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10 Outubro 2024 | Yuri Codogno

Memória afetiva vs. revelar a pessoa por trás da fama: o tênue equilíbrio necessário para trabalhar com cinebiografias

Painel debateu hoje (10) o tema na 11ª edição da Expocine

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(Foto: Créditos: Fabiano Battaglin)

O painel Brasil, mostra a tua cara - As cinebiografias e sua força com o público aconteceu no terceiro dia da Expocine 2024 e buscou entender a relação desse tipo de narrativa com os espectadores. Além disso, foi debatido também como o mercado recepciona as cinebiografias e o que pode ajudar a melhorar seu desempenho nos cinemas. 

Com mediação do jornalista Roberto Sadovski, participaram do painel: Esmir Filho, diretor e roteirista de Homem com H; Tuinho Schwartz, produtor de Maurício de Sousa; Silvia Cruz, sócia-fundadora da Vitrine Filmes e Manequim Filmes, que recentemente levou às telonas Nosso Sonho e Meu Sangue Ferve por Você; Eduardo Albergaria, diretor e roteirista de Nosso Sonho; e Silvio Guindane, diretor de Mussum: O Filmis.

Por parte da produção, Esmir, Tuinho, Eduardo e Silvio passaram suas experiências sobre os filmes que trabalharam/estão trabalhando para exemplificar o que pode ajudar a criar uma conexão com o público: 

  • - Segundo Eduardo, não existe um caminho único, mas é fundamental entender a história daquela pessoa: “Em ‘Nosso Sonho’, a ideia de contar a história surgiu dez anos antes. Mas entrei em contato com o Bochecha, não o conhecia, e manifestei o meu desejo, perguntei se interessava a ele, disse que não gostaria de contar a história que todo mundo conhecia, que queria conhecer a história dele. E ele me chamou para a casa dele e me contou a história dele em primeira pessoa. Não existia roteiro, nem mesmo o argumento, e esse relato em primeira pessoa ofereceu uma bússula que a gente nunca perdeu de vista".
  • - Silvio, por sua vez, lembrou que existem diferentes abordagens para trabalhar em uma cinebiografia: "Cada filme é um filme, mas biografia existem alguns tipos, sobre uma pessoas, duas, uma família, ou algo sobre um grande acontecimento em que muitos personagens são reais. Para mim, [Mussum] é um filme sobre um filho e uma mãe. Mas o que não conhecem dele, o bastidor do Antônio Carlos que a gente não conhecia, era o que ele tinha com a mãe. Quando a gente consegue descobrir em um filme biográfico onde está a história humana daquele personagem, é muito mais fácil, aproxima da humanidade da personagem junto ao espectador".
  • - Esmir também falou sobre a escolha de o que contar no filme: "Sempre me incomodou quando a linguagem do filme não era a linguagem do artista. Então perguntei qual era o perfume do Ney Matogrosso, esse erotismo dele que agrada gregos e troianos. E a vida dele é a jornada do herói, um cara que passou por muita pressão para ele poder dizer 'eu sou assim'. Ele falou ‘a maior oposição que tive foi o Sargento Matogrosso’, seu pai, e isso pra mim é a logline do filme. E essa liberdade de falar dessa vida íntima, do pai, da relação perturbada com os Secos e Molhados e, a partir dali e conversando com ele, porque tinha muita coisa que tinha que preencher".

Os três cineastas concordaram também sobre algumas outras questões, como “fazer um filme sobre uma carta, não sobre o correio”, em uma analogia sobre escolher qual o recorte do longa. Isso porque contar a vida inteira da personalidade pode ser um tiro no pé, visto que há muito o que abordar. Uma solução é escolher um período específico ou trechos menores, deixando elipses entre os períodos não mostrados. 

Além disso, todos os filmes falados (Nosso Sonho, Homem com H e Mussum) têm algo em comum: oferecer algo singular, uma história com um núcleo familiar que funciona como uma base para conhecer melhor aquela personalidade. E é importante que tenham informações que ainda não são públicas, para poder acrescentar esse conhecimento aos espectadores.

Algo que vale citar também é que explorar demais a vida pessoal da personalidade é um risco, mas que sempre vale a pena tentar. Se o público aceitar conhecer mais a intimidade da pessoa que tem como ídolo, significa que o cineasta acertou na dose. Ao mesmo tempo, são escolhas que podem incomodar e quebrar a imagem que o espectador tem daquela pessoa.

Produtor da cinebiografia Maurício de Sousa, filme ainda em estágio de desenvolvimento, Tuinho usou a própria biografia do artista como uma base inicial: "Com o livro, a gente tinha um recorte gigantesco, quase um épico. E a gente queria contar essa vida toda, mas depois descobrimos que o recorte ideal era na infância, quando achou um gibi no meio da rua, mais ou menos em 1940. A história começava aí e terminava quando ele lança ‘Mônica’. Depois não tem mais drama". 

Além disso, tanto Tuinho quanto os outros cineastas ressaltaram a importância de ter a celebridade por perto ou então algum familiar ou semelhante para ajudar nesse processo de descoberta do próprio autor. É dessa forma que as histórias não contadas tendem a serem descobertas, gerando informações e situações que melhoram muito a qualidade do filme.

Apesar disso, familiares também podem ser um problema, pois muitas vezes podem impedir que a história seja contada, bloqueando que a adaptação chegue aos cinemas. 

Esse é apenas um dos desafios, como contou a especialista em distribuição Silvia Cruz: "Desafios tem para lançar qualquer filme, mas muito começam em 'como vou vender?'. Ao mesmo tempo, as cinebiografias saem do ponto de partida das pessoas saber o que é. Na verdade, as cinebiografias partem de um lugar em que muitas pessoas já conhecem, mas pode lidar com pessoas que não gostam [da celebridade ou situação adaptada]. Então nasce com muita gente querendo ver e muita gente querendo não ver".

Assim, uma cinebiografia pode puxar uma fanbase para os cinemas, mas nem sempre é assim, pois é preciso lidar com as expectativas do espectador, visto que os cineastas estão lidando com a memória afetiva que existe em torno daquela imagem. 

"A vantagem da cinebiografia também é sua fraqueza e as pessoas esperam ali que já exista um filme que está na cabeça delas. Então entra em um lugar de não ceder a superficialidade das pessoas de que história é aquela. É preciso atender a base de fãs, não ignorar, mas precisa ser um filme que vá além e que o fã mais ardoroso tenha o que queira e saia ganhando algo que ele não sabia. E a escolha de não ir pelo caminho mais fácil, porque antes de ser uma biografia, é um filme”, disse Eduardo.

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