05 Fevereiro 2020 | Fernanda Mendes
Fim da meia-entrada: bom para quem?
Players do mercado cinematográfico falam sobre a possível extinção da lei
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Tudo começou na quarta-feira passada (29) quando diversos promotores de eventos culturais e até artistas sertanejos foram a um encontro com o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Lá, dentre outras questões, o grupo manifestou o descontentamento com a política da meia-entrada em eventos culturais, definida pela Lei Federal nº 12.933/2013, para estudantes, pessoas com deficiência e jovens de baixa renda entre 15 e 29 anos.
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“Não pode o Estado brasileiro intervir na economia e tomar 50% da receita de alguns setores sem compensação. Nós precisamos corrigir essa injustiça histórica”, afirmou Doreni Caramori da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), segundo o Correio Braziliense.
Segundo o colunista da UOL, Reinaldo Azevedo, o presidente prometeu ajudar nesta demanda.
A partir daí, choveram memes, manifestações e textões nas redes sociais.
Mas, afinal, o que o fim da meia-entrada implicaria para o mercado exibidor cinematográfico? E para os espectadores das salas de cinema?
Em entrevista ao Portal Exibidor, Ricardo Difini, presidente da FENEEC (Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficos) explicou que, na sua visão, a solução não é a extinção desta lei, pois os municípios poderiam ter a liberdade para criar suas próprias leis sobre a meia-entrada. “A minha sugestão é que o governo modificasse a lei e introduzisse um desconto menor. A ideia é tirar a obrigatoriedade da meia-entrada, e então estipular, por exemplo, um desconto mínimo de 20%. Aí os exibidores teriam a liberdade de abordar um desconto maior, se quisessem”.
Difini usou como exemplo outros países onde não existe a meia-entrada, mas os estudantes pagam menos. Para ele, isso pode gerar uma concorrência saudável entre as redes de cinema, “quem dá o desconto maior”, justificou.
Aliás, uma das questões mais levantadas nas redes sociais foi: se não houver mais meia-entrada, o valor da inteira abaixará?
Para Difini, a resposta é: com certeza absoluta. “Isso democratizará o acesso ao cinema. Porque acabamos afastando o outro público que não tem esse benefício”.
Marcos Jorge, curador do Cine Passeio, cinema de rua em Curitiba (PR), concorda com esta possível consequência. “A primeira medida provavelmente seria equacionar o preço do ingresso "único" para que ele fosse bem menor que o preço da atual "inteira". Quero dizer, como o nosso tíquete médio já é enormemente influenciado pelo benefício da "meia", o preço único que provavelmente adotaríamos seria um pouco maior do que a atual meia, mas bem mais baixo que a atual inteira”.
Os benefícios serão não só para o público, mas também para o próprio exibidor, é claro. Cesar Silva, vice-presidente da Paramount, acredita que a meia-entrada é prejudicial para o mercado de cinema, por tirar do exibidor a capacidade de estabelecer o preço do ingresso mais conveniente para sua operação, “forçando-o a aumentar o valor do ingresso inteiro para chegar ao valor médio necessário para cobrir seus custos e margens”.
A opinião é dividida por Adolpho Knauth, diretor de O Melhor Verão das Nossas Vidas, filme teen lançado recentemente pela Galeria Distribuidora. Para ele, apesar da meia-entrada ser um benefício fundamental para o acesso a eventos culturais, não há uma propriedade muito bem definida para a distribuição deste benefício. “Muitos produtores são prejudicados, principalmente os de teatro, que não conseguem sobreviver com a quantidade de meias entradas”. O cineasta acredita que a lei precisa ser revista e discutida sobre a sua aplicação.
Democratização do cinema
Um assunto tão em alta recentemente, a democratização do cinema virou até tema da redação do ENEM em 2019. Para os entrevistados, a revisão da lei permitirá que um público que antes não ia ao cinema, passe a frequentá-lo.
Como já disse em uma outra reportagem ao Portal Exibidor, Difini voltou a ressaltar que: “Vivemos em um País onde meu filho paga meia-entrada, mas o porteiro ou o faxineiro paga inteira. Isso está errado, porque muita gente que tem poder aquisitivo alto paga meia, então isso dificulta o acesso das pessoas menos favorecidas”. O exibidor ainda acrescentou que os descontos de meia não param no estudante ou no público sênior, mas também há leis municipais para doadores de sangue, funcionários públicos etc.
O executivo da Paramount concorda sobre o caráter excludente da meia-entrada. Para ele, este benefício é para poucos, já que, na sua visão, faz com que pessoas com menor poder aquisitivo tenham que pagar um maior valor no ingresso por não ter os critérios para o desconto como: não serem estudantes, ou não terem assinatura de serviços de TV a cabo, não serem assinantes de portais de internet ou até mesmo não terem conta corrente em determinados bancos. A retirada do desconto de 50% “será uma forma de quebrar esta imagem de que ir ao cinema é caro e inacessível”. Para Marcos Jorge, a meia-entrada acabou por afastar não só o público de baixa-renda como também os adultos que não se encaixam nem como estudantes ou como público sênior.
Já Difini compara o cinema com outros setores da economia, que não contam com essa prática. “A meia entrada foi instituída em um período que a inflação do País era muito alta. Hoje qual é a empresa que pode estabelecer um desconto de 50% do seu produto indeterminadamente? Não tem cabimento. Com a economia estável que temos já há muito tempo, não pode a área cultural ter esse ônus de 50%”, finaliza Difini.
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