08 Maio 2019 | Fernanda Mendes e Renata Vomero
Cota de Tela: Medida é questionada pelo mercado
Assinada esta semana pelo Ministro Osmar Terra, a nova Cota de Tela causa polêmica
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Nesta segunda-feira (6), o Ministro da Cidadania, Osmar Terra, responsável pela cultura, esporte e desenvolvimento social, esteve sob os holofotes. Durante o dia, o político assinou a Cota de Tela 2019, que deveria ter sido liberada por Michel Temer em dezembro do ano passado, mas ele deixou para o atual presidente Jair Bolsonaro. Com a assinatura do ministro, a resolução ainda precisa passar pela aprovação da Casa Civil e do aval do presidente até ser publicada no Diário Oficial da União e, assim, entrar em vigor.
As definições trazidas pela cota de tela atual ainda não foram reveladas, no entanto, segundo apurado pela Folha de S. Paulo, existe a possibilidade de seguir as mesmas regras do ano anterior. O modelo adotado em 2018 previa o mínimo de 28 dias no ano destinados ao cinema nacional, com a quantidade de filmes aumentando de acordo com o tamanho do complexo de cinemas e podendo chegar até 24.
Na segunda-feira (06), Osmar Prado comentou o assunto durante o programa Roda Viva exibido na TV Cultura. Favorável à medida, ele deu a entender que pretende trazer mudanças em sua resolução: “Hoje se calcula que 20% dos horários durante o ano sejam ocupados por filmes nacionais. Temos que restringir isso por mês, cada mês tem que ter 20%, porque senão colocam em período de menor fluxo no cinema. Outra coisa é dobrar o filme, se ele está com boa bilheteria, ele deve continuar e não ser cortado. Estamos conversando com a Ancine e vamos ver como vamos atuar, devemos tomar uma medida nesta semana ainda”.
De fato, nesta semana, em reunião na Ancine, a questão da cota de tela foi trazida a debate e a necessidade de se ter uma regulamentação que vise proteger o mercado, mas que não deixe a demanda do consumidor de lado. Ano passado, durante a Expocine, em outubro, Christian de Castro, diretor-presidente da agência, comentou a resolução. “No Brasil há uma sala para 60 mil pessoas. É um gargalo grande. Nas discussões da cota de tela, eu conheci essa luta do pequeno exibidor. A cota de tela pega muito mais o pequeno exibidor, porque muitas vezes o filme brasileiro nem chega lá na ponta da exibição. O produto internacional chega muito mais rápido. Gera um problema de fiscalização para nós também. Trabalhamos pela mudança da feição da cota de tela, conseguimos que passasse a ser aferida por sessão. Agora vamos ver se essa cota vai subir ou diminuir a partir das próximas reuniões, é um debate aberto.”
Seu comentário vai ao encontro das medidas propostas para a cota de tela em 2019, mas ainda não se sabe se entrarão em vigor: aferição por sessão, incremento de 20% do cumprimento da cota para sessões depois das 17h. Além da porcentagem gradual de acordo com a quantidade de salas de cada rede ou cinema, podendo ser remanejada entre os cinemas da rede. Também tem a proposta de divulgação das médias de salas, favorecendo a transparência no setor.
Após a definição da Cota de Tela ter sido deixada de lado pelo governo no início deste ano, é possível que muito dessa movimentação atual se deva por conta das polêmicas envolvendo o filme Vingadores: Ultimato (Disney), que estreou em mais de 93,6% dos cinemas e acabou tirando o espaço de De Pernas pro Ar 3 (Downtown/Paris), inclusive com algumas sessões da comédia nacional sendo trocadas pelo longa da Marvel de última hora. No entanto, alguns exibidores enfatizam a possível confusão entre essa polêmica e a cota de tela. “Estão confundindo dois assuntos, a cota de tela e a concentração são coisas distintas. Osmar Terra está falando que 20% das sessões serão destinadas ao filme nacional. Quando eles falam em concentração, não foi só o filme nacional que saiu de cartaz, Shazam! (Warner) e Dumbo (Disney) também. A imprensa também está confundindo isso”, explica Tito Meyer, dono do Cine Cambuí.
Apesar de confusão, a resolução a respeito do espaço para o cinema nacional está nos radares tanto dos exibidores, quanto dos produtores. Ambos os lados observando de que maneira a medida aprimora sua área. “Vejo que obrigar a exibir um conteúdo somente pelo fato de ser nacional prejudica o exibidor e o público, afeta inclusive a liberdade econômica empresarial, haja visto, que muitos títulos não rendem o esperado e possuem diversas exigências impostas pelas distribuidoras”, afirma Jack Silva, ex-exibidor e membro diretor da AEXIB (Associação dos Exibidores de Pequeno e Médio Porte).
Outra integrante da AEXIB, Mariá Marins, acredita que há uma desinformação por parte do Ministro sobre o mercado de exibição e, principalmente dos pequenos exibidores. No entanto, a dona do Cine Lúmine entende a importância da cota. “Não sou contra, porém, deveríamos estar na mesma frequência, (distribuição e exibição) mas não é bem assim".
A importância da presença do cinema nacional no circuito também já foi percebida pela Cinemark. Em parceria com a distribuidora Elo Company, eles mantém o Projeta às 7, que tem como objetivo levar os filmes nacionais independentes para diversos complexos da exibidora espalhados pelo país. A Elo Company também começou a entrar na área de produção recentemente e, a CEO da empresa, Sabrina Nudeliman, enfatizou uma esperança para que os filmes realizados pelos profissionais do país tenham maior espaço nos cinemas. “O cinema nacional ganha muito com uma cota mensal à medida que a exibição dos filmes fica mais diluída durante o ano”. Ela ressaltou também a importância da parceria entre os mercado exibidor, distribuidor e produtor. “Acredito no diálogo entre os vários envolvidos para uma decisão que seja boa para todas as pontas. No caso da Elo, temos um projeto em parceria com a Cinemark, que sozinho aumenta em 15% o número de filmes nacionais lançados no mercado. O projeto foi constituído num modelo de parceria com a rede de exibição que também tem enorme interesse na diversidade da produção nacional”, afirma a executiva.
Mas, um outro ponto abordado entre os profissionais do mercado exibidor, foi o que faz o filme nacional entrar nos cinemas. Segundo eles, é uma questão de qualidade. “Vejo que o importante é o mercado produtor nacional produzir títulos com apelo de público, tais filmes não precisam de exigência ou cota para que o exibidor se disponha a exibir, é óbvio que se um título for bem trabalhado em se tratando de marketing e tiver um bom conteúdo, resultados virão, e é disso que o exibidor precisa”, sugere Jack Silva. Sua opinião também é complementada por Mariá, “A Cota é importante, porém, como podemos preservar um filme nacional se muitas das vezes não se tem conteúdo que literalmente agrade ao público? Quando um filme vai bem não mexemos na grade”, ela crava.
No entanto, é de conhecimento geral que o cinema independente nacional muitas vezes não conta com um forte orçamento para marketing e muito menos para ter uma entrada forte no circuito nacional. “O cinema do mundo todo protege o cinema do próprio país, até os EUA. A gente não tem regulamentação para isso e aí acaba tendo monopólio dos blockbusters. O meu filme é independente e de baixo orçamento você imagina em que lugar eu fico. Se a Ingrid Guimarães sofreu com o De Pernas Pro Ar 3 (Downtown/Paris), meu filme não tem nem chance. A gente tem que ter a proteção do nosso cinema, chega a ser um absurdo que a gente esteja discutindo isso ainda. A gente deveria estar já falando como tornar o cinema mais plural e como fazer que a cota abarcasse filmes independentes”, indigna-se Daniel Belmonte, um dos diretores de B.O, filme independente realizado por meio de financiamento coletivo que entra em cartaz dia 9 de maio em oito salas espalhadas pelo país. O diretor, no entanto, também comenta a ironia que existe em buscar trazer espaço para o cinema nacional por meio da cota, quando, por outro lado, se congela o repasse de verbas da Ancine para a produção audiovisual do país. “Se continuar do jeito que está, vai ser como enxugar gelo. Não chegaremos a lugar nenhum”, ele finaliza.
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