por nome e foto, mas que sempre habitou a minha imaginação como algo muito familiar mesmo que distante. Eu estava lá para a pré-produção de um projeto muito pessoal,Agelino por Acaso, um filme sobre como se deu a improvável história de amor dos meus pais, o filme que sempre sonhei fazer. Chegar à Argélia no início de 2019 foi absolutamente brutal. Argel [capital da Argélia] estava eletrizada em torno de uma atmosfera de luta e esperança. De repente, filmar Nardjes A. surgiu como algo vital. Este é um filme urgente. O barulho das ruas e a agitação da cidade ocupada por uma juventude febril me convenceram de que durante aquelas 24 horas não havia nada mais importante a ser retratado: Argel estava em ebulição.

O filme, assim como “A Vida Invisível”, passa pela perspectiva feminina. Qual a importância de levar esse olhar para o cinema? 

Eu entendo o cinema como um instrumento de luta política. Uma protagonista, neste contexto, carrega a ocupação desse espaço na tela, no imaginário dos espectadores. Dito isto, nosso encontro com a Nardjes foi fortuito - foi uma feliz coincidência encontrá-la. Naquele momento o mais importante para mim era trazer uma perspectiva profundamente humana, menos jornalística, mais subjetiva.

Para você, como está sendo lançar o longa no Festival de Berlim? Qual a importância disso?

A oportunidade de lançar Nardjes A. a um público como o da Berlinale é algo enorme. Não digo que é como colocar a voz da juventude argelina em marcha em um alto falante, porque isso seria pretensioso, mas sem dúvidas é algo que pode reverter positivamente para quem está por lá indo paras as ruas. Nardjes A. foi um filme que nasceu de uma urgência, ele foi concebido e realizado praticamente naquelas 24 horas em que acompanhamos Nardjes pelas ruas de Argel. É sem dúvida um documento político, mas também mais que isso, ele é um retrato de uma juventude que urge por um futuro, e para mim, não há nada mais urgente hoje que esse sentimento. E a Berlinale é um Festival marcado pela renovação, irreverência e urgência política - então acho que o DNA do filme e do Festival estão em sincronia. Além de ser uma grande vitrine do cinema mundial e uma singular oportunidade de jogar luz no que acontece na Argélia agora. O jogo não está ganho, por isto esta vitrine neste momento é importante.

Quais são as suas expectativas para o filme em outros festivais e para seu lançamento no Brasil?

A minha expectativa é sempre grande. Quando eu faço um filme, eu faço para ele circular o mundo. Acho que com Nardjes A., por mais que seu formato seja um pouco heterogêneo, não seria diferente. Fora a Berlinale, o filme já recebeu outros convites de festivais no mundo e obviamente também espero que seja lançado no Brasil. Como disse, acho que Nardjes A. traça o retrato de uma juventude em busca de poder sonhar o futuro. Para o Brasil de hoje arrisco a dizer que isso é mais que urgente é vital.

Para você, o que representa a experiência de ver um filme no cinema? E por que ver “Nardjes A.” neste formato? 

Este filme é muito sobre a imersão em um dia onde as ruas de Argel estão tomadas por manifestantes. Tem uma sensação da potência do coletivo, do poder do coletivo, da presença física de se estar ocupando esse espaço público, num lugar onde o espaço público era muito pouco ocupado, nos últimos 10, 20 anos. Então para mim, ver no cinema, é um pouco reproduzir essa sensação que se tem de estar na rua, sensação imersiva dentro de um espaço coletivo pensando cinema. Então acho que isso vai fazer com que a percepção do filme seja de fato o que é desejado para o filme. E que isso possa disparar nos espectadores o desejo de lutar por um mundo melhor. 

Quais suas expectativas para o mercado de cinema no Brasil em 2020?

Acho que nesse momento faz mais sentido falar do meu desejo pra 2020, que é a gente ter salas de cinema com preço mais acessível para um público maior e que o cinema venha pra contar histórias diversas e nos inspirar a transformar a situação que estamos vivendo no momento no Brasil.