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05 Outubro 2023 | Gabryella Garcia

"Mercado audiovisual pode ser afetado de forma predatória se inteligência artificial não for regulamentada", diz especialista

Painel discutiu problemas e possíveis soluções para o uso de inteligência artificial generativa na produção da indústria audiovisual

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(Foto: Mariana Pekin)

O painel Inteligência Artificial no audiovisual - Cuidados jurídicos e negociais, que ocorreu no terceiro dia da Expocine 2023, buscou jogar luz sobre um dos temas mais discutidos e de maior relevância neste ano: o uso da inteligência artificial. Recentemente, inclusive, a greve dos roteiristas em Hollywood teve essa discussão como um dos pontos centrais, com os profissionais questionando o uso de IAs generativas na produção de conteúdo. Ygor Valério, advogado na área de direitos autorais e sócio da CQS/FV Advogados, buscou dar uma panorama geral sobre o uso dessa tecnologia em produções audiovisuais, mas vale ressaltar que a discussão ainda é bastante incipiente, sobretudo no Brasil.

Quando falamos de inteligência artificial, nós estamos discutindo uma tecnologia que é classificada como “tecnologia de propósito geral”, ou seja, o impacto de seu uso não será limitado a apenas uma área ou setor econômico. "A inteligência artificial já impacta e seguirá impactando todas as áreas da produção humana, ela já é uma realidade. Esperamos um impacto ainda mais relevante nos próximos anos", destacou o advogado.

No mercado audiovisual especificamente, já aparecem questões jurídicas referentes ao uso de inteligência artificial nas produções de conteúdo, entretanto as questões ainda estão longe de serem resolvidas e ainda não existe qualquer tipo de orientação jurídica ou legislativa para a regulação do uso dessa tecnologia. De forma simplificada, a IA é uma tecnologia de tratamento de dados que inclui uma base de informações em um sistema que, por sua vez, gera um novo conteúdo. Nos dias de hoje, esse processamento de dados passou a incluir uma etapa de processamento chamada de inteligência artificial generativa, ou, em outras palavras, esse sistema é treinado para gerar determinados resultados sem qualquer interferência humana.

Até hoje, as discussões mais claras e principais conflitos sobre a relação entre o uso de IA e a questão dos direitos autorais aparecem no mercado editorial, mas a discussão também pode se estender ao mercado audiovisual.

"A inteligência artificial pode gerar uma obra gráfica para ser usada em um filme, mas a inteligência artificial não tem criatividade, então ela aprendeu a gerar essa imagem a partir de diversas combinações de datasets que foram treinados. Ninguém sabe quais datasets alimentaram essa inteligência artificial, então esse dataset pode conter todo o catálogo de uma produtora, por exemplo. Então você percebe que tem alguém ganhando dinheiro com essa inteligência artificial que foi treinada com seu dataset e aí surge um conflito de monetização desse dataset. Você passa a ter uma fábrica de conteúdo que vai competir com você, que foi quem criou o conteúdo que treinou aquela fábrica. A inteligência artificial cria um filme que compete com seu filme, mas ela aprendeu a fazer filmes com o seu próprio filme. Se esse processo não for interrompido ou regulado, chegará um momento em que o humano irá competir com a IA pelo mesmo mercado, sendo que ela aprendeu com você", explicou Ygor.

Além da questão da concorrência de mercado, outro ponto de discussão é sobre a proteção autoral do conteúdo que é criado por inteligência artificial. É importante destacar que hoje ferramentas de inteligência artificial já são usadas na produção de conteúdos, seja na pré ou na pós-produção. O problema começa a aparecer com o surgimento da inteligência artificial generativa, pois as ferramentas utilizadas anteriormente eram apenas ferramentas, ou seja, o ser humano empregava a tecnologia e controlava o conteúdo gerado. Com a IA generativa, entretanto, não há controle humano sobre o conteúdo produzido. O advogado afirmou que essa situação pode gerar problemas na questão comercial, pois existe a possibilidade de produzir um filme que não pode ser protegido legalmente devido a falta de uma legislação própria.

Na greve dos roteiristas em Hollywood, por exemplo, foi bastante discutida uma limitação para as produtoras usarem roteiros gerados por inteligência artificial, pois à medida em que essa IA passa a competir com os profissionais do audiovisual, o conflito inevitavelmente irá aparecer.

Um exemplo prático no mercado editorial é se uma pessoa escreve um livro com base em ideias de outro livro, mas utilizando as próprias palavras, não é considerada uma violação de direitos autorais. O problema surge quando é um que lê milhões de livros para produzir outros milhões de livros com base naquilo. "Ler e escrever com base em uma obra não é proibido, mas não sabemos se isso também é legal quando é feito por um robô. O humano tem um limite e o robô não tem limites, então se isso não for regulamentado, pode abrir um grande espaço para que o mercado seja afetado de maneira predatória", explicou o especialista.

Nos Estados Unidos, uma decisão administrativa e não-jurídica do U.S. Copyright Office determinou que uma imagem criada por IA, por exemplo, não é passível de proteção porque apenas uma criação humana pode ser protegida, mas também destaca que uma criação que mistura inteligência artificial e trabalho humano é passível de proteção na parte criada pelo ser humano. O problema de uma produção audiovisual, por exemplo, é separar aquilo que foi criado pelo humano e aquilo criado por uma máquina. "Em algum momento alguma regulação vai definir onde está essa linha de separação e se a lei não disser, um juiz de um caso concreto vai dizer onde está essa linha, mas sem uma definição geral. No caso do Brasil especificamente, há um déficit regulatório porque não temos legislações e sempre vem do judiciário a solução dos problemas. Geralmente no Brasil e fora dos grandes centros geopolíticos do mundo a gente acaba seguindo as soluções dadas por esses problemas judiciais e legislativos nos outros países", encerrou.

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