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10 Outubro 2024 | Yuri Codogno

Especialistas apontam que todas as etapas de uma produção True Crime precisam ser acompanhadas por uma equipe jurídica

Painel explicou que todo o processo é detalhado para que não haja erros na abordagem do caso

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(Foto: Créditos: Fabiano Battaglin)

Fechando o penúltimo dia da Expocine 2024, a CQS/FV apresentou o painel Anatomia do True Crime - As responsabilidades e desafios em torno do gênero. Com o objetivo de expor a ética necessária por trás do desenvolvimento e lançamento de um programa True Crime, além dos obstáculos enfrentados pelos profissionais, os painelistas dividiram suas experiências com os espectadores.

Com mediação de Alessandro Amadeu, da CGQ/FV Advogados, os especialistas ouvidos foram: Marcelo Braga, fundador da Santa Rita Filmes, que produziu a trilogia A Menina Que Matou os Pais e o Maníaco do Parque, que estreia em breve; Ivan Mizanzuk, criador do podcast Projeto Humanos, que originou o documentário O Caso Evandro; e Bianca Corona, produtora executiva da Grifa Filmes, criadora de João de Deus: Cura e Crime.

"A gente está contando história de crimes reais, a definição básica é essa. Tem um trabalho muito ligado às pessoas que estão envolvidas, porque falamos de crimes que aconteceram, vítimas que estão aí e criminosos que muitas vezes estão vivos. Então precisa ter muito cuidado nessa aproximação com as pessoas. E o true crime começa neste acesso ao criminoso e às vítimas”, ressaltou Bianca. 

Aliás, a mesa explicou que “acesso” é a palavra-chave, que é a definição de se os produtores têm a possibilidade de conversar com pessoas importantes do caso, sejam elas vítimas, criminosos ou pessoas próximas de algum dos lados ou que tenham alto conhecimento sobre os acontecimento. Os próprios canais/streamings que exibem true crime perguntam se a produtora tem esse acesso para verificar se vai dar luz verde ou não para a negociação.

"A exploração, no bom sentido da palavra, para virar produto começou recentemente. E aí é encontrar os casos, porque tem alguns que a gente engole e alguns não engole. E levo muito em consideração casos transitados e julgados, dá menos dor de cabeça. Fazer true crime precisa ter sangue frio, ter noção do que pode se tornar em questão midiática”, explicou Marcelo.

Dentro do que é preciso considerar para a produção ética e correta de um true crime está a escolha do caso certo, porque só de escolher um já é algo sensível, em relação ao respeito das vítimas. Além disso, existe uma linha tênue entre o gênero e o próprio jornalismo investigativo: enquanto o jornalista costuma trabalhar em pautas quentes, a produção audiovisual tende a focar em casos um pouco mais antigos, especialmente quando têm peças que ainda não foram encontradas. 

"Eu não gosto de pegar coisa recente, gosto de pegar crimes antigos que ainda não foram resolvidos. É preciso um tempo para estudar e avançar o caso de alguma maneira. Entendo que o crime pode ser um espaço de reflexão nesse sentido”, disse Ivan.

Aliás, foi apenas em 2015 que o Brasil passou a permitir o desenvolvimento de biografias sem pedir autorização - através de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4815) que tratava da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/1998), que definiu que a exigência de autorização era inconstitucional -, o que impactava diretamente na produção de true crime, visto que, de certa forma, é uma produção biográfica. 

Ainda assim, é necessário envolver todo processo judicial para o desenvolvimento de um crime. O clearence com os advogados começa quando se inicia a conversa com os personagens e vai até o corte final da obra. É um trabalho que não tem regras, então as equipes criativa e jurídica descobrem os limites enquanto a obra está em andamento. 

“É um trabalho intenso o tempo inteiro e o mais complicado é conseguir conciliar o que o criativo deseja, fazer com que as orientações jurídicas não atrapalhem o que o criativo está fazendo e vice-versa”, explicou Marcelo. Os próprios canais/streamings perguntam se há o parecer jurídico e, caso positivo, depois eles fazem um interno também.

A mesa também apresentou algumas outras importantes considerações para o desenvolvimento de um true crime: 

  • - respeitar a vontade das fontes;
  • - deixar exposto quais métodos foram usados para chegar na conclusão;
  • - ter sangue frio para lidar com casos e imagens que são perturbadoras para boa parte das pessoas (considerando que o corte final é uma versão 99% amenizada da apuração);
  • - querer se envolver com o tema, visto que vai passar anos no mesmo caso, estudando 60 mil páginas de processos, fotos, e uma extensa pesquisa;
  • - ser resiliente, paciente e aceitar os riscos.

Um outro ponto importante, por fim, é entender como funciona a sociedade, pois ela se interessa por alguns casos e por outros não. Marcelo Braga deu um exemplo forte, porém importante para entender isso. No mesmo dia em que o perito foi até a cena do crime cometido pela Suzane Von Richthofen e pelos irmãos Cravinho, esse mesmo profissional havia trabalhado em um crime muito parecido, mas com uma diferença: não era sobre uma loira, rica e bonita mediante o padrão da sociedade, mas era uma família negra da periferia. E por mais dura que a realidade seja, a sociedade elege seus favoritos até nos piores momentos.

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