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Artigo / Jurídico

07 Maio 2020

A decisão do STF sobre possibilidade prescrição intercorrente de cobrança de recursos de fomento do TCU

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O setor do audiovisual conta com instrumentos de fomento direto (recursos destinados pelo Governo, como o Fundo Setorial do Audiovisual) e fomento indireto (recursos de renúncia fiscal aplicados pelo beneficiário). Esses recursos uma vez utilizados devem ter suas contas prestadas. Esse assunto é bastante relevante quando se sabe dos percalços causados pelo atraso e congestionamento nos órgãos federais e na ANCINE – Agência Nacional do Cinema na conclusão das tomadas de contas, o que levou ao Tribunal de Contas da União – TCU a atuar de forma mais enérgica para que tais contas que se acumulam há anos, dos Governos anteriores, sejam apuradas.

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Do lado de privado restou sempre a insegurança dos beneficiados devido à não conclusão das tomadas de contas, deixando a insegurança jurídica persistir, assunto que a atual gestão da ANCINE vem se dedicando para tirar esse atraso e colocar as coisas no lugar. É um passivo de análise enorme e terá que ser liquidado com o tempo. 

As normas da ANCINE exigem que se guardem os documentos por cinco anos contados da decisão final de análise da prestação de contas. Como as análises não acabam durante muitos anos, o volume de material que tem que ser guardado é enorme. Nesse longo tempo, as empresas mudam, se dissolvem, se dividem ou se fundem. As eventuais falhas em detalhes de documento, como assinaturas faltando, reconhecimento de firmas e cópias, ficam mais difíceis de se resolver. Pessoas morrem e empresas também. Os produtores têm seis meses após a conclusão dos projetos para prestarem contas, mas não há um prazo para a ANCINE concluir a prestação de contas.

A não aprovação de contas implica na devolução dos recursos, com todos os acréscimos, sem prejuízo, na hipótese de não pagamento, de ser instaurada uma Tomada de Contas Especial – TCE conforme as normas do TCU. A dúvida que fica é se os proponentes de projetos podem ficar anos sem uma resposta do Poder Público e se as tomadas de contas paradas poderiam ou não ser consideradas prescritas por inércia.

No dia 20 de abril de 2020, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento do recurso extraordinário (RE) 636886, com repercussão geral reconhecida (Tema 899), decidiu, por unanimidade, a favor de ser prescritível ação de cobrança pela União de débitos baseados em decisão do TCU, conforme ementa do Acórdão transcrita ao final deste artigo.

A decisão do STF precisa ser corretamente interpretada, ainda que possa conter precedentes positivos para projetos culturais. Não se pode partir do pressuposto que todo e qualquer procedimento de prestação de contas está sujeito à prescrição intercorrente, aquele que ocorre quando um processo administrativo fica parado mais que cinco anos.

O caso concreto julgado pelo STF trata especificamente de prescrição de ação de execução ajuizada pela União para cobrança da devolução de recursos utilizados para fins de aplicação no projeto “Educar Quilombo”. Os recursos foram captados junto ao Ministério da Cultura e as contas não foram prestadas tempestivamente. O TCU, após a tomada de contas especial e determinou que a Associação Cultural Zumbi e seus dirigentes a devolverem os valores captados. Ocorre que, após a decisão do TCU a União ajuizou ação de execução e, durante mais de cinco anos, não houve notícia de qualquer diligência concreta efetuada pela União tendente a obter a satisfação de seu crédito, no processo judicial. Portanto, o caso está relacionado à inércia do processo judicial e não ao tempo que levou a tomada de contas pelo Ministério da Cultura ou pelo TCU.

Em primeira instância, a sentença reconheceu a ocorrência de prescrição intercorrente e extinguiu o processo. A União apelou, tendo o Tribunal Regional Federal da 5ª Região mantido a decisão de 1º grau.

Levado caso ao STF, este reconheceu que é prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão do TCU. Isso porque a União para tentar salvar a demora do processo judicial a afastar a prescrição usava a “desculpa” que a origem da cobrança era um crédito gerado pelo TCU e por isso seria imprescritível. Na verdade, o que estava em análise era a prescrição intercorrente do processo judicial de cobrança e a inércia da União em dar andamento a este processo e não os processos administrativos anteriores no MinC ou no TCU. O termo “pretensão de ressarcimento” denota justamente que, no caso concreto, como houve inércia na condução do processo judicial de execução do débito, a mesma foi arquivada e, após, prescreveu. Isso tudo aconteceu no Judiciário e não no TCU ou no MinC. O tempo que isso demorou nas vias administrativas não foi objeto de julgamento pelo STF.

Não trata o caso de julgamento a respeito da prescrição aplicada ao prazo da análise das contas. São temas diferentes: a prescrição para cobrança de crédito exequível (crédito fiscal, no caso em questão) e o prazo prescricional de análise de contas apresentada.

O assunto julgado é a prescrição intercorrente em razão da natureza do crédito reconhecido pelo TCU, aplicando-se integralmente o disposto no artigo 174 do Código Tributário Nacional c/c art. 40 da Lei 6.830/1980, que rege a Execução Fiscal e fixa em cinco anos o prazo para a cobrança do crédito fiscal.  No mais, na Referida decisão do STF, o ministro Alexandre de Moraes citou trechos do julgamento do RE 852475 (tema 897), no qual o STF concluiu que “somente são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato de improbidade administrativa doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/1992 (Tema 897)”. O ministro Alexandre de Moraes também lembrou que: “Na presente hipótese é necessário, inicialmente, analisar o posicionamento dessa Corte Suprema em relação a (a) Tema 666, decidido em Repercussão Geral no RE 669.069 (Rel. Min. Teori Zavascki), com a seguinte Tese: É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil ou (b) Tema 897, decidido na Repercussão Geral no RE 852.475, Red. p/Acórdão: Min. Edson Fachin, com a seguinte Tese: São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.”

Diante disso, não se pode interpretar o recente Acordão do STF, que trata do Tema 899, sem que se leve em consideração o julgamento do RE 852475 (Tema 897). Se colocadas lado-a-lado, pode-se dizer que a imprescritibilidade vale para ações de ressarcimento que se pautem em prática dolosa.

No que diz respeito à questão de fundo trazida agora pelo STF, isto é, os fundamentos da decisão e não propriamente a decisão, ela pode ser positiva ao setor cultural, pois confirma a possibilidade de se reconhecer a prescrição intercorrentes de créditos originários de Tomada de Contas Especial quando não há dolo. Isso dependerá do caso a caso, quando for confirmada ou não a existência de fraude dolosa nas prestações de contas ou de omissão dolosa na não prestação de contas.

Na prática, vale dizer que seria possível tentar um entendimento por analogia de que o não andamento interno nos órgãos públicos competentes, MinC, ANCINE, TCU, nos processos de prestações de contas em cinco anos poderia dar ensejo a uma alegação de prescrição intercorrente. Isso não significa que os processos tenham que se encerrar em cinco anos, mas apenas que a falta de movimento dele por cinco anos poderia dar essa possibilidade de defesa. Na prática é muito raro que o processo não tenha tido nenhum andamento em cinco anos. caso haja demora maior que 05 anos para manifestação em ações ou para ajuizamento de pretensas ações de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas, é cabível a alegação de prescrição da cobrança, desde que não seja comprovado o ato doloso (a fraude intencional à prestação de contas).

Lembre-se que a questão é controversa. Por exemplo no âmbito tributário a Súmula CARF 11 diz que “não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal”. Portaria MF 277/2018, determina que a Súmula seja vinculante para a Administração Pública Federal. Há ainda quem defenda no processo administrativo tributário que ultrapassando-se o prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias sem uma resposta da Administração Pública Federal, começar-se-ia a contagem do prazo de prescrição intercorrente, com base no art. 24 da Lei 11.457/2007.

Portanto, não se deve confundir o caso julgado agora pelo STF com a prescrição do prazo de análise de prestação de contas pelo órgão competente. Está dependerá do procedimento específico de cada órgão e da comprovação de inércia absoluta por parte de tal órgão no processo de apuração das contas.

Junto à Agência Nacional do Cinema, por exemplo, há prazo inicial de 180 dias para apresentação de contas por parte dos proponentes, mas não se estabelece um prazo específico para a Agência apreciá-las, sendo que muitos débitos podem ser apurados após vários anos da apresentação das contas em atendimento a diligências pelo proponente. A Tese definida pelo STF não recai sobre o prazo que a Agência, o MinC ou o TCU teriam para apreciar as contas entregues pelo proponente, permanecendo os interessados em um cenário de insegurança jurídica. Vale alertar que tendo sido publicado, em tese, caberia recurso de embargos de declaração para aclarar o julgado. Portanto, cautela nesse assunto é a recomendação.

 

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, apreciando o tema 899 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário, mantendo-se a extinção do processo pelo reconhecimento da prescrição, nos termos do voto do Relator. Foi fixada a seguinte tese: "É prescritível a pretensão de ressarcimento ao erário fundada em decisão de Tribunal de Contas". Os Ministros Roberto Barroso, Edson Fachin e Gilmar Mendes acompanharam o Relator com ressalvas. Falaram: pela recorrente, a Dra. Izabel Vinchon Nogueira de Andrade, Secretária-Geral de Contencioso da Advocacia-Geral da União; e, pela recorrida, o Dr. Georghio Alessandro Tomelin. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica no início da sessão, o Ministro Celso de Mello (art. 2º, § 5º, da Res. 642/2019). Plenário, Sessão Virtual de 10.4.2020 a 17.4.2020.

 

Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli

Laura Vinci de Moraes Delboni

Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli | marcos.bitelli@bitelli.com.br

Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP Especialista em Direito do Entretenimento, Audiovisual, Propriedade Intelectual, Comunicações e Telecomunicações Sócio de Bitelli Advogados

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