28 Maio 2020
Criando histórias para unir o Brasil
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No passado, a dramaturgia brasileira conseguiu unir grande parte de nosso povo em frente à televisão. Com obras de grandes dramaturgos como Dias Gomes, Lauro César Muniz, Vianinha e outros. Essas obras, além do sucesso comercial, eram também grandes feitos artísticos. Influenciados por ideias que procuravam uma dramaturgia que representasse o povo brasileiro, esses roteiristas de “esquerda” se aliaram à uma empresa que era considerada de “Direita” e que tinha grandes executivos preocupados com a rentabilidade comercial das obras. Essa aliança foi mágica e eles conseguiram fazer uma dramaturgia que alcançava sucesso e contribuiu para a evolução de direitos fundamentais na sociedade, como o empoderamento feminino, diversidade sexual, etc… Mas sempre em diálogo com o público.
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Estou convencido de que chegou a hora de voltarmos a ter a ambição de criar obras que conciliam sucesso de público com pretensões artísticas e pautas sociais. E isso é perfeitamente possível. É evidente que o universo de streaming mudou completamente o consumo de obras audiovisuais. Agora os segmentos estão mais claros e cada um de nós consegue assistir a hora que quer apenas as obras que escolhermos. Nunca antes foi tão importante a qualidade. Num modelo de monopólio, com apenas 3 ou 4 canais, as pessoas assistiam uma entre 4 ofertas de programas de TV. Agora as ofertas são praticamente infinitas. Nunca antes a dramaturgia precisou ser tão eficaz.
E dá para ir muito mais longe e criar obras de sucesso internacional. Países como Israel e Espanha tem realizado várias séries de imenso sucesso internacional. Mas nós ainda estamos patinando, com alguns poucos e maravilhosos casos de sucesso internacional, como a série “ 3%”, produzida pela Netflix, mas que começou com um Programa de desenvolvimento de séries da TV Pública, o FICTV, o que permitiu a autoria de um jovem e talentoso roteirista, que se tornou um dos mais jovens showrunners de sucesso internacional.
Esse caso de sucesso mostra que temos potencial para muito mais. Para isso, não precisamos de muita coisa além do que já temos. Já temos várias produtoras independentes com grande capacidade de produção de qualidade. Temos marcas fortes em nossa cultura a ser exploradas internacionalmente, como a Amazônia, nosso futebol, a Bossa nova, etc. Se eu fosse arriscar o que eu diria duas coisas: dar real poder a autores-roteiristas e os autores-roteiristas voltarem a estudar a identidade do povo brasileiro, tal como fazia nossos mestres dos anos 70 e 80.
Quanto à valorização dos roteiristas no nosso mercado audiovisual, infelizmente, ainda pecamos no mais óbvio. Com exceção da produção interna da Globo (que continua valorizando o autor-roteirista), a produção independente ainda não entendeu a importância do forte investimento em desenvolvimento, com roteirista forte, bem remunerado e com equipe bem remunerada. Uma rápida olhada pelos créditos e pelas notícias de jornal sobre seriados, já dá para perceber que continuamos com séries onde o diretor e/ou algum produtos e apresentado como autor principal. Isso se materializa em baixa renumeração de roteiristas e equipes confusas, sem autoria clara. E isso tudo aparece na tela, em roteiros frágeis e sem visão de mundo realmente inovadora, algo fundamental para o sucesso. Temos, é claro, muitas honrosas exceções. Mas podemos mais.
Para isso, no entanto, há também uma lição de casa dos autores. Nos últimos anos, houve uma grande evolução no estudo das técnicas de roteiro e isso foi ótimo. Hoje, quando vou compor uma sala de roteiro para uma série minha, eu consigo ótimos técnicos em roteiro. Mas ainda faltam autores. O roteirista tem que saber que a dramaturgia é mais que uma área técnica: ela manifesta uma visão de mundo. Um grande autor sabe dialogar com seu povo, pois o compreende, e se esforça para representá-lo. O grande autor-roteirista é também um intelectual. Estudar a identidade nacional e nossos valores é fundamental para criar obras de sucessos, que dialoguem com o espírito de nosso tempo.
O conteúdo é o novo petróleo. O país que conseguir criar obras em série, obras audiovisuais de qualidade será o líder dessa nova Era, onde a criatividade e nosso maior insumo. Nunca antes foi tão importante investir pesado em desenvolvimento de conteúdo. É uma área de risco? Sim. Mas a Pixar não erra um filme. Como pode? Como eles não erram? Estudar modelos de desenvolvimento que garantem obras de sucesso é uma necessidade para as produtoras.
Não é o momento para pensar pequeno. Perdermos tempo disputando migalhas. É coisa da era da escassez. Nos próximos anos há uma imensa oportunidade: ocupar o mercado mundial e influenciar o mundo com nossos valores, baseados em alegria, diversidade, humor, leveza. Se fizermos isso, cumpriremos o destino de nosso país, que há tempos influencia o mundo com sua sabedoria lúdica de brincar no futebol e no carnaval, de compor músicas que fazem imenso sucesso internacional. Temos todas as condições de fazer isso. Basta pensarmos grande e acertamos nosso foco. Tudo começa investindo realmente em criação e descobrindo nossa identidade. É ela que iremos irradiar pelo mundo em nossos filmes e séries de sucesso.
Newton Cannito
Newton Cannito é autor roteirista de séries como Unidade Básica (Universal TV), 9mm (Fox/Netflix), entre outras. Roteirista de filmes como Reza à Lenda e Broder. Foi também Secretário do Audiovisual do Minc e é coordenador do Concurso Histórias para Unir o Brasil. (www.unirobrasil.com.br)
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