23 Setembro 2022 | Renata Vomero
Invertendo a lógica imperativa, audiovisual abre espaço para a decolonização: "não é só incluir, é pertencer"
Painel reuniu profissionais para discutir os desafios de trazer maior diversidade nas camadas do processo cinematográfico
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Um dos temas mais urgentes e quentes do mercado audiovisual brasileiro e mundial é a decolonização, ou seja, a desconstrução de padrões impostos pelos povos colonizadores, que forçaram uma lógica imperativa eurocentrista, deixando de lado a pluralidade de corpos, pessoas, culturas e costumes deixados à margem dessa sociedade colonial.
Pensando nisso, a Expocine promoveu o painel Decolonizando o audiovisual para discutir as iniciativas já existentes em torno dessa desconstrução e os caminhos para que se naturalize a ideia decolonial.
Para tal, foram convidados Joanna Henning (Escarlate), Caia Coelho (Tela Trans), Thais Scabio (Apan) e Cássio Aoqui (moderação). A principal questão que regeu a conversa foi como o mercado pode trabalhar mais e melhor sob a lógica da decolonização do audiovisual.
Dando ênfase justamente na questão mercadológica, Joana Henning, CEO da Escarlate, pode falar sobre o trabalho da empresa ao criar uma cultura interna para colocar em prática a diversidade em todos os âmbitos, desde os cargos internos, até o que se vê na tela. Para tal, ela trabalha com a cláusula de inclusão nas produções, que as obriga a terem diversidade racial e de gênero desde o roteiro, passando pelas equipes e atores.
“Entender que o Brasil é diverso e plural e tem uma narrativa cultura rica e isso é a nossa maior riqueza, não entender isso, ou é burrice ou é desonestidade. Não dá mais para olhar para o Brasil e não achar que não é sobre isso”, ressaltou a executiva.
No entanto, para além de pensarmos na produção agora e para o futuro, também é preciso reconhecer os realizadores diversos que abriram os caminhos no audiovisual, criaram histórias que não fossem centradas no padrão normativo, mas que muitas vezes passaram por apagamento ao longo dos anos.
É justamente este o trabalho que se propõe o projeto Tela Trans, idealizado por Caia Coelho. A iniciativa serve de acervo de memória para todos os realizadores do Brasil até os dias de hoje, com uma pesquisa de mais de seis anos, Caia e seus parceiros conseguiram catalogar uma imensidão de filmes que não tiveram tanta chance de chegar ao grande público, servindo amostra e exemplo de memória para os realizadores contemporâneos.
“Tela Trans surgiu em um momento em que a comunidade latina trans está reivindicando a memória. Temos várias iniciativas que estão pautando isso. As pessoas trans e travestis passaram por um apagamento sistemático em todos os campos do conhecimento. Não basta um pertencimento que não mude as coisas, queremos pertencer para mudar e não para deixar as coisas como estão”, ressaltou Caia.
E não só o apagamento no audiovisual é algo preocupante, como esses corpos marginalizados são retratados conseguem quase se sobrepor a essa questão, criando um estereótipo que reforça preconceitos, discriminação, opressões, e por consequência, ainda mais apagamento.
Esse foi um dos pontos levantados por Thais Scabio, vice-presidente da APAN (Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro), falando de como o cinema, desde sua origem, vem reforçando a ideia do homem negro como perigoso, a mulher negra como escandalosa, além de banalizar a morte de corpos negros.
A mudança de paradigma vem justamente quando realizadores negros começam a ocupar mais espaço dentro do âmbito de criação do audiovisual, trazendo narrativas que desmistifiquem esses imaginários criados ao longo de mais de cem anos do cinema.
“Desde a construção da APAN de 2016 a gente briga dentro do mercado. Nossas primeiras ações foram mostras em São Paulo, comunicações, tratando em exibição, temos a Todes Play, um jeito de organizarmos nossa memória e mostrarmos nosso trabalho que não estava sendo exibido. Estamos construindo o manual antirracista dentro do set, não é só incluir, é pertencer. Estamos na construção deste manual”, ressaltou Thais.
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