Carolina Costa mostra a urgência por transformação no meio
26 Junho 2019 | Renata Vomero
Em 2016, quando a Ancine divulgou seu primeiro estudo sobre raça e gênero nas produções cinematográficas brasileiras, ficou exposta a defasagem que há entre os profissionais da área, que não estavam sendo representados no mercado. A partir disso, a agência compreendeu a necessidade de tomar medidas para que esse cenário passasse a se transformar. Então, em 2017, foi criada a Comissão de Gênero, Raça e Diversidade da Ancine, presidida pela servidora Carolina Costa, que tinha como missão promover a inclusão e a diversidade de raça, gênero, etnia, orientação sexual, idade, entre outros, por meio de iniciativas e medidas criadas pela Ancine.
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Em entrevista exclusiva ao Portal Exibidor, Carolina trouxe seus apontamentos sobre o que precisa ser trabalhado para que o mercado comece a se modificar, mas deixa evidente: as mudanças só vão acontecer por completo a longo prazo. Enquanto isso, ela continua seu trabalho em busca de igualdade no meio e segue trazendo luz à pauta, que, segundo ela, tem uma grande necessidade de chegar aos principais players do mercado para que seja, realmente, efetiva.
A entrevista faz parte de uma série especial com mulheres que fazem parte do mercado audiovisual. Na próxima semana, o leitor poderá conferir o bate-papo com Amanda Nevill, CEO do British Film Institute (BFI) e já pode ler a conversa com a diretora da Ancine, Debora Ivanov.
Quais são as dificuldades que as mulheres e negros encontram no mercado?
Essas pessoas enfrentam várias questões sobre recrutamento e manutenção da carreira. A vida de um projeto começa lá quando ele ganha financiamento e termina com ele aparecendo em alguma janela e vários atos acontecem no meio dessa história. Primeiro que a gente tem uma estrutura de produção no Brasil com várias pequenas produtoras pulverizadas, que estão ali para potencializar os projetos de um único diretor. No geral, é isso. A gente precisa descobrir como que a gente vai fazer para que esses produtores descubram diretores negros e roteiristas negros, por exemplo. É importante falar sobre os homens negros também, a situação da mulher negra é terrível, é de invisibilidade completa, mas os homens negros não estão em uma posição melhor. Apenas 2% dos filmes em 2016 foram dirigidos por eles, isso é invisibilidade também. A gente precisa fazer essas pessoas serem reconhecidas como profissionais que sabem escrever, que têm histórias para contar, que tenham histórias que queiram ser ouvidas. Existe um mito de que as pessoas não querem ouvir, aí, de repente, aparece em 2003 um Cidade de Deus (Imagem Filmes), depois aparece um Antônia – O Filme (Downtown), Cidade dos Homens - O Filme (Fox), depois um Café com Canela (Arco Audiovisual). Ou seja, os filmes estão sendo produzidos e encontram seu público. Precisamos arrumar os meios de produzir essas obras, de recrutar essas pessoas. Tem esse problema entre os profissionais negros, que não conseguem ser recrutados, sem isso eles não conseguem comercializar seu trabalho e dependem de uma cadeia tão complexa... A Ava Duvernay fala uma coisa que é: “cada realizador negro precisa fazer o seu próprio caminho”, porque as outras pessoas, os homens brancos, têm a sua forma de existir no mercado coletivamente, que permite que eles vão se apropriando do caminho que os outros fizeram e essa rede de solidariedade e profissional precisa chegar em outras pessoas.
Quais medidas ainda são necessárias para que esse cenário se transforme?
O fomento precisa olhar especificamente para essa questão, tem uma coisa que parece ser verdade é que políticas blind gender, ou blind color, elas não obtêm resultados justamente porque são cegas. A gente precisa de uma política específica para essas questões de gênero e raça, não adianta achar que algumas medidas menores vão resolver, você no máximo consegue um efeito secundário. Para atacar o problema, você tem que ser direto na questão. A Ancine precisa começar a pensar em como que vai obter o comportamento que deseja dos players do audiovisual. A gente precisa começar a chamar distribuidores e programadores para essa mesa.
A Ancine fez uma pesquisa em 2016 em que divulgava o número escasso de mulheres e homens negros na direção. A partir destes dados, quais medidas foram tomadas pela agência?
As principais políticas adotadas foram a de paridade na comissão de seleção dos projetos. Eu, por exemplo, participei pela primeira vez de uma. Passou a existir um comitê de investimento mais diverso, e também este de seleção mais diverso, ou seja, um cuidado maior da casa. Passamos a oferecer cotas nesse primeiro edital também. Tem muita coisa a ser feita e é contínuo, ainda vai levar muito tempo.
De que maneira ter mulheres e negros dirigindo e produzindo filmes se reflete na diversidade que vemos nas telas?
São muitas as pesquisas realizadas em vários lugares do mundo que dão o mesmo resultado. Uma diretora mulher, um diretor negro, uma roteirista mulher ou um roteirista não-branco, enfim, qualquer um deles produz um recrutamento totalmente diferente dentro e fora das telas. O resultado é cristalino no Brasil, nos EUA, na Inglaterra, em qualquer lugar. É só olhar que o efeito é direto. Sempre há contra exemplos, claro. O que acontece no geral, não é isso, sempre que tem na criação alguém de um background diverso você tem muitos efeitos naquela produção. Claro que a gente pode depois ter outras formas de obter esse resultado de maneira mais específica, exigindo esse recrutamento, por exemplo. É impressionante o quanto uma pessoa consegue trazer tanta gente junta, é realmente muito impressionante.
Qual filme dirigido por mulher é seu favorito?
Eu vi O Dia de Jerusa, de Viviane Ferreira, acho um curta superdelicado, ele vai virar longa também. Tem a série Insecure da Issa Rae, que eu acho uma delícia de conteúdo. Sou uma consumidora meio problemática do audiovisual, na verdade, gosto muito do 13ª Emenda, da Ava Duvernay, é maravilhoso. Tem muito conteúdo interessante sendo lançado.
Como você enxerga o mercado daqui a 10 anos em termos de inclusão?
Olha, eu quero que a gente tenha mais resultados, inclusive, porque acredito que economicamente falando, nossos filmes vão começar a ter melhor desempenho quando eles refletirem algo que a gente é como país. Há muito tempo a Glenda Nicácio levou o Café com Canela (Arco Audiovisual) para a Ancine e um dos nossos funcionários falou que era a primeira vez que ele se via na tela do cinema. O filme não era simplesmente com atores negros, ele contava história de pessoas com uma subjetividade que está na vida de todo mundo. É isso o que precisa!
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